Capítulo Vinte e Seis
Otávio Miller
Sinto minhas mãos um pouco trêmulas e suadas e preciso respirar fundo para controlar o nervosismo, que não é pouco. Estou sentado na sala de espera do orfanato onde Zoe reside e esse será nosso primeiro encontro após o pedido de adoção. Eu mal pude acreditar quando recebi a ligação da minha advogada, dizendo que eu poderia fazer a primeira visita a minha pequena. A cada dia eu tento não criar altas expectativas, mas se torna algo impossível. Zoe já é um sonho para mim e eu quero muito que se torne real. Desde que eu vi aquela garotinha pela primeira vez, senti que havia algo de diferente nela, algo que me cativou e fez meu coração bater mais forte em meu peito. Mas naquela época eu ainda estava cego pela dor, não que eu não sinta mais, mas agora é diferente... eu me sinto diferente. Eu me sinto pronto para enfrentar o mundo mais uma vez e ser feliz como eu mereço ser.
Por um instante penso que Evan poderia estar aqui comigo, já que Zoe o adora e ele me apoiou na ideia de adoção, mas após todo o drama que rolou entre nós dois, eu me mantive afastado. Não, eu não desisti dele, mas Evan precisa de tempo e é isso que darei a ele. Já disse tudo o que pretendia, agora é com ele, não posso viver sua vida, já tenho a minha que não é fácil, mas... é um dia de cada vez.
- Senhor Miller? - Ouço me chamarem e saio dos meus pensamentos, focando meus olhos na moça em minha frente.
- Sim? - Me coloco em pé e ajeito alguns fios dos meus cachos que acabam tapando minha visão.
- Pode me acompanhar? Zoe está o esperando no pátio. - Ela diz e abro um sorriso, assentando.
Andamos por alguns corredores extensos, até chegar na área de lazer do orfanato. Há um pátio grande com vários brinquedos, mesas e bancos dispostos ao redor e algumas árvores plantadas, que dão seu charme verde. Há algumas crianças brincando, mas meus olhos rapidamente se focam em minha pequena. Seu sorriso de dentinhos pequenos, os olhos castanhos brilhantes, a alma de sapeca. Ela está sentada em uma toalha no chão, desenhando, já que não pode correr por conta de ainda estar se recuperando da cirurgia que houve há algumas semanas. Ao seu lado há outra garotinha, essa está concentrada em um livro que tem nas mãos pequenas.
- Vocês tem uma hora, é o tempo do horário de visitas. - A cuidadora avisa e eu concordo com um aceno.
- Ok, obrigado! - Agradeço e me afasto dela aos poucos.
Meus passos são lentos em direção a Zoe e meu coração parece que vai sair do meu peito, tamanha a felicidade que sinto em apenas vê-la de longe.
- Ei, estrelinha! - Falo com calma ao chegar perto dela, chamando sua atenção.
- Tio Tatá! - Zoe diz em um grito feliz e corre até mim, que tem os braços abertos para recebe-la em um abraço apertado.
Fecho meus olhos ao sentir seu corpo pequeno junto ao meu e inspiro seu cheirinho de morango, algo que me deixa ainda mais apaixonado por ela. Eu realmente amo demais esse pequeno ser e estou disposto a muitas coisas para tê-la comigo.
- Muito má Zoe. - A voz infantil chama minha atenção e minha garotinha se afasta com um biquinho nos lábios.
- Desculpa, Lulu... Zoe não fez por mal. - Ela pede a amiguinha, que deve ter mais ou menos sua idade.
- O que houve? - Pergunto sem entender, olhando entre as duas.
- A Lulu não gosta de barulho, tio Tatá e eu esqueci quando gritei. - Zoe diz, estando cabisbaixa agora.
- Ah, entendi. Então não vamos gritar... aliás, prazer em te conhecer Lulu. - Falo para a garotinha, que me olha por um segundo antes de voltar seus olhinhos ao livro cheio de figuras em desenhos.
- Só a Zoe me chama de Lulu... meu nome é Lua. - Ela diz séria e prendo meus lábios para não rir, pois ela é fofa demais.
- Tudo bem, Lua... meu nome é Otávio, mas pode me chamar de Tatá também. - Falo com calma e me sento entre elas.
Lua não me diz mais nada, em contra partida Zoe solta sua língua ao falar pelos cotovelos e eu presto atenção em cada mínima palavra dita. Nós brincamos muito e passamos um ótimo tempo juntos. Minha vontade era dizer a ela que quero muito ser seu papai, mas sei que ainda não é um momento. Assim como eu não posso criar expectativas, também não posso dar falsas a uma criança, já que o futuro é algo incerto e eu não possuo seu controle.
Quando me despeço de Zoe e Lua uma hora depois, eu sinto meu coração calmo, em completa paz. É como se todos os meus problemas tivessem sumido e eu posso finalmente respirar tranquilo. Mas eu sei que esse alívio, infelizmente, é passageiro.
⊱⋅ ──────────── ⋅⊰
゚・*:.。*:゚・♡
Evan D'Ávila
- Pronto? - Ouço Helena perguntar com certo entusiasmo na voz e eu nego veementemente com um aceno.
Não, definitivamente não estou pronto.
- Evan, por favor! - John implora, estando ao lado da minha irmã e eu bufo baixinho.
- Isso dói. - Respondo, mas é um mentira e eles sabem disso.
- Ok, você é quem sabe. Não podemos obrigar você a nada. - Meu amigo diz por fim e começa a se afastar aos poucos.
Eu me sinto mal vendo essa cena e me forço a fazer algo, mas é como se eu estivesse paralisado, nenhum músculo se move.
