Capítulo Três
Otávio Miller
Ajeito a roupa hospitalar em meu corpo e guardo minha bolsa em meu armário, o fechando em seguida. Saio do vestiário e sorrio ao ver uma enfermeira passando por mim. Os corredores do hospital estão calmos, mas sei que tudo pode mudar em questão de segundos e como residente, tenho que estar atento a tudo. Sigo até à ala médica onde estou destinado a ficar hoje e não sei se realmente é uma boa ideia quando eu piso meus pés na área de oncologia pediátrica. Quando eu escolhi essa área, eu não fazia ideia do peso que isso traria sobre mim, até porque naquela época eu não havia perdido minha filha.
Mas apesar de sentir uma pressão, eu também gosto do meu trabalho, pois me sinto renovado ao saber que ajudei a salvar uma vida tão nova e que tem o mundo pela frente. Então foi somente isso que me fez seguir e não desanimar, mesmo nas perdas. Esse trabalho é uma prova diária para mim, mas eu venho conseguindo me superar através dele.
- Doutor Miller, como vai? - Ouço a voz do meu chefe e quase reviro meus olhos.
Quando entrei no hospital, fui destinado a equipe do doutor Sales, que desde então tenta de todas as formas me "conquistar" e isso se tornou ainda pior depois que cometi o erro de dormir com ele após uma noite de balada. E não, ele não é feio... O homem é um deus grego, mas não me agrada em nada. Seus olhos azuis não me prendem, seu sorriso não me causa borboletas no estômago e seus cabelos loiros não me dão a mínima vontade de puxar os fios entre meus dedos. Ele definitivamente não me atraí em nada e não faço ideia do porquê dormimos juntos, ou melhor, sei sim... Foi a bendita bebida.
- Muito bem, e o senhor? - Pergunto, sendo completamente formal com ele.
- Ficaria melhor se me desse a honra da sua companhia após nosso plantão. - Ele é direto e até que gosto disso nele, mas não vai rolar.
- Desculpa, hoje tenho um jantar em família. - Sorrio para ele e sigo até o balcão onde estão as enfermeiras e pego minha prancheta com duas fichas. - Nos vemos depois, doutor Sales. - Me despeço e não espero uma resposta sua.
Dou-lhe as costas e sigo até meus pequenos pacientes, que são mais importantes que um médico louco por atenção.
Checo minha primeira paciente, uma garotinha de seis anos, que há dois luta contra um câncer no estômago. E finalmente estou vendo bons resultados acontecer, o que é uma vitória não só para ela, mas para mim também.
- Em breve a senhorita vai estar indo pra casa. - Pisco para ela, que sorri para mim com uma janelinha.
- Aí eu vou 'tá curada, tio Otávio? - Ela pergunta e isso quase me faz suspirar, pois não há uma certeza... Nunca há.
Olho para seu pai, que está sentado ao seu lado na cama e ao receber seu aceno, eu amplio meu sorriso para Glória, afirmando que sim.
- Com certeza, querida... Você é uma menina muito guerreira e em breve vai estar em casa, se divertindo muito com seus papais. - Respondo e aperto a prancheta contra meu peito.
- Oba! Obrigado, tio Otávio! - Ela sorri feliz e é impossível não me contagiar pelo seu sorriso.
- Por nada, anjo! Agora eu vou indo, qualquer coisa pode me chamar, venho voando. - Pisco para ela, que solta uma risadinha e assente. - Tchau Carlos! - Me despeço do pai dela também e saio de seu quarto.
Respiro fundo quando chego ao lado de fora e fecho meus olhos por um momento, pedindo a Deus que sim, Glória fique bem. Sei que não deveria me apegar aos meus pacientes, isso nem faz bem, mas eu simplesmente não consigo ser imune a eles.
- Ei! Que bom que te achei. - Ouço uma voz conhecida e ao abrir meus olhos, vejo Arthur em minha frente.
- Você não deveria estar na área ortopédica? - Pergunto com humor e ele nem se importa com meu comentário.
- Deveria, mas estou em pausa... Vim te convidar pra sair depois do expediente com o pessoal. É aniversário da Carla hoje e vamos em uma boate. Você pode chamar o Giovani também, sei que ele ama curtir a noite. - Ele diz a última parte com humor e isso me faz rir.
- Ele diz que faz parte de ser um youtuber famoso. - Falo e começo a andar, tendo ele me seguindo.
