Capítulo Vinte e Oito

Otávio Miller

O beijo é urgente, mas ao mesmo tempo traz uma delicadeza que há muito eu queria. De todas as bocas que já beijei na vida, nenhuma se compara a de Evan, porque das outras vezes não havia sentimentos, mas com ele há um mar revolto de sentimentos incompreendidos. Seu toque me remete há anos atrás, quando éramos apenas dois garotos descobrindo o mundo juntos, amando juntos.

Por que tudo mudou tão de repente? Por que fomos tão imaturos? Por que deixamos o orgulho falar mais alto que o amor que sentíamos? Do que o amor que ainda sentimos. Porque sim, eu amo esse homem com todas as minhas forças e estar longe doeu como se fosse brasa queimando meu peito.

Nossas bocas se afastam quando o ar se faz necessário e meus olhos se encontram com os dele, me causando um arrepio. O frio em minha barriga é intenso e as famosas borboletas fazem uma festa. E não posso esquecer de citar meu coração, esse sim bate como louco.

- O que foi isso? - Pergunto, ainda ofegante pelo esforço físico recente.

- Isso? - Evan pergunta com um sorriso e suas mãos descem até minha cintura, me levando para mais perto, como se fosse possível.

- Sim, isso! - Falo, prendendo o riso, e aponto entre nós dois.

- Isso sou eu dizendo que fui um idiota por ter dito aquelas coisas. Eu conheço você desde que nasceu, literalmente, e sei que jamais estaria comigo por pena. Eu só estava deixando meu medo falar por mim... ainda sinto tantas coisas ruins em relação a mim mesmo, Otávio, mas eu sei de uma coisa. - Ele diz e faz uma pausa, olhando profundamente em meus olhos. - Eu sei que eu te quero de volta, não estava mentindo quando disse isso pela primeira vez. E você dizendo que também me quer, me fez perceber que preciso deixar minhas paranoias de lado e dar uma chance a nós dois. Mesmo que haja uma história de dor entre nós, podemos fazer diferente, pois os momentos bons superam os ruins e meu amor por você continua o mesmo... nunca mudou.

É impossível conter o sorriso que se abre em meu rosto e algumas lágrimas que começam a brotar em meus olhos. Solto uma risada e volto a abraçá-lo, estando feliz demais para me expressar em palavras. Eu sei que temos um caminho longo pela frente, Evan está longe de estar bem e eu ainda não estou cem por cento, mas nós vamos conseguir. É nisso que eu acredito. É por isso que eu quero dar uma chance a nós dois e é por isso que ele está fazendo o mesmo.

- É sério, eu preciso que me perdoe pelo que eu disse. - Ele diz após um tempo e eu me afasto, pegando seu rosto em minhas mãos com cuidado.

- Evan, eu já disse que está tudo bem. Eu já te perdoei naquele mesmo dia, não guardei aquelas palavras, pois eu sabia que não era o meu Evan falando. Só vamos seguir em frente, ok? Eu estou tão feliz por te ver em pé, andando, por ter você aqui comigo, dizendo que quer tentar novamente. Só vamos dar um passo de cada vez e deixar o passado no passado, não vamos nos martirizar ainda mais, tudo bem? - Falo com calma e ele suspira, assentindo.

- Ok! Entra, sua pizza já deve estar fria. - Ele diz, mudando de assunto e eu solto uma risada.

- Sério que pediu a pizza mesmo? - Pergunto, pois eu estava brincando quando disse isso a ele.

- Você pediu, ué! - Diz o óbvio e me puxa com ele logo após fechar a porta.

Balanço a cabeça em negação, mas não consigo parar de sorrir. Eu estou muito feliz e não me sentia assim há muito tempo.

Nos sentamos no sofá e ele abre a embalagem de pizza em cima da mesinha de centro. Não consigo parar de olhar para ele com a prótese, pois é um sinal de que ele aos poucos, muito lentamente, está aceitando sua situação. Evan me estende um pedaço de pizza e agradeço por isso, pois me sinto faminto depois de um plantão de 24 horas. E por milagre nossa pizza ainda está quentinha, fazendo o puxa do queijo.

