Teria mudado tudo

A última coisa que se espera de uma cidade tão próxima do sul do país era que fizesse frio. Um pontinho no meio da Flórida, no meio do nada tão próxima e tão longe de tudo, e, ainda assim, uma brisa leve de inverno balançava suavemente meus cabelos, e percorria o pouco de pele exposta, fazendo cada pelo do meu corpo se arrepiar. Estava frio. Num clima de chuva, úmido e frio. As poças da tempestade daquela tarde ainda tomavam a estrada, brilhando e refletindo a luz dos postes.

Silêncio e escuridão dominava a enorme instituição atrás de mim. O caríssimo e renomado Colégio Internato onde eu passava todo o meu ano letivo até chegar a época as festividades de inverno, como ação de graças, natal e ano novo, e todos irmos para casa. Não que minha casa fosse exatamente uma casa. Um lar. Era mais uma construção, um abrigo para essa época onde coincidentemente meus parentes moravam. Um abrigo enorme, pois meu pai não poupara dinheiro quando comprou aquela mansão gigantesca na beira de um lago particular. Eu não era viva quando aquela mansão foi comprada, mas imaginei que meu pai agradecia por ter tanto espaço; espaço suficiente para ficar longe de mim. Ou de qualquer pessoa.

Meu pai aparentemente se cansara de ser casado e ter uma família quando eu tinha cerca de oito anos. Foi quando pegamos ele trepando com a instrutora de golfe no vestiário do clube que éramos sócios. Fora a primeira amante dele. Ele tinha várias. E minha mãe nunca pareceu ligar. Ela estava mais interessada e me transformar na bonequinha perfeita dela. Minha mãe passou a minha vida toda me moldando da forma que ela queria que eu fosse, e ai de mim se eu saísse da linha. Pelo menos no internato eu tinha algum alívio das suas constantes ordens e reclamações.

Minha mãe nunca ligou muito para o meu irmão. Ele era mais velho, mais resolvido da cabeça do que eu. Muito menos manipulável. Enquanto eu estava no último ano de colégio, ele já estava terminando a faculdade. Por isso, naquele momento, eu estava sentada na entrada do internato, esperando o motorista me buscar para passar as festividades em casa, mas ele tinha a liberdade de nem aparecer, se não quisesse. Se eu fosse ele, provavelmente fugiria das festas também. No ano anterior ele fora apenas no natal. Será que iria naquele ano?

Meu irmão e eu sempre agimos como bons irmãos, brigando às vezes, e brincando logo depois. Mas eu nunca soube se ele realmente me amava. Se qualquer um deles me amava. Para o meu pai, eu era um pedaço do seu DNA que ele não poderia recuperar; para minha mãe, eu era um brinquedinho cujo único objetivo era agradá-la e fazer o que ela quisesse; mas para o meu irmão... Eu nunca soube o que eu significava para ele. Talvez eu morresse sem saber se algum dia alguém sequer me amara. Talvez esse fosse meu destino, e eu estava fadada àquilo. A não saber o que era amor.

Tudo bem, eu poderia viver com isso. Nem todo mundo vivia uma comédia romântica, alguns tinham que ser os protagonistas de um filme de terror, ou os coadjuvantes da história de outros. Além do mais, eu tinha meus bons amigos da escola. Tinha as pilhas de livros que eu tanto amava ler. Tinha Betinha, minha cachorra. Talvez aquilo fosse suficiente para que eu morresse feliz. Talvez eu nunca tivesse família ou amor.

Ou talvez eu tivesse refletindo demais para uma garota de dezessete anos.

Olhei para o Colégio mais uma vez. Havia um segurança na porta, ele provavelmente ficaria ali a noite toda. E, de manhã, outro tomaria seu lugar. Dia e noite, os seguranças alternavam-se para nos manter seguros, e eu nem sabia seus nomes.

