29 - Cair e quebrar
São os últimos ajustes no vestido antes do baile. Um arrepio corre pela a minha coluna sempre que eu me recordo.
Não sei o que vou fazer quando ficar cara a cara com o filho do tio Albert. Está tudo bagunçado e confuso.
Não é possível que ele queira isso: Casar comigo. Não se tiver mais que dois neurônios, não depois de ler as notícias que saíram sobre mim nesse último mês.
Sempre tive a sensação da minha vida ser uma montanha russa desgovernada que eu nunca pude controlar. Sem poder fazer escolhas, decidir, dizer sim ou não. Especialmente quando o assunto é o meu futuro.
Se eu ir até o palácio nesse instante, e dizer para o tio Albert que não irei me casar com o filho dele, que não posso fazer isso e que não quero, acredito que ele entenderia. Poderia ficar chateado, mas não iria me obrigar.
Diferente da Rosana.
Ela não vai me deixar em paz, prova disso é que anda me chantageando com o meu irmão. O filho biológico dela. De certo, ela precisaria mexer alguns pauzinhos, mas sem esforço me afastaria dele.
Nesse cenário, mesmo que eu consiga bons advogados, vou ter problemas por causa da minha reputação. A reputação de uma jovem que perdeu o juízo, tanto que abriu mão de um casamento com o príncipe do país.
Ainda tem toda a questão com o Jack. Cacete, por que ele tem que ser tão esquisito? O que diabos queria me dizer? Se ele não deseja "parar" com o que "nós" "temos", o que pode ser?
Assim que eu deixei o Salgueiro, mandei uma mensagem tocando nesse assunto, até falei que se eu precisasse ir até o apartamento dele para conversarmos, eu iria. Porque eu não sei se vou conseguir dormir com tanta dúvida martelando na cabeça.
— Com as botas não combina. — Maya opina se jogando no sofá da sala, com os olhos em mim, e no vestido azul escuro feito pela Madame Grifine.
— A senhorita irá usá-lo com botas? — A estilista ergue a sobrancelhas bem-feitas.
— Eu ainda não sei. — Respondo em um suspiro, levando a atenção para o meu reflexo no espelho e apoiando as mãos na minha cintura.
Esse vestido é tão extravagante. As mangas, a saia. Acho que chamaria menos atenção se enfeitasse meu cabelo com anchovas.
— Vai ficar estranho. — Fred diz se acomodando na poltrona, sem tirar os olhos do celular. — Mas você é meio estranha mesmo, então... — Dá de ombros.
Reviro os meus olhos e encaro a Maya, quem está bebendo chá e comendo biscoito. Talvez Megan tenha comentado algo sobre a Rosana, e deve ser por isso que ela parece preocupada com alguma coisa nesse minuto.
Harper foi com a Megan no shopping para fazer compras. Acho que a Megan está precisando conversar com alguém, eu confio na Harp e ela é uma ótima ouvinte, além de ter ótimos conselhos.
— Senhorita, o Sr. Delacourt acabou de chegar. — Lenna avisa a Maya quem agradece ao forçar um sorriso.
— Que gracinha, Isla. — Dylan provoca, assim que passa pela entrada. — Está parecendo uma...
— Ah, vai a merda! — O interrompo escutando o espanto da Madame Grifine que é abafado pelas suas mãos indo a boca.
Ignoro completamente. Teoricamente estou na minha casa.
— O que está fazendo aqui? — Inquiro olhando para o garoto, que senta ao lado da Maya.
— Ela me chamou. — Aponta para a raposa.
— É que ela gosta de você. — Fred abre a boca de novo, mexendo os dedos na tela do celular.
— Cala a boca, Fred! — Maya rebate. — Você que fica arrastando as asinhas para órfã do Willow e vê coisa onde não tem.
— Tá dando mole pras meninas, Fred? — Dylan se levanta um pouco para bagunçar o cabelo do meu irmão que se afasta pulando para o sofá vazio.
Olho para a Maya outra vez, quem enfia outro biscoito na boca, olhando para a tela do celular. Ela já comeu uns nove, e não parece que vai parar.
— Maya?
— Hum? — Maneia os olhos arregalados aos meus.
— Tá tudo bem?
Ela ergue o canto dos lábios e sorri, mas é um sorriso forçado, nervoso.
— Tem certeza? — Falo mais baixo, ouvindo as vozes do Fred e do Dylan discutirem sobre alguma coisa. — Não parece bem.
— Eu explico depois. — Sussurra de volta, relaxando os seus ombros e eu apenas concordo.
Deve ser algo relacionada ao pai dela, tenho certeza.