[...]

- Quando começou a usar a prótese? - Pergunto quando estamos deitados no sofá. A caixa vazia de pizza ao nosso lado.

- Hoje, Arthur me ligou ontem dizendo que já poderia colocar a definitiva. - Evan responde. Um de suas mãos está em meu cabelo e quase me rendo ao sono com o carinho.

- E como está se sentindo enquanto usa? - Pergunto com curiosidade e preocupação.

- Estranho. É bom poder voltar a andar por mim mesmo, mas ainda preciso me adaptar e não sentir algo ruim toda vez que vejo uma prótese onde deveria estar minha perna. - Ele diz e eu sei que ainda é complicado.

- Evan? - Chamo e recebo um som em concordância, afirmando que está me ouvindo. - Já pensou em procurar um psicólogo ou terapeuta? Sei que parece assustador, mas não é. Ter alguém de fora para conversar é bom, pois você se sente livre para contar coisas que não quer compartilhar com os outros. No começo eu odiava minha terapeuta, mas com o tempo eu percebi a grande diferença que ela fez na minha vida.

- Já me recomendaram isso, mas me sinto inseguro. O quão estranho é contar sua vida, seus medos mais profundos a um completo estranho? Não faz sentido algum, Tatá. - Ele responde e um sorriso se abre em meu rosto, pois fazia muito tempo desde a última vez em que o ouvi me chamar assim.

Me viro com cuidado sobre ele, já que estava deitado em seu peito e encaro seu rosto, vendo o quão esse homem é lindo. Evan pode achar que não, depois de tudo, mas para mim nada mudou. Suas cicatrizes e uma prótese não mudaram o homem que ele é, a única coisa que mudou foram as atitudes, ele estar mais fechado e hesitante em relação a quase tudo. Mas quem não estaria?

- É estranho sim, mas depois você vai se acostumar. Pode confiar! E, por que não faz apenas um teste? Vá em uma sessão, se sentir confortável para continuar, ótimo, se não, tudo bem também. - Falo com calma e levo minha mão até seu rosto, passando meu dedo levemente pela cicatriz em seu maxilar.

- É, acho que posso tentar. Mas me conta, como foi a visita para Zoe? - Evan pergunta curioso e automaticamente um sorriso se abre em meu rosto. Me lembrar da minha pequena é bom demais.

- Foi tão bom estar com ela novamente, mesmo que por pouco tempo. Eu ia te chamar, mas fiquei receoso depois do que houve. - Falo sincero.

- Descul...

- Para, Evan... já passamos disso. Vamos somente combinar uma coisa? - Pergunto e ele me olha, assentindo. - Não vamos mais nos cobrar pelos erros do passado, éramos imaturos, jovens demais e aprendemos com nossos erros. Se estamos nos dando uma chance hoje é porque sabemos o que não fazer, é porque estamos maduros para tentar novamente. Então não vamos nos cobrar por palavras ditas, por atitudes tomadas no passado. Aquilo que aconteceu também já é passado, então para que remoer? Já sofremos demais, Evan. Merecemos ser feliz, não?

Cada palavra dita é olhando em seus olhos, transmitindo verdade, transmitindo os sentimentos guardados em meu peito. Eu realmente quero viver sem amarras, sem culpas, sem remorso pelo que houve no passado. Cinco anos longe um do outro, perdas e lágrimas já foram o suficiente. Eu só quero ter paz, só quero um pouco de felicidade.

- Eu também quero ser feliz, Otávio. Quero que você seja feliz e tenho medo de não ser o suficiente para você, medo de não conseguir te fazer feliz, te satisfazer de alguma forma. Eu nunca fui um homem inseguro, mas depois do que houve eu não me sinto mais o mesmo Evan e isso me assusta. Eu só queria que todos os sentimentos ruins sumissem, mas eu estou tentando. - Ele diz e vejo seus olhos brilhar por algumas lágrimas que começam a brotar.