- Sei, mas então... Você vai? - Ele pergunta por fim e eu concordo com um aceno.
- Sim, me espere quando sair. Vou avisar o Gio e peço para ele nos encontrar lá. É na boate de sempre? - Pergunto.
- Sim, temos área vip. - Ele pisca e solto uma risada, me lembrando de algo.
- Alessa e Héktor vão? - Pergunto por curiosidade, mesmo imaginando a resposta.
- É claro... Que não! Boate não é lugar para eles. - Arthur responde e reviro meus olhos.
- Pode não ser para o Héktor, que é todo um ursinho fofo e intocável, mas Alessa? Coitado de você que pensa que ela não curte a farra. - Falo rindo e ele bufa.
- Eu posso fingir, ok? Nos vemos mais tarde! - Ele se despede e se afasta assim que eu paro diante a porta do meu próximo paciente.
Aceno para ele e entro no quarto, voltando ao meu trabalho.
[...]
Ajeito meus cachos em frente ao pequeno espelho em meu armário e dou uma olhada rápida em minhas unhas, vendo o esmalte azul perfeitamente nelas. Pego o pequeno frasco de perfume que sempre trago comigo e borrifo um pouco em meu pescoço e pulsos. Já pronto, guardo tudo em meu armário e pego minha bolsa, saindo do vestiário em seguida. Me despeço de alguns colegas de trabalho e sigo diretamente até o estacionamento.
Avisto Arthur e mais algumas pessoas perto de seu carro e aceno para eles com um sorriso, que logo morre quando vejo César junto a eles... Eu mereço!
- Otávio, não tinha um jantar de família hoje? - Doutor Sales pergunta e quase deixo um suspiro escapar por minha boca.
- Oh sim, eu tinha, mas papai cancelou. - Sorrio falsamente para ele.
- Bom, podemos nos divertir então. - Ele se insinua e quase reviro meus olhos, mas me contenho.
- Claro! Vejo vocês na boate. - Falo e lanço um olhar assassino para Arthur, que levanta as mãos em rendição.
Solto um suspiro, dando as costas para todos e sigo até meu carro, entrando no veículo em seguida. Não faço questão de esperar por ninguém e nem oferecer uma carona, pois, com certeza César acharia ser pra ele.
Faço o caminho com calma até à boate e recebo uma ligação de Gio, avisando que já está me esperando lá. Meu irmão é o típico playboy festeiro, ele ama toda a vida agitada e sem muitos compromissos, o que deixa meu pai Enzo com mais cabelos brancos. Eu vou em festas e tudo mais, mas não é como se eu realmente gostasse de tudo isso, é mais como uma tentativa de fugir da realidade.
Estaciono meu carro em frente à boate red, uma das mais renomadas e procuradas da cidade, o que explica a fila enorme de pessoas na frente do prédio. Respiro fundo e saio do carro, estando pronto para me "divertir". Entrego as chaves para o manobrista e caminho até o segurança na porta, ignorando a fila que se estende cada vez mais.
- Boa noite, Flávio! - Sorrio para o segurança, que já é um velho conhecido e tenho minha entrada liberada sem demora.
- Senhor Miller. - Ele acena para mim e eu sigo para dentro, já podendo ouvir a música alta e sentir o forte cheiro de bebida, assim como outras coisas.
Forço minha visão por causa das luzes, que quase me deixam tonto e após alguns minutos posso ver Giovani acenando para mim de um dos camarotes. Levanto minha mão, acenando também e sigo até às escadas que dão acesso aos camarotes.
- Maninho! - Giovani diz animado ao me ver e solto uma risada, pois ele já está um pouco alto pela bebida.
- Gio, quantas margaritas você já bebeu? - Pergunto e tiro a taça de sua mão, vendo ele me lançar um olhar nada agradável.
- Quatro, só estou começando. - Ele diz e pega a taça novamente, tomando o resto do líquido em um só gole. - Vá beber também, Otávio... Sei que nem queria estar aqui.
Abro minha boca para responder, mas desisto quando vejo o resto do pessoal chegar ao camarote. Solto um suspiro e sigo até o bar, pedindo uma dose de tequila e quase choro quando César se senta ao meu lado.
Vamos lá, Otávio... Você só precisa esquecer de tudo e se divertir.
