Capítulo Vinte e Quatro

Evan D'Ávila

É uma sensação de alívio poder sair do hospital depois de tanto tempo. É bom poder respirar o ar fresco e não sentir mais aquele cheiro de antisséptico. A cadeira de rodas está sendo empurrada por John e minha família vai um pouco a frente de nós no corredor do prédio em que meu pai alugou um apartamento para Helena, John e eu ficarmos. Ainda sou contra a ideia da minha irmã deixar sua vida de lado por mim, mas não pude falar mais nada depois que ela colocou isso em mente. Se há uma coisa que nunca acontece, é um D'Ávila voltar com sua palavra, somos fiéis ao que nos comprometemos a fazer.

Vejo meu pai parando em frente a última porta do corredor e tirar um molho de chaves do bolso. Com uma ele abre a porta do apartamento, nos dando sua ampla visão.

- Procuramos um lugar espaçoso, espero que goste. - Papai diz, assim que todos nós já estamos dentro do apartamento.

E realmente o lugar é bem amplo, tendo espaço tranquilamente para que eu possa me locomover com a cadeira de rodas.

- Está ótimo, papai. Nem precisava ser tão grande assim. - Falo e vejo papai revirar os olhos.

- Até parece! - Ele resmunga e segue em direção da cozinha com algumas sacolas de compras. Meus irmãos o seguem e ficamos apenas John, meu pai e eu na sala.

- Está confortável com isso? - Meu pai pergunta após um tempo, me olhando com atenção.

- Não, mas vou me acostumar. Onde é meu quarto? - Pergunto, mudando de assunto.

Sei que todos só querem meu bem estar, mas não gosto de me aprofundar no assunto que é minha vida agora. Não gosto de pensar nos obstáculos, nas coisas que preciso superar e nas dores que sinto desde que acordei... tanto física, quanto emocionalmente.

- Eu te levo até lá, já trouxemos suas coisas. - John diz com calma, entendendo que eu preciso fugir por um momento.

Deixo meu melhor amigo me guiar até meu quarto e entramos segundos depois na última porta do corredor. No total são quatro quartos e o meu é o último, graças aos céus. O cômodo também é amplo e limpo. Há apenas a cama de casal com as mesinhas de cabeceira ao lado, uma cômoda em um canto e uma poltrona de outro. Há mais duas portas, uma dando para o banheiro e a outra para um closet pequeno. Também há uma pequena sacada, o que me atraí bastante.

- Pode me deixar sozinho, John? - Peço com calma, ansiando um pouco de paz.

- Não faça nada estúpido... te amo. - Ele diz e deixa um beijo em minha bochecha antes de sair e fechar a porta atrás de mim.

Fico bons minutos parado no mesmo lugar, apenas olhando em um ponto fixo e tentando entender os milhões de pensamentos que rondam minha cabeça. É sempre uma luta quando estou acordado. Minha mente não para um só segundo e isso me esgota de uma forma inexplicável.

Solto um suspiro pesado e levo minhas mãos até as rodas da cadeira, me guiando até a porta de vidro que leva até a sacada do quarto, mas antes que eu possa abri-la, meus olhos se fixam no meu reflexo ali. Eu ainda não havia me visto por inteiro e essa visão me assusta muito, ainda mais pelo fato de eu estar em uma cadeira de rodas e com uma perna amputada. Estou mais magro que antes, graças aos dias em coma, minha pele está mais pálida devido aos dias sem sentir um raio de sol. E também há as cicatrizes em meu rosto, porque afinal de contas, eu tive meu maxilar destroçado. A barba está crescendo e consegue esconder um pouco, mas eu vejo e isso me dá uma certa agonia.

Fecho meus olhos e levo minhas mãos até meu rosto, sentindo novamente toda a insegurança de todos os dias desde que acordei. Eu não me sinto mais o mesmo Evan de antes e isso me causa medo. Isso me apavora! Eu me olho e não me reconheço, eu me olho e sinto raiva em muitos momentos. Também sinto arrependimento e culpa. E sempre me pergunto: por que comigo?

Quando me dou conta, há lágrimas descendo pelo meu rosto e não faço ideia se são por causa da bagunça dentro de mim, dos meus sentimentos, ou pelas dores que vem me acompanhando todos os dias, mas eu finjo ser forte e suportar.

Uma batida na porta me desperta e sou rápido em limpar as lágrimas do meu rosto e fingir uma expressão de que está tudo bem, mas não me viro, continuo olhando para minhas mãos em meu colo, me sentindo anormal.

- Entra. - Falo, tentando não evidenciar o choro recente com minha voz.

A porta se abre segundos depois e escuto passos suaves adentrando o quarto. Penso ser algum dos meus pais, mas fico surpreso ao ouvir a voz dele.

- Estava aqui perto e me lembrei que meu padrinho alugou um apartamento nesse prédio para você. Espero que não se importe com a visita. - Otávio diz e ouço sua voz perto, bem atrás de mim.

- Jamais ficaria bravo com uma visita sua. - Sou sincero em minhas palavras e levanto minha cabeça, o vendo através do reflexo na porta de vidro.

E seus olhos também observam meu reflexo, tanto que seu sorriso some ao ver a expressão em meu rosto e segundos depois ele está ajoelhado em minha frente, me olhando com preocupação.

- Ei, o que está acontecendo? - Sua pergunta sai com urgência e seus olhos me analisam por inteiro, buscando uma resposta, mas ele já a tem.

- Você sabe o que é, Otávio... todos sabem. - Falo, cansado.