Fico em silêncio por um tempo, absorvendo tudo o que ele acabou de me dizer. Não é uma novidade saber de suas inseguranças, mas isso não impede que meu coração doa ao ver Evan tão frágil dessa maneira. Eu o conheço desde que nasci e sei o quanto ele sempre foi destemido, sempre buscava alcançar seus objetivos e não se frutrava por não conseguir de primeira. Mas, infelizmente, algumas coisas mudam em nossas vidas quando o trauma é grande demais.

Eu me coloco sentado no sofá e um pouco hesitante estendo minha mão até sua perna com a prótese.

- Posso? - Pergunto, apontando para onde a prótese se encaixa.

Evan parece me avaliar por um tempo e vejo um pouco de medo em seus olhos, mas ele assente por fim, me dando passe livre. Com cuidado eu desencaixo a prótese de sua coxa e a deixo de lado. Eu me afasto um pouco e me encosto no braço do sofá, o vendo por inteiro.

- Sabe o que eu vejo sem a prótese? - Pergunto com calma e espero sua resposta. Algo que demora alguns segundos.

- Um homem com uma deficiência? Pela metade? - Ele questiona e reviro meus olhos.

- Resposta errada, vamos lá, se esforce. Vale um beijo. - Brinco e vejo um sorriso mínimo em seu rosto.

- Só um? - Evan questiona, entrando na brincadeira e se senta no sofá, me encarando.

- Talvez dois, vai depender da sua resposta. - Falo com superioridade.

O ruivo parece parar para pensar. Sei que no momento ele só pensa o pior de si, mas eu quero tanto que ele se veja pelos meus olhos. Que veja o quanto é perfeito do jeitinho que é.

- O que você vê quando olha para o meu pai Enzo, Evan? - Pergunto e ele me olha confuso por um instante.

- Um homem forte, alguém que eu admiro. - Ele responde sem hesitar.

- E o que você vê quando olha para tio Apolo?

- Um homem incrível também, uma inspiração para muitos.

- E o Ravi? O que vê nele?

- Alguém que eu amo muito? Tenho orgulho dele, por tudo o que ele representa. - Responde e meu sorriso se amplia.

- Você eles, amor... você não vê nenhuma deficiência, limitação, nada. Você enxerga apenas os seres humanos que eles são. E eu vejo o mesmo em você, vejo o Evan... o homem que eu amo, nada além disso. Consegue entender? - Pergunto e me aproximo dele.

Evan permanece em silêncio, mas eu percebo que minhas palavras causam impacto nele.

- Eu sei que não pode se ver pelos meus olhos, mas vou fazer de tudo para te mostrar o quão perfeito você é. Não são cicatrizes, uma perna amputada ou qualquer outra coisa que vão mudar a forma como vejo você. Isso nunca vai mudar... o meu Evan permanece o mesmo. - Falo sincero, querendo que ele acredite em cada uma das minhas palavras.

Vejo as lágrimas caindo por seus olhos claros e levo meus dedos até seu rosto, enxugando cada uma delas. Aproximo nossos rostos e encosto minha testa na sua, sentindo nossas respirações se misturando, se tornando apenas uma.

- Obrigado por estar aqui. - Ele diz em um sussurro.

- Eu vou estar sempre, temos uma promessa e dessa vez irei cumprir. - Respondo no mesmo tom.

"Eu queria que você pudesse se ver através dos meus olhos
Eu sempre esqueço que você não pode ler minha mente

Contanto que eu tenha você e eu
Viajemos por este mundo como um time de dois
Eu sempre terei tudo que preciso
Você nem percebe o que significa

Ninguém poderia se apaixonar por você como eu
Ninguém poderia me prender tão perfeitamente
Você nem percebe
Você é tudo que eu preciso

Porque eu quero você e eu, você e eu"

James TW - You & Me

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2/4

P.s: Se gosta da história e do capítulo lido, comente nele e deixe seu voto. Isso ajuda muito o livro a crescer e me ainda mais ânimo em escrever. Bjus 😘😘

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