Capítulo Vinte

Evan D'Ávila

É a primeira vez que eu realmente encaro minha perna amputada. Antes eu já a havia visto, mas desviava o olhar e sentia repulsa de mim mesmo. Mas nesse exato momento, meus olhos estão cravados nela. E tenho que confessar, a sensação dentro de mim não é nada boa, muito menos animadora. É angustiante, frustrante e tudo mais de ruim que existe. É difícil você ser inteiro em um dia e no outro não. Isso é louco e radical. Uma mudança brusca que nem todos conseguem ou vão assimilar. Eu mesmo ainda não consigo e nem sei se vou.

Ao meu redor está a equipe médica responsável pelo meu tratamento, mas eu não escuto praticamente nada do que eles dizem, meus olhos estão fixos no meu maior pesadelo. A faixa de curativo não está mais cobrindo o local, já que uma das enfermeiras está trocando o curativo e sinto repulsa de mim mesmo ao ver essa imagem. Não é algo agradável de se olhar, não mesmo. A pele ainda está cicatrizando, estando avermelhada.

Engulo em seco, sentindo a ânsia crescer dentro de mim. Desvio meus olhos da minha perna e olho para à parede, fechando meus olhos.

- Você entendeu o processo, Evan? - Ouço o médico perguntar e pisco meus olhos algumas vezes, voltando à realidade.

Olho para o homem em minha frente e ao seu lado está Arthur. Descobri que ele é médico ortopedista e fisioterapeuta no hospital, e está cuidando do meu caso agora. E não sei se fico feliz ou não por ver um rosto amigo no meio de tantos desconhecidos.

- Humm... será que posso falar com Evan a sós? - Arthur pergunta ao médico responsável, me deixando um pouco intrigado com sua atitude, mas não digo absolutamente nada.

Por um lado vai ser bom ter essas pessoas saindo do meu redor, pois me sinto cada vez mais sufocado.

- Tudo bem, voltamos em uma hora para começar. - O médico chefe diz e sai do quarto junto com sua equipe.

Não olho para Arthur, mantenho meus olhos fixos no mesmo ponto da parede branca. O silêncio permanece por mais alguns minutos e sinto ele chegar mais perto de mim, mas não chega a invadir meu espaço pessoal.

- Olha, eu não sou bom em dar conselhos motivacionais, não faz o meu estilo, mas como médico eu busco ajudar meus pacientes ao máximo. E você é um deles nesse momento, então farei de tudo pela sua recuperação. - Ouço ele dizer e só então o olho, fixando meus olhos nos seus.

- E se eu não quiser? - Retruco e vejo Arthur sorrir.

- Quer sim, Evan, você só está assustado e eu entendo. Você sabe que meu pai Apolo é paraplégico, certo? - Ele pergunta e eu assinto com a cabeça, mas sou rápido em responder.

- Não somos iguais, não é a mesma coisa. - Respondo.

- Acha mesmo que não? Meu pai também tinha uma vida saudável, tinha suas pernas funcionando e de repente, por causa da maldade de um homem, ele perdeu isso. Sem contar que ele perdeu mais de um ano da vida dele estando em coma. Eu não sei a dor que ele passou, não sei a dor que você está passando, mas eu posso te dizer com certeza que a vida ainda não acabou por isso. Meu pai é prova disso, durante mais de vinte anos eu vi meu pai se superando a cada dia mais e tenho muito orgulho disso, tenho orgulho da força que ele tem. Você também será motivo de orgulho das pessoas que ama, Evan. Eu sei que você consegue, mas precisa confiar em si mesmo e se dar uma chance. A raiva, o medo e a angústia não vão sumir em um passe de mágica, mas você é forte e sabe disso. Então levanta a cabeça e siga em frente. Uma limitação não define você, ela torna você mais forte e único. Cada um tem sua dor para suportar, mas não é o fim, é apenas aprendizado. No final você verá que é exatamente isso.

