Capítulo Trinta e Seis

Otávio Miller

Meus olhos se perdem nas vitrines das lojas infantis do shopping e suspiro audivelmente, já imaginando Zoe em cada pequeno vestido que eu vejo. Minha vontade é comprar tudo que vejo pela frente e me lembre dela, mas sei que preciso dar uma maneirada. E também quero a trazer para escolher suas coisinhas quando ela puder já sair do orfanato comigo e Evan. Sendo sincero, não vejo a hora de levar minha bonequinha para casa. Não vejo a hora de não ser apenas uma visita, mas ter ela a todo momento junto de mim. Isso é o que eu mais anseio. Assim como estar perto de Evan também.

Eu realmente não me arrependo de ter o incluído nos meus planos com Zoe, até porque ele faz parte de cada um deles. Eu não me vejo sendo feliz sem Evan ao meu lado e já adiamos demais o sonho de termos nossa família. Seis anos separados já foram o suficiente, o que eu preciso agora é somente estar com ele ao meu lado, cuidando da nossa filha. E nos últimos dias também venho pensando na ideia de morarmos juntos, pois não faz sentido estarmos afastados um do outro, ainda mais quando Zoe se juntar a nós.

- Olha só aquele azul, é a cara dela - Gio fala ao meu lado, estando tão entusiasmado quanto eu para comprar roupas a sobrinha.

Na verdade, Giovani está adorando tudo isso, já que ele ama o mundo da moda e já disse que Zoe será sua cobaia. Ainda não concordei sobre isso, mas também não quis tirar o sorriso de seu rosto. Meu irmão é um pouco fora da casinha, mas já ama minha pequena profundamente e isso me deixa muito grato.

- Acha que devo levar? - pergunto, mas ele não me responde, ao invés disso me arrasta com ele até a loja, já pedindo o modelo na vitrine para a vendedora.

- Meus Deus, não vejo a hora de vestir ela e tirar fotos para a minha página no Instagram. Você vai deixar ela ser minha modelo mirim, não é? - Ele pergunta, transbordando expectativa.

- Não sei, Gio... ela é muito novinha ainda e Evan também precisa concordar - respondo com cautela, não querendo o frustrar.

- Posso convencer ele, juro que não será muita coisa. Mas ela é muito linda, maninho... aliás, preciso vê-la novamente, apenas uma visita não foi o suficiente.

- Não mesmo, Zoe me pergunta sempre de você... o tio mais lindo que ela já viu - falo, sabendo que o ego do meu irmão vai as alturas.

- Ah, que linda... já tem bom gosto. - Ele diz, convencido, e não contenho uma risada.

A vendedora volta minutos depois e nos mostra o vestido que pedimos em alguns tamanhos diferentes. Escolho um da idade de Zoe e não resisto em escolher mais alguns modelos, pegando alguns para Lua também, sua amiguinha.

Eu realmente acho linda a amizade da minha filha com Lua, que é uma garotinha com autismo. Ela é quietinha, mas um amor e não é à toa que Zoe é super protetora com a amiga. Espero que a amizade delas cresça lindamente e prospere no futuro.

- O que acha de um lanche bem gorduroso agora? - Gio sugere e olho para ele com uma careta.

- E você pode? Vive de dieta... aliás, não tem desfile em um mês? - pergunto.

- Tenho, mas quero enfiar o pé na jaca. Ah, vamos! É só uma vez, saia da sua pose de médico também. - Ele pede e eu solto um suspiro.

- Ok, um dia não mata... só preciso deixar as sacolas no carro, são muitas - falo, vendo o quanto fomos exagerados.

- Ok, vamos lá! - Gio diz com desânimo, me fazendo rir.

Seguimos até o estacionamento e vou até meu carro junto de Gio, que me ajuda a colocar tudo no porta-malas. Estou pronto para ir quando sinto meu celular tocando dentro do bolso, me fazendo parar.

- Gio, vai indo e pede para nós dois... vou atender uma ligação - aviso ao meu irmão e tiro o aparelho do bolso, vendo ele concordar.

Vejo meu irmão se afastar e sorrio ao ver o nome da minha bisa na tela do celular.

- Oi, vózinha linda!

- Sua falsidade me comove, Otávio Miller... igualzinho ao seu avô. - Ela diz, me fazendo rir.

- Ué, o que eu fiz? - pergunto, me fazendo de desentendio.

- O que você não fez, seu pestinha... por que eu sou a última a saber das coisas? Por que estão me abandonando dessa forma? - Ela questiona, sendo a rainha do drama.

- Desculpa, vózinha... só foram muitas coisas. Mas eu ia visitar a senhora esse final de semana e levar Evan comigo, podemos te contar tudinho - falo, tentando me redimir, e me encosto na lutaria do carro.

- Acho muito bom... Cláudio também sente sua falta, mas é muito bobo para cobrar que seus bisnetos também venham o ver. - Ela alfineta.

- Ok, dona Emília, já entendi. Deveria cobrar Gio e Cecília também - retruco.

- Giovani é outro ingrato, somente minha Cecí me ama... vem tomar chá todos os dias comigo. Minha florzinha.

- Ok, ok! Somos os ingratos, já entendi e compreendi o recado. Estaremos aí no sábado para o almoço, quero uma mesa farta e cheia de doces.

Fico mais alguns minutos conversando com minha bisa, até ela se dar por satisfeita e encerrar a ligação. Balanço a cabeça, sorrindo, pois ela é única e deveria ser eterna, assim como vó Clarisse. Ai, essas duas...

Guardo meu celular para ir até Giovani, mas com um movimento mais agressivo, acabo batendo com força e disparando o alarme do carro.