A luz da janela da sala da diretora se apagou. Agora, pouquíssimas luzes restavam acessas. Todos já tinham partido. Eu era a última, mas já estava acostumada. Eu sempre era a última a ser buscada. Chorei nas duas primeiras vezes, quando eu tinha apenas 11 e 12 anos, mas agora já era parte da minha rotina. Ficar ali esperando, congelando no inverno chuvoso do interior da Flórida, com as pernas tremendo de ansiedade, um livro na mão, fones de ouvido tocando música pop, e pensamentos acelerados percorrendo minha mente.

Já fazia três horas que eu estava ali esperando. Eu queria ir embora. Mesmo que fosse para casa, mesmo que fosse para a cama fria que eu não dormia há um ano, cercada por pessoas com quem eu dividia o sangue, mas eram quase que desconhecidas. Eu só queria deitar, estava cansada, com frio e...

Minhas reclamações mentais cessaram quando uma silhueta pálida surgiu da escuridão, sentando-se ao meu lado. Eu ficaria extremamente surpresa, se não soubesse quem era. Jess Lahey, o rapaz alto e magro, mas levemente musculoso, de pele pálida quanto neve, e cabelos escuros quanto a noite. O rapaz mais odiado do colégio. Rumores diziam que ele era pálido por ser um vampiro, e que seu quarto era uma caverna onde ele guardava sangue de pessoas, mas eu sabia que ele só não gostava muito das atividades ao ar livre. Também sabia que ele não levava nada a sério, que gostava de fazer brincadeiras e zombarias no meio da aula com professores e alunos, e que suas pegadinhas pararam de ser engraçadas quando ficamos mais velhos.

Jess tinha seu próprio grupo de rapazes retraídos que passavam a maior parte do tempo com a cara enfiada em aparelhos de videogame, mas eu nunca tinha escutado a voz da maioria deles. Diferente de Jess. Jess era extrovertido, e gostava de conversar, o problema era que ninguém falava com ele. E os que falavam, gostavam de falar mal dele e rir pelas suas costas. Meus amigos inclusive. Nada disso nunca pareceu ferir os sentimentos de Jess. Ele era uma rocha inabalável, e parecia ter aceitado seu papel palhaço fracassado, zombado e odiado por todos.

O motivo de eu não estar surpresa por sua presença ali, era o fato de que Jess gostava de ser o último. Ou pelo menos eu achava que ele gostava, pois, todos os anos, ele pedia para seus pais atrasarem para virem buscá-lo, e nós dois acabávamos sendo os últimos ali, esperando. Contudo, ele nunca viera falar comigo antes, pelo que eu sempre agradeci, porque até que gostava da minha própria companhia, e odiava o silêncio constrangedor em conversas com estranhos. Apesar de que, com Jess, raramente havia esse silêncio.

Eu nunca fui muito de conversar, mas Jess falava muito. E, diferente das outras pessoas, que o cortavam e zombavam dele, eu deixava ele falar. Nos conhecíamos melhor porque sua irmã mais velha namorara meu irmão, a ponto de ficarem noivos. Até ela ficar grávida e perder o bebê. Eles não conseguiram recuperar o relacionamento depois disso.

De qualquer forma, eu gostava de conversar com Jess. Apesar das minhas feições envergonhadas não demonstrarem, eu gostava. Ele falava cada coisa maluca, e eu estranhamente concordava com todas elas. Cansei de me deitar para dormir e receber uma mensagem completamente sem sentido dele, e ficar conversando por horas sobre outros assuntos completamente sem sentido. Mas nunca conversamos de forma séria. Nunca. Eu me perguntava se o mundo explodiria se algum dia isso acontecesse.

O noivado dos nossos irmãos não era nossa única conexão. Eu me "apaixonara" pelo amigo dele alguns anos atrás. Eu era tola, e confundiria uma paixonite sem pé nem cabeça por um amor avassalador. Eu nunca o amei de verdade, mas naquela época acreditei que sim. Ficamos algumas vezes, até eu dizer que queria algo mais sério e ele simplesmente dizer que não queria mais nada comigo. Um outro amigo deles veio me contar que ele nunca gostara de mim de verdade. Eu fiquei arrasada, mas superei. Aquilo pareceu destruir a amizade que eu tinha com qualquer um daqueles rapazes, menos com Jess. Nunca com Jess. O que eu tinha com ele era diferente. Como se vivêssemos na nossa própria bolha quando estávamos juntos, e nada ao redor importava.