Maya comentou mais cedo que andou lendo algumas suposições relacionadas aos ataques terroristas em Verena, que podem estar sendo orquestrados pelo rei de Analea. Podendo explicar a intensidade da rixa entre os reinos e a preocupação exacerbada do tio Albert com a minha família, com a população.
Não está longe do que os noticiários especulam pelos cantos do país.
Falando nisso, nos noticiários, Rosana acaba de surgir da entrada com um jornal em mãos, chiando porque ao que tudo indica, a opinião pública sobre eu ser a nova princesa está meio a meio.
Hoje não tem nuvens cobrindo o sol. São poucas, distantes umas das outras, em formatos incertos, o céu está quase limpo. Embora esse fim de tarde também não esteja tão quente, o vento é meio imprevisível em Verena e sopra forte.
Dentro do carro em movimento, tiro os olhos das árvores do lado de fora, e encaro o meu celular nas minhas mãos. Não tem nenhuma nova mensagem.
Jack escreveu que iria me esperar na pensão para conversarmos mais tarde. Esperei a Madame Grifine finalizar os ajustes no vestido para conseguir sair de casa. Dessa vez, sem dar muita satisfação a Rosana para onde eu ia. Ela me ensinou a mentir bem, e justamente por isso sabe quando eu estou mentido.
Maya está no carro, sentada no banco livre a minha frente, tamborilando a capinha rosa e brilhante do seu celular.
Ainda não disse uma palavra e ela não costuma ficar quieta por tanto tempo. Ela pediu para conversarmos em um lugar mais reservado. Eu não tenho ideia de onde isso fica, mas ela aparentemente sabe, tanto que passou o endereço para o Harry e não abriu o bico desde então.
Há uns minutos atrás, digitava frenética alguma coisa. Talvez estivesse mandando mensagens, eu só não sei exatamente para quem, não deu para ver.
— Acho que pode falar agora. — Eu digo, e ela ergue o rosto para me olhar. Pouco expressiva, parando de batucar a capinha. — Aconteceu alguma coisa?
Maya me olha como quem estava esse tempo todo esperando eu perguntar para ganhar coragem.
Não parece bom. Não mesmo. Sei disso porque ela trava sempre que articula a boca para falar.
— Maya, o que aconteceu? — Incentivo. Estou começando a ficar agoniada.
— Por que você e a Harper se aproximaram da Emma? — Pergunta depois de molhar os lábios, afastando os cachos que caiam sobre o seu rosto.
Junto as sobrancelhas. Essa pergunta é no mínimo estranha.
— Acho que a Harper quis que eu me redimisse. — Palpito, dando de ombros. — E, eu sei lá, a Emma é legal e tem a questão com o pai e a madrasta. Talvez eu tenha me identificado.
Ela assente devagar, desviando o olhar para a janela do carro.
— Por quê a pergunta?
— É que... — Respira fundo antes de me encarar. — Estive escondendo uma coisa de você. — Maya está falando baixo, quase em um sussurro, deve temer que os guardas nos ouçam.
Coisa boa não é. De jeito nenhum. Puta merda, não é nada bom.
— O quê? — Me custa perguntar, o ar parece ficar mais denso.
— Eu... — Ela olha para o seu celular em mãos e desbloqueia a tela. — Andei recebendo umas mensagens estranhas, acho que da mesma pessoa que mandava mensagens pra você. — Fala depressa, atropelando as sílabas, ignorando vírgulas.
— O fantasma? — Levanto sobrancelhas. — Como... — Sacudo a cabeça. — Por quê?
— É. — Faz que sim. — Também não entendi muito no começo.
Por quê? O que ele iria querer com a Maya?
Em poucos gestos ela pula para o banco em que estou sentada.
— Ele tinha fotos da Megan e da Harp juntas. — Explica, me entregando o aparelho, com imagens das duas em um lago no fundo da propriedade do Salgueiro. — Pode ler tudo, mas resumindo, disse que se eu não fizesse o que ele pedisse ia mandar isso para a mãe da Harp.
Minhas mãos estão trêmulas.
— Estava te chantageando? — Por que o fantasma faria isso? — E, por que não me contou?!
— Ele, ela, ou sei lá... Olha, por favor, não fica zangada comigo... Eu não sabia o que fazer e com certeza a Megan não iria querer que isso vazasse. Especialmente pela Harper. Ela precisa de tempo pra contar pra mãe dela sobre ela, sobre a Megan.
— Então, sabia sobre as duas esse tempo todo?
Maya assente devagar.
— Sempre soube dos interesses da Megan, eu só não sabia sobre a Harper... Ou, sobre ela e a Harper. — Suspira. — Meg nem sempre me conta tudo. Eu fui pega de surpresa também, acredite. Mas, não podia contar.