- Droga! - resmungo ao ouvir o barulho alta e irritante e levo minha mão até o bolso da calça, querendo pegar minha chave para desativar o alarme. Mas qual não é minha surpresa ao que não a encontro. - Porra, não.

Eu me abaixo no chão, procurando pela chave que talvez tenha deixado cair, ma não a encontro em nenhum lugar, o que me deixa nervoso.

- Ei, seu ladrão! Saia de perto do carro agora! - ouço a voz rude atrás de mim e ao me levantar, vejo um casal a poucos passos de mim.

- Está chamando a quem de ladrão? - pergunto, mesmo sabendo muito bem a resposta.

- Você mesmo, acha que ninguém ia ver? Vá arrumar um emprego e pare de querer conseguir as coisas do modo fácil... isso é tão típico de gente como você. - O homem diz e eu solto uma risada sem humor.

- Gente como eu? - questiono, sentindo meu sangue ferver em minhas veias.

- Vocês se colocam como vítimas da sociedade, mas não sabem fazer nada sem depender dos outros e usar a velha historinha.

- Velha historinha? A que você está sendo racista comigo agora? Que inclusive é um crime? E não, obrigado, eu não sou uma vítima da sociedade e nunca dependi de ninguém como você. Agora se me der licença, eu estou procurando a chave do meu carro - falo e começo a me virar, querendo achar logo essa merda, pois o barulho já está me irritando e essa situação também.

- Até parece que esse carro é seu, não invente histórias. Agora saia daí, ou vou chamar os seguranças. - A mulher quem diz agora e volto a olhar para eles.

- Ótimo, chame-os aqui agora - falo e cruzo meus braços, voltando a me encostar no carro que emite um barulho absurdo.

Eles realmente não contavam com minha fala, mas acho interessante quando a mulher vai atrás de um segurança e o homem fica me vigiando. Como se eu pudesse de fato roubar o meu próprio carro. Deus, é cada situação que eu preciso passar nessa vida e tudo por causa de pessoas de mente pequena, que se acham os reis do mundo. O pior ainda é saber que essa não é a primeira e nem última vez. Eu realmente já perdi as contas e me cansei de cada uma delas. É desgastante demais ter que viver dessa maneira. Porque é assim a minha vida toda e isso me deixa mal, de verdade.

Minutos depois um segurança aparece junto a mulher, que vem conversando com ele, relatando toda a situação. O mais engraçado na situação é estar sendo intimidado por pessoas que apenas possui um tom de pele diferente do meu e por isso pensam que podem me julgar.

- É ele! Ouvimos o alarme e viemos ver o que era, ele estava ao lado do carro, provavelmente buscando um jeito de o levar. - A mulher narra e me seguro para não revirar os olhos.

- Senhor, peço para que se afaste do carro e me siga até à saída. - O segurança diz e mais uma vez eu rio, mas é sem graça nenhuma.

- E por que eu faria isso quando estou ao lado do meu carro. Deveria fazer seu trabalho e me ajudar a achar a merda da chave que eu perdi, e não dar ouvidos para dois racistas - falo com raiva, estando extremamente irritado com tudo isso.

- Isso é mentira, é só uma desculpa. Esse carro não é dele. - O homem insiste.

- Senhor...

- Tatá! Por que demorou tanto? Acabei trazendo os lanches - Gio chega até minha ofegante e estende uma sacola em minha direção. - E toma, acabei levando sua chave comigo, desculpa. - Ele diz e também me estende a chave do carro.

Solto um suspiro e olho fixamente para a mulher em minha frente enquanto aperto o botão na chave e o alarme para de tocar, fazendo o silêncio retornar. Vejo sua expressão ficar totalmente surpresa e seu ar de prepotência sumir.

- Ei, o que está acontecendo aqui? Por que estão olhando assim para o meu irmão? - Giovani questiona, notando as pessoas ao nosso redor.

- Ele é seu irmão? - O homem desconhecido questiona, com a mesma incredulidade que eu vejo sempre.

Sim, é impossível para pessoas como eles que eu tenha um irmão branco e dos olhos azuis, assim como meu pai.

- Vamos embora, Gio, não temos nada mais para fazer aqui - falo, extremamente cansado. Não espero pela resposta do meu irmão, apenas destranco o carro e entro, batendo a porta com força. Giovani, vendo meu estado, não questiona mais nada e segue meus passos, também entrando no carro. Dou partida no veículo e me sinto aliviado quando já estou longe do shopping.

Eu me sinto tão nervoso nesse momento, é uma raiva tão grande que cresce dentro de mim. Fazia algum tempo que não passava por uma situação feito essa. Eu já estava, por um momento, achando que tudo estava bem, mas acontece que nunca está. Sempre haverá pessoas como essas por aí.

Sinto minha cabeça latejar pela dor que começa e só então percebo que estou chorando. De repente uma dor agúda em meu baixo ventre me atinge e não consigo conter o gemido alto. Todo meu corpo parece perder a força e é nesse momento que também perco o controle do carro. Fico desesperado e por um segundo acho que vamos bater, mas Giovani é mais rápido e consegue tomar a direção de mim, parando o carro antes de bater no acostamento.

Meus olhos estão arregalados e ao olhar para o lado, vejo que Giovani também está do mesmo modo, mas não tenho tempo em pensar nisso, pois a dor volta a me atingir e sinto algo escorrendo em meio às minhas pernas, me fazendo entrar em pânico. E ao abaixar meus olhos, sinto meu coração parar ao ver minha calça manchada de sangue.

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2/4

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