- Certeza mesmo que não é nenhum coach motivacional? - Pergunto quando ele termina de falar e Arthur ri.

- Sim, tenho certeza. Te vejo em uma hora então? Vamos começar o processo para colocar a prótese. Como faz pouco tempo do acidente, isso vai ajudar você a se adaptar melhor e não haverá tanto sofrimento.

- Nos vemos em uma hora. - Confirmo e então Arthur deixa meu quarto.

Eu solto um suspiro ao me ver sozinho novamente e guio meus olhos até o o teto, pensando em tudo o que está acontecendo na minha vida agora. A visita de Otávio e Zoe retorna a minha mente, e pensar naquela garotinha me dá ânimo. Zoe já suportou tanta coisa na sua pouca idade, acho que também posso fazer o mesmo agora. Eu preciso ser forte. Não sei como, mas preciso.

[...]

Como combinado, a equipe médica voltou em uma hora e dessa vez eu prestei atenção em todo o processo para à colocação da prótese que vai me ajudar a andar. Não fizemos muita coisa. Eles examinaram o coto, local onde foi marcada a amputação e avaliaram a fase de cicatrização, que está boa. Ouvi também sobre os vários modelos de próteses e quais deles podem me ajudar melhor. A partir da próxima semana começa as sessões de fisioterapia pré-protetização e após isso é paciência com o novo processo.

Descobri também que no final da semana já receberei alta e confesso que isso me animou um pouco, pois estar nesse quarto de hospital é uma sensação terrível e que não quero voltar a experimentar.

- Você pode escolher o que usar enquanto não tem a prótese, Evan. Suas duas opções são as muletas ou cadeira de rodas. - Ouço um dos médicos dizer e minha atenção vai até ele.

Eu não faço a mínima ideia do que responder a ele, por isso mantenho silêncio. Mas a minha imagem em uma cadeira de rodas é assustadora demais na minha cabeça.

- Acho que Evan já teve informações demais por hoje e ainda há tempo de pensar com calma. Aliás, você também pode pesquisar mais sobre as próteses. - Arthur intervém e agradeço por isso.

- Ok, obrigado! - Falo por fim e minutos depois me encontro sozinho novamente.

Respiro fundo e me ajeito melhor na cama, mas meus olhos analisam o chão e aquela vontade de apenas andar me toma. Penso por um segundo e resolvo testar. Tiro o lençol de cima das minhas pernas e me viro na cama, colocando a perna esquerda para fora dela. E meus olhos são obrigados a contemplar a diferença de uma para à outra. Solto um suspiro e me obrigo a não pensar nisso agora.

Piso meu pé esquerdo no chão, sentindo o frio percorrer minha pele. Seguro na parede e então consigo me colocar de pé. É estranho sentir meu peso sendo sustentado por apenas uma das pernas e isso me desestabiliza um pouco. Encontro um jeito de apoiar minha outra mão na mesinha ao lado da cama e tento dar um "passo", mas o que consigo é pular igual a um saci. E acabo me arrependendo dessa ideia quando sinto minha perna esqueceda doer muito, assim como o local da amputação também. E por mais louco que seja, é como se eu pudesse sentir o resto da minha perna que foi amputada, mas eu sei que é apenas a minha cabeça me pregando uma peça.

- Ei, o que está fazendo? - Ouço a voz familiar do meu pai, e ao erguer meus olhos, o vejo parado na porta do quarto.

- Me ajuda a voltar para cama. - Peço, ignorando sua pergunta.

Meu pai Adrian me olha por mais alguns segundos, até suspirar e vir na minha direção. E me fazendo me lembrar dos meus tempos de criança, ele me pega em seus braços e me coloca novamente na cama. Fecho meus olhos ao sentir algumas pontadas em meus membros inferiores e mordo meu lábio para não gemer de dor.

