Capítulo Quinze
Otávio Miller
Há momentos em que não sabemos se estamos realmente vivendo ou apenas existindo. É uma sensação tão grande de vazio, de não saber o que está acontecendo, de não poder assimilar as coisas. É exatamente assim que me sinto nesse momento.
Minha cabeça está latejando, devido a dor que se intensificou após a notícia que recebemos. Meu padrinho Castiel está sedado nesse momento, e coube ao meu padrinho Adrian decidir sobre a amputação de Evan, optando por fazer, já que se não houver essa intervenção, o quadro dele pode até se agravar mais.
Eu ainda estou tentando assimilar tudo isso, principalmente o fato de que Evan acabou perdendo parte de sua perna por causa desse acidente. E isso nem é o pior ainda, pois não sabemos realmente o quadro de saúde em que ele se encontra. Já fazem quase cinco horas desde que tudo aconteceu e já é noite. Todos ainda estão aqui no hospital, inclusive meus irmãos, que chegaram há pouco tempo.
- Ele não vai aguentar isso, Evan não vai suportar quando receber a notícia. - Ouço John murmurar em sua língua natal e olho para ele.
- Ele vai aguentar sim, Evan é forte. Não vai ser isso que vai parar ele. - Respondo em tom sério e então seus olhos se fixam nos meus.
- Você não entende... Montar é a vida dele, se ele não puder mais fazer isso, é como se estivesse morrido. - John responde e isso me deixa irritado.
- Montar não é mais importante que a vida dele! Está vendo o que tudo isso causou? Eu sempre fui contra por causa disso, porque eu não queria ver o homem que eu amo em uma situação como essa, entre a vida e a morte. Então não fale besteiras. Evan vai sair dessa e vai superar toda essa merda, mesmo que não possa mais subir em um touro na vida. Há coisas mais importantes do que isso. - Falo um pouco exaltado e sinto os olhares dos demais sobre nós.
John fica em silêncio por alguns segundos, enquanto sustenta meu olhar, até soltar uma risada amarga.
- Evan ainda ama o que faz, Otávio, mesmo você achando que isso não vale a pena. Sim, é algo perigoso. Eu também estou morrendo de medo de perder minha única família, mas eu conheço Evan, sei como meu melhor amigo é. Ele se sentirá sem chão assim que receber a notícia e vai precisar de apoio. Você será esse apoio? Ou só está aqui para dizer que há coisas mais importantes que montar? Pelo menos você vai dizer isso a ele? Vai olhar nos olhos dele e dizer que vai estar lá por ele? Mesmo com todas as mágoas? - Ele joga as perguntas sobre mim e perco a fala por instantes. - Superar não é fácil e você sabe disso.
Suas palavras me atingem com força e minha vontade é xingar ele de todos os nomes ruins possíveis. Mas, infelizmente, sei que ele está certo.
Não o respondo, pois somos interrompidos pela entrada do médico novamente na sala de espera.
- E então? Como meu irmão está? - Helena é quem toma a frente, apertando fortemente a mão de meu padrinho Adrian.
- Ocorreu tudo bem na cirurgia de amputação do membro inferior, mas vamos manter uma observação mais rígida sobre ele. Mas não foi apenas a perna que estava em estado crítico. Evan teve três costelas quebradas e uma delas perfurou o pulmão, causando um pneumotorax, mas também já conseguimos reverter a situação. O maxilar e nariz foram quebrados e vamos fazer uma cirurgia de reparação, provavelmente vamos introduzir uma placa de platina e ele ficará sem falar e se alimentar adequadamente por um tempo. De longe, o maior risco já passou, mas não vou mentir quanto a situação dele, que ainda é grave. - O médico explica e sinto o ar ficando um pouco rarefeito para mim, está difícil respirar.
- Podemos vê-lo pelo menos? Nem que seja de longe, meu marido está desesperado e ele não pode passar por emoções fortes. - Meu padrinho diz e todos olham para ele com questionamento.
- Por que ele não p... Oh meu Deus! - Papai começa a questionar, mas se cala ao se dar conta de algo.
- Descobrimos ontem, íamos contar a todos, mas não deu tempo. - Adrian diz e só então as peças começam a se encaixar na minha cabeça.
Meu padrinho Castiel está grávido novamente, por isso ele estava mais fragilizado ainda.
- É uma gravidez de risco, por conta da idade dele e toda essa situação deixou ele muito abalado, doutor. - Meu padrinho continua a dizer, tendo seus olhos fixos no médico.
- Tudo bem, terminaremos a cirurgia do implante em algumas horas e mando uma enfermeira os chamar assim que ele for para a UTI. Mas saiba que não podem demorar, Evan não pode correr risco de pegar nenhuma infecção, muito menos o seu esposo. - Doutor Negrini diz por fim.
Eles trocam mais algumas palavras, mas não presto atenção. Eu simplesmente saio dali, pois não aguento mais. Ando no piloto automático até o vestiário e troco minhas roupas, pegando minha mochila em seguida. Sigo até o estacionamento e praticamente corro até meu carro, me refugiando ali dentro do veículo.