Não posso me zangar por causa disso. É a Harp de quem estamos falando.
— E, o que o fantasma queria? Tem alguma coisa a ver com a Rosana?
— Não.
— Então... Com a Emma? — Estou tentando ligar os pontos. — Por isso perguntou dela?
Maya olha para as mãos, repousadas sobre seu colo e depois me encara.
— O fantasma disse que eu podia ser útil e me pediu para ficar de olho nela. — Cada vez que ela fala eu entendo menos. — Eu sempre achei que vocês se equivocaram em se aproximar tão rápido de alguém, isso nunca aconteceu antes, mas eu não queria dizer nada para não soar mal interpretada ou esnobe só porque ela é de uma classe inferior ou... — Maya mexe e remexe as pulseiras no seu braço. — Você sabe.
— Por que você deveria estar de olho na Emma?
— Era o que eu queria entender e por isso eu fiz o que ele pediu. — Ela engole em seco, com os olhos fixos nos meus. — Lembra daquele dia que fomos até o apartamento do Logan e do Jack pra vocês conseguirem ir até a funerária?
Assinto e somente quando o Harry estaciona a limusine em frente a uma área verde, acho que não estamos muito longe da pensão em que o Jack mora.
Isso tudo também tem a ver com ele?
— Depois que vocês saíram, eu reparei como a Emma parecia confortável. Eu sou a filha da minha mãe. — Ela revira os olhos. — Se tem uma coisa que ela ensinou todas nós foi como entender uma pessoa pela maneira que age. E, a Emma, bom... Agia como se estivesse estranhamente familiarizada, confortável.
— Mas, eles são amigos. — Pontuo, ignorando uma pontada na minha cabeça. — Isso não é normal?
Eu sei que estou induzindo a resposta, ela pode apenas concordar se quiser, recuar com toda essa história, mas ao invés disso, Maya comprime os lábios numa linha reta, ainda com os olhos fixos nos meus.
— Não são só amigos? — A minha pergunta sai baixa, abafada pela respiração pesada. — Maya?
— Nem sempre foram "só amigos", e não sei se isso está totalmente resolvido. — Ela diz depois de alguns segundos, mostrando uma foto da Emma e do Jack.
Uma foto enviada pelo fantasma. Dos dois. Aos beijos. Meu coração bate mil vezes de uma vez só.
Eu não conheço o lugar, não sei dizer se é em Serinna ou não. Talvez seja no condado de Lissa. Antes, muito antes. Pode ser. Tem que ser.
Por alguma razão desconhecida estou sendo atingida no estômago.
Perguntei para a Emma e para o Jack se eles tinham ou tiveram algo, e ambos negaram.
Se tivessem namorado ou sei lá o quê, mas decidido serem apenas amigos agora, qual seria o problema? E, por que esconder isso? Emma não teria o porquê mentir para mim.
A vovó contou que quando eu acordei da cirurgia, perdida e sem memória, eu não parava de fazer perguntas. Tudo devia ser novo e tão misterioso.
Lembro de um dos médicos me dizer algo como "Se você deseja as respostas precisa fazer as perguntas". E, essa parte da infância, sei que questionava tudo; desde a cor do céu, até a leveza de um floco de neve que se desfazia ao tocar a palma da minha mão.
Isso se perdeu com o tempo. Eu não lembro o exato momento em que eu deixei de questionar para simplesmente aceitar. Aceitar que o céu é azul e que dele no inverno, a neve caí.
Talvez o mistério tenha sido esquecido pela conformidade. Pelas explicações que eu aceitei.
É confortável, é mais fácil, é menos dolorido; Criar um mundo e se acomodar dele. Até que um solavanco derrube você.
A merda disso é: E se eu estive esse tempo todo sendo vendada por não ter questionado mais? Por ter aceitado tão cegamente as explicações que me deram? Ou melhor, por ter acreditado nas mentiras que me contaram.
Talvez eu devesse ter insistido mais.
Maya não disse mais nada, ela segurou as minhas mãos e me guiou para fora do veículo.
A ventania afasta os fios de cabelo do meu pescoço e parecem tentar cobrir a visão do horizonte, onde há um casal prestes a beijar, sentados em um banco de pedra do parque, de frente ao lago.
O céu alaranjado refletindo na água seria um belo cenário, mas as tonalidades ressoam amorfas e doloridas para o meu cérebro. Uma pintura surrealista do inferno.
A sensação de receber vários socos no estômago retorna. Puta merda eu vou vomitar.
Decifrem o enigma!
Dica: Não é o que parece, parece o que é, não parece o que realmente é, e o que é realmente se parece.
Diz a lenda que a Isla vai dar uma de "toma aqui seus 50 reais". O que vocês acham que tá rolando?
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