— Sozinha aqui, Lottie? — soprou ele, me tirando dos meus pensamentos. Tirei meus fones de ouvido e olhei para ele de relance. Lottie era o apelido que eu mais gostava par meu nome, Charlotte, mas raramente era usado, porque uma líder de torcida se chamava Lottie e aparentemente não poderiam ter duas, de acordo com as regras de convivência num colégio de ricos e mimados em que todos se conheciam. Isso nunca impediu Jess de me chamar daquela forma. — Ninguém te falou sobre os vampiros que caçam na escuridão por aqui?

Um sorriso tímido e divertido se formou em meus lábios.

— Ah. Ouvi sim. — murmurei em resposta. — Imagino que tenha um sentado ao meu lado?

Jess riu.

— Pois é. Esse ano eu fui um vampiro, qual será a história mirabolante sobre mim que inventarão para os semestre ano que vem? Acha que se eu chegar com uma pança enorme, vestido de vermelho e uma barba longa eles dirão que eu sou o Papai Noel?

Foi a minha vez de rir.

— Você pode ver pelo lado bom, pois existem dois. Um: semestre que vem é o nosso último. E dois: pelo menos alguém estará chamando você de papai desde a sua ex.

Eu gargalhei, mas uma expressão incrédula tomou conta da sua face.

Ouch. Cruel, Lottie, cruel. — Jess balançou a cabeça, fingindo decepção.

— Você nunca deveria ter me contado aquilo.

— Estou percebendo isso agora.

Jess tivera duas namoradas. Para o garoto excluído da escola, isso era até que muito. Diferente de mim, que não ficara com mais ninguém desde que meu ex-namorado babaca imaginou que fosse uma boa ideia tentar me violar quando eu estava bêbada. Aparentemente, ele pensou que estava no direito de tomar aquilo de mim, já que eu passara todo nosso relacionamento dizendo que queria esperar até estar pronta. Ainda bem que meus amigos me encontraram antes que algo de pior acontecesse. Ele foi expulso.

E, por esse motivo, honestamente, eu não sabia se algum dia estaria pronta para amar de novo. Para confiar de novo.

Voltando às ex-namoradas de Jess... Uma delas, a mais recente, gostava de chamá-lo de daddy na cama. E ele cometeu o erro de me contar aquilo quando eles terminaram e ele ficou bêbado. Digamos que Jess ficava muito falante quando estava bêbado.

Quando me toquei, meus pensamentos me desviaram do que Jess falava. Ele estava comentando sobre alguma fofoca do colégio, fazendo piada como sempre, e eu acabara não prestando atenção.

— Estou te incomodando, não estou? — ele riu baixinho, quase, quase, percebi uma certa tristeza no seu olhar. — Você está aqui quietinha e eu venho te incomodar...

— Não. — o interrompi. — Gosto de conversar com você.

O canto dos seus lábios subiu um pouco. Era quase um sorriso. Quase. Mas a expressão indiferente continuava presente.

— Ah, bom. Não tinha a intenção de te deixar em paz de qualquer jeito. — seu tom de brincadeira me fez rir. — Como está seu irmão?

— Não sei. — dei de ombros. — Ele não fala comigo. Quer dizer, você conhece Carson...

— Ele é um homem de poucas palavras, sei, sei.

— Ele diz o básico e pronto. E a sua irmã?

— Tirando as luzes verdes horrorosas que ela fez no cabelo essa semana, está ótima.

Não pude deixar de rir, e algo pareceu se acender nos olhos de Jess. Sua irmã fazia cada coisa no cabelo...

— Mas não conte para ela que está feio. — ele prosseguiu.

— Nunca. — prometi com um sorriso. — Vou fazer como você no aniversário de vinte e um anos Carson quando fingiu que não viu o que eu estava usando.

