✪ Prólogo 🏈
O som de tiros ecoava sempre que Nick ameaçava fechar os olhos.
No quarto escuro de seu pequeno apartamento compartilhado com sua melhor amiga, Geórgia Allen, ela encarava a parede marfim em frente à sua cama, observando fotos coladas formando um belo papel de parede personalizado. Lembrava de cada momento em que as fotos foram tiradas e de como foi feliz com as pessoas presentes nelas, seja com Geórgia ou Aidan, seus melhores amigos, com toda a equipe do Departamento do FBI em alguma comemoração no bar, com Ken Roggers, seu chefe, ou com John, o amor de sua vida. Ela guardava essas lembranças preciosas, pois sabia que alguns momentos não se repetiriam, mas estava certa de que nunca os esqueceria.
Engolindo em seco, seus olhos se fixaram no lugar onde sua foto favorita costumava ficar. Agora, tudo o que restava era um pedaço de papel rasgado, que só preservava seu sorriso e a memória de John ao seu lado.
Nick fechou os olhos e respirou fundo, relembrando aquela noite. Tudo parecia perfeito enquanto caminhavam juntos pelo Parque Washington em Albany. A noite estava agradável, o barulho da cidade era abafado pelas pessoas ao redor, e ela sentia a mágica daquela noite. Recordava vividamente a sensação de ter os dedos de John apertando os seus, seu coração acelerando sempre que ele se aproximava para beijá-la ou tocar seu rosto. Lembrava-se também da missão que haviam realizado em Delmar, na cidade vizinha, onde prenderam um perigoso líder do tráfico de armas no estado. Era uma noite memorável.
Um sorriso escapou dos lábios ressecados de Nick ao lembrar desses momentos com John. Eles eram uma equipe incrível, com uma sintonia perfeita, compartilhando estratégias sem precisar discuti-las. Isso os tornou tão valiosos para o Departamento de jovens agentes do FBI que não foi surpresa quando começaram a receber missões especiais direto da Casa Branca.
No entanto, a última missão custou a vida de John.
Nick voltou a encarar a parede deixando que uma lágrima solitária deslizasse em seu rosto caindo no cobertor que a envolvia. Ela imaginou o que John diria se a visse naquele estado, se soubesse como ela passou os quatro meses desde sua morte imprevisível e assustadora que a deixou sem chão trancada em um quarto escuro e silencioso. Conhecendo-o tão quanto ela, Nick sabia que ele entraria no quarto sem pedir licença, abriria as cortinas permitindo a entrada da luz, tiraria as cobertas comentando algo ácido e sarcástico que a faria revirar os olhos, mas obedecendo-o por saber que ele estava certo. John sempre estava certo, exceto, claro, naquele fatídico dia quando estava distraído demais para analisar o perímetro e proteger a própria vida.
Pelo menos era aquilo que estava escrito no relatório da missão, "assassinado por descuido, o agente não verificou o local ao sair do carro e correr para verificar as vítimas". Como agente, para Nick seria inadmissível saber que seu nome e "descuido" estariam na mesma linha em um relatório do FBI, e para John seria humilhante.
Distraída ao observar a porta fechada do seu quarto, a garota imaginou que John lhe daria um sermão por ser dispensada do FBI e talvez falaria o quanto seus amigos estavam preocupados com ela. Especialmente Geórgia, que batia na porta do quarto vez ou outra para verificar como ela estava e oferecer algo para comer.
Que era, na maioria das vezes, rejeitado por Nick.
Foram meses difíceis, e Nick só percebeu a extensão de sua dor quando soube do memorial planejado pela Casa Branca para homenagear os agentes e soldados que haviam perdido a vida ao longo dos anos. Aquela notícia a forçou a confrontar a realidade de que John não voltaria mais, mesmo que ela secretamente acreditasse que tudo não passava de um pesadelo passageiro.
Foi com aquela notícia e ao lembrar que iria reencontrar seus colegas de trabalho, Nick lembrou como foi voltar a trabalhar no dia seguinte ao enterro de John, quando todos ainda estavam machucados com a perda e não esperavam que veriam sua parceira e amante secreta, de volta ao Departamento. Nick não havia notado na época, estava se afundando em uma culpa profunda, que nem mesmo percebeu os olhares de pena de todos que a encontrava nos corredores. Ela nem mesmo percebeu a preocupação de seu chefe, que a chamou em sua sala e pediu que tirasse alguns dias de folga. Naquela época, Nick não estava apenas enfrentando o luto, ela tinha total certeza de que poderia ter evitado a morte de seu parceiro se ela fosse mais cuidadosa, se ela tivesse verificado o perímetro antes de sair do carro, se ela protegesse a retaguarda deixando que John fizesse o trabalho de proteger seus alvos naquela missão. Então, além da culpa que a fazia perder o fôlego, seu corpo inteiro estava a 220 volts fazendo tudo o que John esperaria que ela fizesse em sua ausência como se aquilo o trouxesse de volta em uma recompensa que ela não tinha certeza se merecia.
Mas, por mais que a agente parecesse bem externamente, a dor dilacerante em seu peito a obrigava a correr para o banheiro sentindo o ar se esvair de seus pulmões e lágrimas deslizarem por seu rosto sem permissão. Ela poderia ter controle de seu corpo, mas não conseguia fazer o mesmo com seus sentimentos.
Todo dia se tornou um novo dia para ela que ia trabalhar treinando outros recrutas com a esperança de ver John entrando pela porta da sala de treinamento com uma regata preta que ela amava, mas ao mesmo tempo, todo final do dia se tornou angustiante quando nada disso acontecia e ela precisava esconder os sintomas involuntários que seu corpo dava sempre que a confirmação do acidente passava em sua mente.
Depois de uma semana forçando seu corpo e mente a fingirem que nada havia acontecido, Nick já não tinha mais forças para sair da cama quando, enfim, constatou que ter John de volta não seria possível. Quando dois meses se passaram sem que ela conseguisse sair do próprio quarto, até mesmo da cama, senão para fazer o básico, aquela esperança se tornou raiva. Raiva por saber que John não voltaria mais e por ter sido tola em acreditar que sim. Raiva por todos não disfarçarem o sentimento de pena estampado em seus rostos, raiva, principalmente, por saber que não adiantaria fazer muito quando o final aconteceria o mesmo com todos eles. A morte era inevitável.
Por um lado, refletiu ela, ao deitar de costas encarando o teto de seu quarto, era melhor daquele jeito do que esperar que algo de bom iria acontecer em sua vida. Depois de tudo o que passou, no orfanato, sem saber quem eram seus pais, quando foi levada para o FBI e em tudo o que precisou suportar nos treinamentos ou em missões de resgate, salvamento, extrações, era de se esperar que não existisse felicidade em sua vida, ela só precisava aceitar aquela realidade.
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