Mal percebo quando as lágrimas começam a escorrer pelo meu rosto e então não param mais. Meu peito parece ser comprimido e uma dor dilacerante me toma. O ar parece não entrar em meus pulmões e respiro com muita dificuldade. Deixo minha testa encostar no volante e me assusto quando a buzina alta soa. Me afasto em um sobressalto e respiro fundo, estando ofegante. Tento limpar as lágrimas em meus olhos, mas a cada uma que limpo, outras dez caem e me sinto sufocado demais.
Giro a chave do carro, tendo minha mão trêmula, e respiro fundo mais uma vez antes de sair dirigindo. Minha visão está um pouco embaçada pelo choro, então guio o carro devagar pelas ruas. Sigo em direção à minha casa, mas acabo desistindo no caminho e tomando um rumo diferente.
Eu quero e preciso me acalmar nesse momento e só há um lugar onde eu possa fazer isso.
[...]
Me sento na grama verde e não me importo de molhar minha calça jeans. Minhas mãos trêmulas tocam na lápide de mármore branco e as lágrimas voltam a cair pelo meu rosto novamente.
Eu tentei me fazer de forte, mas eu não sou e nem nunca serei.
Pego a garrafa de whisky ao meu lado e dou um grande gole, sentindo o líquido descer queimando em minha garganta.
- Eu sei que sou um fracasso, filha. Me perdoe, mas eu não consigo. - Peço entre soluços, após largar a garrafa pela metade ao meu lado na grama.
Encosto minha testa sobre a lápide gelada e sinto um arrepio percorrer meu corpo.
- Não abandone seu papai nesse momento, tudo bem? Evan precisa de você ao lado dele. Olhe por nós, cuide dele como fez comigo em todos esses anos. Eu não suportaria perder mais uma pessoa, meu amor. Já doeu tanto perder você, ele eu também não posso. - Falo em meio ao choro, que cada vez mais se intensifica. - Deus! Eu me arrependo tanto de não ter abraçado ele como queria na última vez que nos vimos. Tenho tanto medo de não poder mais fazer isso. Tenho tanto medo de perder ele de verdade. Em todos esses anos, mesmo separados, eu sabia que ele estava bem, mas agora eu já não sei de mais nada. E isso dói. Porque o meu amor por ele é maior que toda a mágoa que há entre nós dois.
- É? Então fale para ele. - Ouço a voz rouca ao meu lado e me assusto, tendo medo.
Levanto minha cabeça, tendo minha visão um pouco embaçada pela bebida, mas consigo reconhecer John.
- O que está fazendo aqui? Como entrou? - Pergunto, não entendendo nada.
Minha cabeça gira e preciso piscar algumas vezes para não deixar meus olhos se fechar.
- Vim com seu irmão, nós vimos como saiu depois que o médico disse aquelas coisas. Giovani disse que viria para cá e eu quis vir também. - Ele diz e se senta ao meu lado, mantendo uma distância entre nós.
- E veio para que? Para rir de mim? Para desdenhar do meu fracasso? - Pergunto de forma amarga. - Eu não gosto de você. - Pontuo e ouço ele rir.
- Você não precisa gostar de mim, Otávio. Você amando Evan já é suficiente para mim. - Ele diz e arqueio uma sobrancelha em dúvida.
- Até um tempo atrás vocês estavam juntos, por que isso agora? - Pergunto.
- Nesses cinco anos Evan e eu sempre estivemos juntos, mas não como pensa. Sim, tivemos momentos de uma amizade colorida, mas Evan é acima de tudo meu melhor amigo. E eu sei que ele só ama um homem nessa vida, sendo você. Assim como você também o ama, Otávio. - John diz e fico em silêncio, não há o que dizer.
- Posso ter sido duro lá no hospital, mas isso é porque me preocupo com Evan. E ele vai precisar de ajuda, de apoio... Assim como você também precisa.
- Eu não preciso...
- Não? Acha que um litro de bebida é seu amigo? Acha que isso vai te ajudar em alguma coisa? Isso só está afundando você, e você sabe disso. - Ele diz e odeio ouvir suas palavras, pois elas são certas. - Se levante, Otávio. Faça isso por você e pelo homem que ama também. Você não tem obrigação nenhuma com Evan, mas se o ama e acha que ainda há uma chance, mesmo que pequena, não deixe ele sozinho logo agora. Mesmo que ele tenha feito isso com você.
John se levanta após dizer isso e me dá as costas, me deixando sozinho no pequeno cemitério aos fundos da mansão Miller.
Abaixo meu olhar para a garrafa jogada ao meu lado e sinto raiva de mim mesmo por mais uma vez ter sido fraco, mas eu sempre sou. É um ciclo vicioso.
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Tenso, jujubas...
Mas, lembrem-se... Como diz Candinho: Tudo o que acontece de ruim na vida da gente, é para melhorar.
Bjus da Juh, até a próxima 😘😘
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