— Aquele vestido cor de uva? — ele exclamou. — Aquela era a coisa mais horrenda que eu já vi em toda a minha vida, mas ei, eu fui cavalheiro e não disse nada.

— Foi mesmo. Mas eu percebo meu erro com aquele vestido agora.

— Não, não foi um erro. Poderia ter vestido um saco de batatas, ou absolutamente nada.

— O que isso significa? — falei, com uma risada. — Você quer me ver num saco de batatas, ou nua...

Sua reação me fez gargalhar ainda mais.

— Não, né? — disse Jess. — Só estou dizendo que você é bonitinha de qualquer jeito.

Arqueei uma sobrancelha.

— Bonitinha?

— É o elogio que eu tenho para hoje. É pegar ou largar.

Bufei, revirando os olhos.

— Agora, eu fui horrendo por toda minha pré-adolescência, temos que concordar. — falou ele. — Aquele corte de cabelo, aqueles moletons... Vou queimar todas as fotos numa fogueira e jogar as cinzas no oceano Índico.

— Ah, nem era tão ruim assim. — protestei. Era. Era sim. Jess nunca foi feio. Ele, na verdade, ficou bem bonito depois dos 15 anos. Mas o estilo que ele usava dos 11 aos 14 anos certamente não ajudou sua falta de beleza da época. Não que eu fosse muito bonita. Aparelhos e óculos marcaram essa fase minha, e eu só fui aprender a me arrumar longe das opiniões da minha mãe com 14 anos. Porém, agora pelo menos podíamos rir daquilo de forma saudável. — Ao menos você não tinha uma grande fofoca vergonhosa sobre você correndo pelos corredores na época.

Charlotte se fez de boboca apaixonada com o garoto que não gostava dela, podia ser a manchete de uma matéria do jornal da escola da época, pois era tudo que as pessoas falavam. De como eu fui enganada e humilhada pelo melhor amigo de Jess, e ele nem era tão bonito assim. Isso o tornou mais popular, e eu menos. Não que isso importasse. Mas eram os homens que se saiam melhor em situações como aquela. Sempre.

Jess riu fracamente, passando a mão pelos cabelos escuros. Pelo canto do olho, vi algo sombrear em seus olhos azuis, e eu soube que as lembranças dos nossos quatorze anos percorriam sua mente naquele momento.

— Está falando sobre sua amiga e as cartas deixadas para ela com letras de música da Ariana Grande de um admirador secreto? — ele tentou mudar de assunto, e eu o empurrei levemente.

— Aquilo foi você, seu safado, eu sei muito bem disso. — falei, e ambos rimos. — Você fez isso para ela pensar que o admirador era a vocalista da banda da escola, porque ambas estavam afim uma da outra, mas não admitiam.

— Foi ideia sua.

— Foi só uma ideia maluca, eu não achei que você ia colocá-la em prática.

— Mas deu certo, não deu? Sua amiga foi falar com a vocalista, elas obviamente perceberam que fora farsa de alguém e isso fez elas se unirem para descobrir quem foi. Elas nunca descobriram, mas estão juntas até hoje.

— Nisso você tem razão. — suspirei. De repente, escutei Jess arfar ao meu lado, e colocar a mão no peito de forma dramática.

Eu tenho razão? E você admitiu isso? — ele colocou a mão na minha festa. — Está com febre? Delirando?

— Você é muito irritante. — bufei.

— O que vai fazer, me jogar na poça de água?

— Não ia, mas agora que você falou, talvez eu jogue sim. — murmurei em resposta, um tom de brincadeira expresso em minha voz.

Nossas respirações foram as únicas coisas que escutei pelos próximos segundos, até a voz de Jess quebrar o curto silêncio — ele sabia o quanto eu odiava o silêncio em conversas:

— É, Lottie... Último semestre chegando. Pronta para pagar contas?

— Nem me lembra. — soltei um longo e profundo suspiro. A última coisa que eu queria era pensar na vida adulta que se aproximava. Em deixar a escola, ir para a faculdade, decidir o que fazer da vida...