- Pai, tá doendo. - Falo em um suspiro.

- Que merda você estava na cabeça, Evan? Você está há semanas em cima da cama, seu corpo desacostumou, principalmente sua perna. - Ele diz frustrado e odeio ter que ouvir um sermão justo agora.

- Pode só arrumar um remédio pra mim? Por favor? - Pergunto e abro meus olhos, olhando para ele que tem o rosto sério.

- Minha vontade é deixar uns tapas em você, garoto. Ainda não desistiu de querer me matar do coração. - Ele resmunga e sai do quarto em seguida.

Confesso que sua fala me faz sorrir um pouco e até me esqueço da dor por um segundo.

Meu pai volta pouco tempo depois tendo um enfermeiro e pai Castiel junto dele. E eu me sinto extremamente culpado ao ver preocupação no olhar dos meus pais. É algo que odeio com todas as minhas forças. Eu odeio toda essa situação, na verdade.

Sinto a agulha perfurar minha pele e minha veia arde ao sentir o medicamento sendo aplicado ali.

- Não sai da cama, se precisar de ajuda chame alguém. - O enfermeiro alerta e eu concordo em silêncio.

Aos poucos a dor vai cessando e me sinto um pouco sonolento, mas me recuso a dormir agora. Preciso falar com meus pais primeiro.

- Podem sentar mais perto? - Pergunto e os dois concordam, vindo até mim.

Cada um se senta ao meu lado na cama e pego na mão dos dois, me sentindo um garotinho novamente. Sinto algumas lágrimas se formarem em meus olhos e respiro fundo para contê-las.

- Eu quero pedir desculpas por ter tratado todos tão mal, inclusive vocês dois que não tem culpa de nada. Eu só queria algo para descontar minha raiva e acabei fazendo isso nas pessoas mais importantes para mim. Eu ainda me sinto frustrado, mas quero os dois ao meu lado, segurando minhas mãos com sempre fizeram. Então me desculpem, mesmo. - Peço aos dois, olhando para cada um deles.

Meus pais são as pessoas mais importantes da minha vida e sem eles eu não sou nada. Então eu preciso da força deles nesse momento crucial da minha vida.

- Eu já sei que não há mais nada a ser feito, minha perna não volta mais, então só me resta aceitar. Ainda é difícil, mas eu sei que vou conseguir. Pior seria se eu não estivesse aqui e eu peço perdão se um dia pensei que morrer seria melhor. Não é, e eu sei a dor que vocês sentiram...

- Ei, tudo bem. - Papai diz e me abraça apertado, me deixando chorar em seu ombro. - Nós não estamos aqui para te julgar, filho, pois não sabemos o que está sentindo. E nós aceitamos suas desculpas, mas não são realmente necessárias. Cada um tem seu modo de reagir a dor e está tudo bem o que importa é você ainda estar aqui com a gente.

- Nós jamais vamos soltar sua mão, Evan... nem precisa se preocupar com isso. Nós e todos os que te amam estarão ao seu lado nesse momento. Você pode ser forte, pode se sentir frágil e não há problema algum, pois nós te amamos. Seu irmãozinho também já entra nesse pacote. - Ouço pai Adrian dizer e paraliso com sua última frase.

- O quê? - Pergunto surpreso e me afasto um pouco deles.

Olho entre os dois, procurando minha resposta e papai sorri, levando a mão até até barriga ainda lisa.

- Você foi promovido novamente ao posto de irmão mais velho. - Ele brinca e isso me faz sorrir.

Eu me sinto sem fala, então apenas volto a abraçar meu pai e acaricio sua barriga, já sentindo um grande amor crescer em meu peito. E se antes eu tinha motivos para lutar, agora eu tenho mais um muito especial.

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Olha quem voltou!!!! Estava morrendo de saudades desses bebês e vocês, jujubas????

Espero que tenham gostado...

Bjus da Juh, até a próxima 😘😘

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