Eu estou disposto a me aceitar, a viver minha vida como eu posso a partir de agora, mas não é como se fosse fácil. Isso não é! É a minha vida que foi mudada totalmente e eu me sinto de cabeça para baixo, não sabendo ainda lidar com a avalanche que é tudo isso.

Otávio absorve minhas palavras assim que elas deixam minha boca e vejo a compreensão em seus olhos. Ele abre a boca, querendo falar algo, mas a fecha em seguida. Um suspiro escapa por sua boca e ele se senta no chão, a minha frente, olhando para suas mãos.

- Eu não sei o que posso dizer, de verdade. - Fala após alguns segundos de puro silêncio e isso me faz sorrir minimamente.

- Pelo menos você não está me dizendo para ser forte, pois tudo isso vai passar. Eu sei que em algum momento eu vou conseguir, mas eu já me cansei de ouvir esses papos motivacionais. Entende? - Pergunto e vejo ele assentir.

- Sim, eu entendo. É como quando eu perdi nossa Luz... muitos me diziam que a dor ia amenizar, que eu poderia ter mais filhos. Sério, esse último era o me fazia querer socar uma pessoa. - Ele diz e então seus olhos voltam a se encontrar com  os meus. - Mas já que não quer falar sobre isso, vamos mudar de assunto. Quer sair dessa cadeira? Deve estar desconfortável. - Diz e se levanta, enquanto me observa.

- Me ajuda a sentar na cama? - Pergunto e ele concorda com um aceno.

Otávio guia a cadeira para mais perto e me apoia até sentar na cama. Me acomodo com as costas na cabeceira e me sinto mais confortável, já estava sentindo minha bunda ficando quadrada.

- Hum... pode pegar alguns remédios para dor para mim? - Pergunto, me sentindo um chato por incomodar demais.

- Pego sim e não se sinta um incômodo, Evan... você não é. - Otávio diz, como se adivinhasse meus pensamentos e eu bufo baixinho.

Acompanho ele sair do quarto para fazer o que pedi e meus olhos vão até o teto. Como a vida é louca! Há alguns meses Otávio não queria nem ouvir meu nome, e hoje ele está aqui, sendo meu amigo como antes.

Minutos depois Otávio volta e não só com os remédios, mas uma bandeja em mãos. Arqueio uma sobrancelha e vejo ele sorrir sapeca.

- Se lembra de quando comíamos sucrilhos com iogurte? - Ele pergunta quando deixa a bandeja em minha frente e então eu vejo as duas tigelas com Danone e cereal misturados.

- Você me obrigou a comer isso da primeira vez. - Falo rindo enquanto ele me entrega os remédios para dor e um copo com água.

- Foi algo bem feito, você amou afinal. - Ele dá de ombros e me estende uma das tigelas após eu tomar os comprimidos.

- Tem razão, minha diabetes também. - Brinco e ele revira os olhos.

Otávio tira os sapatos e se senta em posição de índio na cama, pegando sua tigela, começando a comer também. Confesso que eu aprecio muito o gosto do iogurte de Morango e o crocante do cereal.

- Hum... preciso te falar uma coisa. - Ele diz e acaba escorrendo um pouco de iogurte de sua boca ao falar.

- O quê? - Pergunto curioso e me inclino sobre ele, pegando um guardanapo, limpando sua boca em seguida.

Percebo que Otávio fica um pouco sem graça com meu gesto e isso me faz rir baixinho.

- Entrei com um pedido de adoção para Zoe. Conversei com meus pais e com minha terapeuta, e eles estão me apoiando. - Otávio diz com um sorriso lindo em seu rosto, o que me hipnotiza um pouco.

- Isso é perfeito, Tatá... tenho certeza que será um ótimo pai para aquela garotinha. - Falo sincero e seu sorriso se amplia.

- Não quero criar altas expectativas, pois há mais um casal nessa briga, mas eu realmente já sinto ela como minha filha. Minha conexão com ela foi tão especial, sabe? Eu nunca mais pensei em filhos depois que perdi nossa filha, mas quando conheci Zoe, eu pude voltar a sonhar e querer sentir esse amor novamente. Espero que tudo dê certo, pelo menos uma vez. - Ele diz e suspira no final, deixando a tigela de volta na bandeja.

- Ei! - Chamo sua atenção e pego uma de suas mãos com a minha, olhando em seus olhos escuros.

- Já deu tudo certo, não seja pessimista e confie nas suas chances. Você é a melhor opção para Zoe e não importa se tem um companheiro ou não... você e Zoe ainda podem ser uma família de dois. - Sorrio para ele, querendo que ele confie nisso.

Por mais que haja mais pessoas nessa "disputa" eu não vejo mais ninguém sendo pai de Zoe, se não Otávio. Esse homem em minha frente merece ser feliz e eu vejo que essa felicidade está naquela garotinha. Zoe é um ser precioso e merece somente o melhor, o que eu tenho certeza que terá com Otávio.

- Obrigado pela força, Evan. Vou ser mais confiante... você também deveria ser. - Ele diz e abre um sorriso pequeno, piscando para mim ao apertar minha mão que está junto a sua.

Balanço minha cabeça em negação, mas acabo rindo, pois Otávio é assim. Ele sempre usa nossa palavra contra nós mesmos, ainda mais se isso for para o seu bem.

➖➖➖➖➖➖➖➖➖➖➖➖➖➖➖➖➖

Olá, jujubas!!!

Estamos tendo uma boa interação, não??? 💜💜💜

Bjus da Juh, até a próxima 😘 😘

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top