— Se serve de consolo, aposto que vai se sair muito bem na vida.

Ofereci um sorriso a ele.

— Você também.

— Claro que vou, minhas habilidades de comédia será muito apreciadas num circo ou algo assim.

Seu tom era de zombaria, mas eu percebi a tristeza por trás. Assim como sentia aquilo toda vez que ele assinava meu anuário com letras pequenas num espaço discreto, como se achasse que eu me envergonhava de tê-lo como amigo.

— Se você se juntar a um circo... posso ir também? — falei em voz baixa, tentando erguer os ânimos.

— O que você será? — indagou ele, encarando-me.

— Humm... — ponderei, fazendo uma careta pensativa. — Mágica! Que tal?

Jess suprimiu uma gargalhada.

— Vai tirar coelhos da cartola.

— Não me julgue, você vai se pintar de palhaço.

— Nenhum dos seus amigos parece me ver de outro jeito mesmo. — as palavras escapuliram antes que ele pudesse controlá-las, percebi.

— Você nunca os deu oportunidade. — sussurrei. Aquilo estava ficando... sério. Talvez aquele fosse o momento em que o mundo explodisse.

Jess apenas deu de ombros.

— Você fala como se fosse a rainha das oportunidades.

Aquelas palavras me pegaram de surpresa. O q ele queria dizer com isso.

— Não importa, — ele sacudiu a cabeça, voltando ao seu habitual brincalhão — quer ver as duas meias diferentes que eu calcei porque me vesti no escuro?

Me deixei levar.

Falamos sobre suas meias, sobre teorias intergaláticas e ponderamos se cabelo do nosso professor de história era verdadeiro ou uma peruca. Em algum ponto, começamos a falar das paixonites vergonhosas que nossos amigos tiveram. E nós também.

— Seu melhor amigo foi a paixonite mais vergonhosa que eu já tive. — confessei, ruborizando. — Me arrependo de cada segundo. Assim como me arrependo do... — Jess assentiu. Ele sabia que eu estava me referindo ao meu ex-namorado. Suspirei, dando de ombros. — Não sei. Dizem que tudo acontece por um motivo, para nosso aprendizado sei lá. Mas é difícil acreditar nisso quando a gente só se ferra, né? — tentei forçar uma risada, tornar aquilo leve.

— Eu nunca tive uma paixonite vergonhosa. — disse ele, me fazendo arregalar os olhos, surpresa.

— Eu não acredito nisso. Não tem como!

Jess riu.

— Está achando que eu estou mentindo, Lottie? É verdade, nunca passei por essa vergonha.

— Você deve ter gostado de alguém e se arrependido depois. — insisti. Jess se ajeitou no assento, mirando o olhar para o horizonte, sem sumir com o sorriso nos lábios.

— Só gostei de três garotas em toda a minha vida. — explicou ele. — Duas delas são minhas ex-namoradas. A outra... eu era jovem e burro.

— Não se arrepende dela? Não é vergonhoso?

Jess riu.

— Nenhum pouco.

— Por que não?

— Não me arrependo. — ele virou o rosto para mim, seus olhos azuis se encontrando com os meus. — Nem me envergonho.

— Por que? — eu podia ser bem insiste e irritante às vezes.

— Porque, Lottie — Jess fez questão de se inclinar para perto de mim, ainda mantendo o tom brincalhão e indiferente, como se nada o abalasse — eu a amo. — completou ele, como se fosse óbvio.

Quase caí para trás com aquela afirmação, e, por razões desconhecidas, meu coração deu um salto.

Jess amava alguém. E me confessara aquilo. Era, provavelmente, a coisa mais séria que ele já me dissera.

— Algo me diz que você não vai me contar quem é. — consegui murmurar. A expressão no rosto de Jess era indecifrável.

— Tem muitas coisas que você não sabe, Lottie, especialmente sobre meu melhor amigo.

Franzi as sobrancelhas. O que Jess queria dizer com isso? O que estavam escondendo? O que eu não sabia?