Pego o copinho que é posto em minha frente e levo até minha boca, sentindo a bebida descer queimando por minha garganta. Faço uma careta e peço mais uma dose ao garçom, que me serve com um sorriso. E assim que viro a segunda dose, me sinto pronto para começar a noite.
[...]
Sinto minha cabeça pesada e minha boca têm um gosto amargo, que me faz formar uma careta. Abro meus olhos, que ainda estão pesados de sono e aos poucos vou me situando. Uma perna está entrelaçada a minha, assim como sinto uma mão em minha cintura, o que me faz arregalar os olhos em pânico. Olho ao meu redor e aos poucos vou reconhecendo o quarto em que estou, o que me faz entrar ainda mais em desespero.
Não, não, não! Por favor, Deus... Não!
Me viro na cama, desvencilhando meu corpo da pessoa e quase solto um grito ao ver quem está ao meu lado. Puta que pariu! Porra, não!
- Droga! - Praguejo de forma baixa e saio da cama o mais rápido que posso, quase caindo no processo, já que minhas pernas se enrolam no lençol.
Procuro desesperadamente por minhas roupas e começo a me vestir na velocidade da luz, querendo apenas me ver o mais longe possível daqui.
- O que foi, Otávio? - A voz rouca de sono pergunta e minha vontade é tacar um tijolo em sua cara de sono.
- O que foi? - Pergunto, quase gritando e sinto meu coração acelerado em meu peito. - Nós transamos, Arthur! - Falo em desespero e vejo ele fazer uma careta.
- E daí? Somos solteiros, não queremos compromisso. - Ele diz na maior calma e eu juro que minha vontade é socar sua cara.
- Você não entende mesmo. - Falo frustrado e termino de calçar meus sapatos. - Por favor, finja que isso nunca aconteceu. - Peço e saio do quarto, após ver ele dando de ombros.
Ok, somos solteiros, não fizemos nada demais, mas a última coisa que eu queria era transar com Arthur e estragar tudo. E assim que fecho a porta do quarto atrás de mim, tentando fazer o mínimo de barulho possível, vejo o motivo do meu desespero bem em minha frente.
Héktor acabou de sair do seu quarto, bem em frente e possui uma expressão de sono em seu rosto, que some assim que ele me vê.
- Hék, não é nada disso que está pensando, ok? - Minha boca é mais rápida que meu cérebro e quase me bato mentalmente por essa frase idiota.
- Ah, não? Vai me dizer que você e Arthur estavam brincando de médico? - Ele pergunta com ironia na voz e solta uma risada amarga. - Não se preocupe, Otávio, você não me deve explicações. Arthur é livre pra ficar com quem quiser, assim como você. - Ele diz com seriedade, mas vejo a dor em seus olhos.
- Eu... Me desculpa! - Peço e aproximo um passo em sua direção, vendo ele dar outro para trás.
- Desculpar o que? Que você transou com ele, mesmo sabendo dos meus sentimentos por Arthur? Desculpo sim, pois você perdeu o senso há muito tempo. - Ele responde. - Acha mesmo que passar de cama em cama vai trazer felicidade a você, Otávio? Sabe o que eu vejo? Uma pessoa completamente infeliz e que finge o tempo todo. Se você acha que sexo vai te fazer feliz, faça bom proveito, só não se arrependa quando perceber que está vivendo uma farsa para suprir o vazio dentro de você. - Ele diz e me sinto extasiado diante suas palavras.
E antes que eu possa ter a oportunidade de o responder, Héktor volta a entrar em seu quarto e bate a porta com força.
Meus olhos continuam fixos na porta, pintada de branco, e ouço suas palavras ecoar por minha mente, fazendo novamente eu perceber que sou um belo fracasso.
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Sim, Otávio é médico. E sim, Otávio também transa, o que não quer dizer que isso traga felicidade a alguém.
Mais um pouquinho, jujubas... Espero que tenham gostado. Ah, pegaram o spoiler? 🤭🤔
Ps: Se você está lendo a história, achando que Evan é o culpado de tudo e Otávio é o sofredor master, desculpem, mas vocês não estão entendendo nada aqui e não sei o que estão lendo. Já que foi deixado bem claro que OS DOIS possuem culpas. Então, entendendo isso, você saberá perfeitamente o que a história quer te passar... Que nem tudo é um conto de fadas perfeito.
Bjus da Juh, até a próxima 😘😘
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