Hoje eu coloquei a prótese definitiva e a recomendação dos médicos foi para que eu andasse para me adaptar, mas desde que chegamos em casa, eu me sentei no sofá e não quis mais me levantar. Confesso que evito de todas as formas olhar para minha perna com a prótese. E eu sei que é algo idiota da minha parte, mas eu não consigo. Eu deveria estar grato em ter condições de poder usar uma prótese, mas não estou. Nunca foi algo que pedi e não é algo que sou obrigado a aceitar.
- Eu já disse várias vezes, mas você ainda não entendeu, Evan. - Helena diz e meus olhos se encontram com os dela. - Isso não define você.
Minha irmã deixa a sala logo após dizer isso e eu me afundo no sofá, estando sozinho. Sinto meus olhos arderem pelas lágrimas que se acumulam e então me permito chorar.
Por que é tão difícil?
Por que eu não posso aceitar meu destino miserável de uma só vez?
Só vou ficar afastando as pessoas de mim o tempo todo? Por medo?
Por que eu sinto tanto medo?
Eu não quero ser assim!
Fecho meus olhos e acabo me lembrando de algo que totalmente nunca me importou... até agora.
É a festa de aniversário de casamento dos meus tios e todos estão felizes demais, menos eu, já que Otávio me trocou por seus amigos para fofocar. Sério, quem troca o namorado por isso? É o cúmulo do absurdo uma coisa dessas e só não vou embora, pois ficarei hospedado na casa dos meus tios. Então, automaticamente, sou obrigado a ficar aqui até amanhã.
- Tudo bem? - Ouço a voz grossa atrás de mim e me viro, vendo o tio do meu namorado.
- Se meu namorado me trocar por fofoca é estar bem, tudo bem então. - Digo com deboche e ouço ele rir.
- Meu marido faz isso comigo sempre... já me acostumei. Pode ser algo de família. - Apolo diz com humor e se aproxima mais com a cadeira.
Meus olhos varrem ele por inteiro e me pergunto como ele pode ser feliz estando assim. Conheço Apolo desde que eu era criança e sempre vi ele sendo "normal", mesmo com sua deficiência. E eu sei que ele não nasceu assim, mas foi uma fatalidade. Eu, de verdade, não saberia o que fazer se algo do tipo acontecesse comigo.
- Não é um bicho de sete cabeças, Evan. É só uma cadeira de rodas. - Ele diz, como se adivinhasse meus pensamentos e me sinto totalmente envergonhado.
- Desculpa, é que...
- Tudo bem, já me acostumei a todos os olhares. Mas não precisa pensar demais, eu sou tão normal e capaz quanto você.
- Não é isso, eu sei que é... mas, não é estranho? - Pergunto e me sinto um idiota por estar levando uma conversa assim adiante, mas me sinto curioso.
- Bem, como sabe, eu nem sempre fui paraplégico, fiquei assim após levar um tiro na coluna. Quando soube da minha deficiência, eu odiei o mundo e me odiei, até cogitei a ideia de que morrer teria sido melhor, mas eu estava tão enganado. Não vou mentir, sinto muito falta de poder simplesmente correr, mas eu resolvi ser grato por estar aqui hoje em dia. Ganhei tantas coisas, sabe? Lucio e meus filhos foram as melhores coisas da minha vida e consegui eles após estar em uma cadeira de rodas. Pode ser assustador, mas não é... você só precisa abrir sua mente e aceitar que sua vida continua. É um pouco diferente, mas continua sendo normal. Você ainda pode realizar sonhos, pode se profissionalizar em algo que goste, pode casar, ter filhos... pode ter tudo, pois uma deficiência não define quem você é, ela é apenas uma parte de você. Eu aceitei isso e hoje vivo feliz dentro das minhas limitações, que sendo sincero, são muito poucas. No final do dia eu sou igual a você, sem mais nem menos.
Ouço cada uma de suas palavras com atenção e concordo com tudo. E sendo sincero, adimiro muito o homem em minha frente. Só queria ter um pouco dessa força.
- Você é incrível, de verdade. - Falo e ele ri, negando.
- Não sou não, mas obrigado. Agora vai lá, seu namorado terminou os trabalhos. - Ele diz rindo e meus olhos encontram Otávio.
- Até mais, Apolo! - Aceno para ele e sigo até meu Tatá, que vem correndo com um sorriso em minha direção.
[...]
Torno a abrir meus olhos e respiro fundo, secando as lágrimas dos meus olhos. Me coloco sentado no sofá e fito minhas pernas, vendo a prótese em uma delas. Passo bons minutos olhando para o objeto que ajudará daqui para frente e só há uma opção nesse momento... aceitar.
Nada vai mudar, minha perna não vai voltar e eu não posso mudar nada do que houve comigo. É um caminho sem volta.
- Ok, vamos lá! - Falo comigo mesmo e tomo fôlego antes de me levantar.
A sensação é muito estranha e quase perco o equilíbrio por um momento, mas consigo me manter em pé. Diferente de quando expermitei a prótese pela primeira vez, essa não dói, é confortável. Me forço a caminhar e sigo em passos lentos até o corredor, indo até o quarto da minha irmã.
Penso em bater na porta, mas acabo entrando sem o fazer e vejo ela deitada na cama, mexendo em seu celular. Ela rapidamente me percebe e me olha com espanto, o que me faz rir.
- Quer dar uma volta pelo condomínio? - Pergunto e vejo um sorriso se abrir em seus lábios rosados.
É isso... Aceitar, se dar uma chance e continuar.
➖➖➖➖➖➖➖➖➖➖➖➖➖➖➖➖➖
É aos poucos, mas vai!!
Lua e Zoe são amiguinhas, gostaram???
Bjus da Juh, até a próxima 😘😘
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top