— Você está muito misterioso hoje, Jess. — brinquei, tentando afastar minha confusão. — O que eu deveria saber e não sei?

— Quem disse que você deveria saber?

— Eu.

— Você é irritante. — ele revirou os olhos. — Mas se quer saber, tudo bem. A verdade será sua para fazer o que quiser com ela. Tem um motivo pelo qual meu melhor amigo não quis ficar com você.

Expirei, impaciente. Era bom aquilo ser interessante, eu não gostava de reviver aquele assunto. Era vergonhoso demais.

Ao longe, vi uma luz de carro se aproximar da estrada do colégio. Meu motorista, provavelmente. Tínhamos um tempo limitado. Jess percebeu também.

— Ele não podia ficar com você porque sabia de outra pessoa que gostava de você. Era apaixonado por você. — disse Jess. — E ele não queria magoar essa pessoa, apesar dela dizer que tudo bem.

Meu coração errou as batidas. Alguém... gostava de mim naquela época? Ou melhor, era apaixonado por mim?

— Quem?

Jess riu.

— Não é óbvio, Lottie? Não é óbvio?

Havia algo em seu tom de voz que fez uma lâmpada acender em minha mente. Todas as festas que Jess viera falar comigo quando eu estava sozinha, incomodada pela multidão. Todas as vezes que ele me escolhia para seu time na educação física. Todas as vezes que ele fizera questão de falar comigo até a madrugada, principalmente quando algo abalara meu dia, como uma nota ruim, ou uma briga. Eu nunca tinha percebido que aquelas coisas estavam relacionadas. Até agora, quando, mais um ano, mais uma vez, Jess pedia para lhe buscarem mais tarde. Todos os anos que ele ficou ali, me esperando ir embora, mesmo sem falar comigo, apenas para não me deixar sozinha...

Me peguei pensando em tudo que eu fizera também. Em como o defendia. Em como eu me apaixonei por ele por um curto período de tempo antes de conhecer meu ex-namorado, mas ele estava namorando na época. Como gostava de conversar com ele, e como estivera ao seu lado em seus términos.

Todos esses anos...

— Por que não me contou? — consegui perguntar. Porque não me contou que me amava?, completei mentalmente.

— Teria feito alguma diferença? Você gostava dele.

Esbocei um sorriso triste, olhando para o chã, e em seguida para seus olhos.

— Teria mudado tudo.

Eu nunca teria partido meu coração com seu melhor amigo, nunca teria me envolvido com meu ex-namorado... Teria ficado com ele. Amado ele.

O carro estacionou diante de nós, no momento em que os olhos de Jess se arregalaram com a minha afirmação. Era o meu momento de partir.

— É tarde demais, não é? — escutei Jess murmurar, enquanto me levantava e pegava meus pertences.

Suspirei. Só o tempo diria. Talvez em outra vida, achássemos um ao outro no momento certo.

Jess pareceu ler meus pensamentos pelas minhas expressões faciais.

— Não gosto de chorar por leite derramado. — disse ele. Não pude deixar de concordar. O que passou, passou. Tínhamos uma conexão e de certa forma sempre amaríamos um ao outro mas... Talvez estivéssemos destinados a sermos amigos. — Mande-me uma mensagem das fofocas da sua casa quando chegar.

Tradução: "mande uma mensagem quando chegar em casa para eu saber que você está bem."

Assenti com a cabeça.

— Só se prometer me mandar uma foto de saia. Estou esperando até hoje.

Jess soltou uma gargalhada, lembrando daquele dia em que jogamos verdade ou desafio.

— Pode deixar.

Nos abraçamos em despedida e eu acenei para ele antes de entrar no carro, cumprimentando o motorista logo em seguida.

Não abaixei o vidro da janela, mas sabia que ele estava me olhando. Uma lágrima discreta rolou pelo canto do meu rosto, uma lágrima pelas palavras não ditas entre nós. No passado, principalmente.

Uma palavra, naquela época... Teria mudado tudo.

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