09 - A megera
O fim de semana passou lento e arrastado.
Vovó Ophelia e Rosana pararam de discutir, até porque elas meio que pararam de se falar. Pelo menos na nossa frente.
Vovó estava certa e a filha dela jamais irá admitir isso. A retratação pública não ajudou em muita coisa e nem todo mundo parece ter engolido o que eu disse.
Rosana passou o domingo inteiro enfornada no escritório e Vovó tirou o dia para assar biscoitos com Megan e Maya. E também atualizou Fred e eu sobre suas últimas viagens.
Ela contou sobre seu último passeio pela Noruega, quando um homem albino numa cafeteria revelou segredos bisonhos sobre alienígenas. É isso, ou ela não soube traduzir muito bem.
Mandei mais algumas mensagens para o Enoc. Cheguei a ligar duas ou três vezes.
Não me importo se estou sendo pedante e insistente, preciso falar com o Albert. Preciso explicar tudo o que aconteceu em nessa última semana, mesmo que ele já tenha lido nos jornais. É importante que ele escute a história de mim.
Falando nisso, tio Albert mandou um dos homens da guarda-real do tamanho de um armário para me seguir por todos os cantos.
Aparentemente, ele não tem tempo para me mandar uma mensagem, mas consegue mandar um de seus guardas se transformar na minha segunda sombra.
Quase rolei pela escada hoje de manhã quando me deparei com o poste ambulante parado próximo a porta do meu quarto.
Simon vem com músculos o suficiente para derrubar um touro e um relatório completo sobre a sua vida.
Tem 1,90 de altura, 39 anos, é solteiro, sem filhos e trabalha na guarda real há onze anos.
Não estou brincando sobre ele me seguir para todos os cantos.
No salgueiro, precisei fazer xixi e ele ficou do lado de fora da cabine do banheiro. Moral da história? Não há nada mais constrangedor do que alguém ouvir você urinar no mais pleno silêncio e eco de um banheiro.
Em contrapartida, foi bom vê-lo barrar alunos curiosos e enxeridos de plantão. Ninguém ousou me chamar de "Vadia egocêntrica" enquanto andava com ele do lado, por medo de ter as pernas quebradas.
Embora eu não fosse pedir para Simon fazer isso — também não é como se ele fosse me obedecer caso eu pedisse, mas as pessoas não precisam saber.
— O Sr.Ahren está fazendo um belo mau uso do seu tempo.— Termino de contar sobre a ligação repentina na sexta-feira.
Estou sentada com as costas apoiadas no tronco de uma árvore grande e velha, na área verde do colégio enquanto a primeira aula não se inicia.
Deslizo com o polegar as notícias no celular uma por uma. É tenebroso.
Continuam falando do fiasco que foi a coletiva de imprensa e óbvio, sobre a porcaria do baile de apresentação do príncipe.
— Emma, sei que não falamos sobre isso, mas não pode sair dando o meu número de telefone para as pessoas. Especialmente para aquela criatura. — Paro de olhar o celular e direciono a atenção para a garota na minha frente.
Ela está sentada ao lado da Harper, que lixa as suas unhas.
— Isla, juro por Deus que não passei o seu número para o Jack. — Emma me garante, contorcendo suas feições. — Ele é meu amigo, mas eu não faria isso. Respeito a privacidade nos outros.
— Se não foi você, se não foi a Harper, quem foi?
— Isso é estranho. — Harper concorda. — E, se foram as gêmeas? Elas adoram pegar no seu pé.
Escondo o meu rosto com as mãos, mas as afasto instantes depois. Isso faz um maldito sentido.
— Você e o Jack Ahren são só amigos mesmo? — Ouço Harp perguntar. — Porque o jeito que ele te defendeu da Isla... — Ela ri, sem nem concluir a frase e não precisa.
— Sim. — Emma sorri. — Somos só amigos.
— Que legal vocês conseguirem uma bolsa na mesma escola. — A loirinha comenta.
— É, eu nem acreditei quando eu soube!
— É pavoroso. — Não consigo me conter. — Quem iria querer ficar mais perto dele? — Replico sacudindo o meu rosto como se estivesse enojada. Eca.
— O Jack é legal, não é pavoroso. — Emma defende o amiguinho. É a quarta vez hoje. — Ele sim me assusta. — Diz com os olhos fixos no Simon.
— Ele não morde e acho que também não fala. — Harper aperta os olhos. — Ou sorri. Ele é humano?
— É um dos guardas do rei, acho que devem seguir algum tipo de protocolo, sei lá. — Dou de ombros. — Agora estou sendo vigiada, mas pelo menos não ficam me importunando.
— Acho que isso vai acabar em breve. — Harp palpita em um resmungo.
Do que ela está falando?
— Como assim?
Harper termina de lixar as unhas da Emma e se inclina o seu corpo para frente.
— Parece que desde o seu pronunciamento no sábado, o rei Albert proibiu os jornalistas famosos de espalharem as más notícias sobre você. — Ela conta em um cochicho. — Ouvi uma conversa do meu pai com o Sr.Morris.
O pai da Harper é o homem do tempo no jornal das oito horas no canal de notícias de Verena.
— E estão de acordo com isso?
— Bom, eles não gostaram muito porque notícias sobre você costumam dar audiência e é só fazer os cálculos: Menos notícias, menos audiência e menos dinheiro. — Ela ajeita os cachos. — Só que parece que o rei Albert vai cobrir o valor, então...
— O nome disso não é "suborno"? — Digo em voz alta sem querer e elas arregalam os olhos me recordando de que há pessoas em volta. — Por que o tio Albert faria algo assim, não é "errado"? — Sussurro.
— Ele é o rei e... Você a protegida dele. Meu pai disse que pode ser melhor assim, o rei disse que você é nova demais para sofrer tanto assédio da mídia e foi agredida por causa disso. Já pediu desculpas publicamente, não há mais nada a ser feito.
— Sei que ele quer cuidar de mim, mas... Ele não corre o risco de ser criticado e exposto por quem não apoiar essa decisão? Ele está querendo melhorar a minha reputação as custas da reputação dele?
— Olha... — Harp molha os lábios. — Eu não estou dizendo que faz sentido, Isla, só estou repetindo o que eu ouvi. Acho que o rei está querendo proteger você e ter o mínimo de tranquilidade. Ele já tem muito com o que se preocupar; o reino, as brigas com os outros reinos. Não precisa das pessoas atacando você e consequentemente a escolha dele para a futura princesa e rainha um dia.
— Não acho que as pessoas vão parar de criticar só porque não podem ser vistas na internet ou na televisão fazendo isso. — Respiro fundo, soprando a mecha de cabelo que cai sobre o meu rosto.
Porque eu nunca estou sabendo das coisas? O tio Albert realmente precisa retornar as minhas mensagens.
— Estou com vontade de mandar todos embarcar com o Caronte e ir para o quinto dos infernos. — Admito.
— Você está tão cheia de... Raiva. — Emma olha ao redor e me olha. — Isso não cansa você?
Intoxica e adoece. Sei que posso soar sempre como um Gremlin raivoso, e eu acho que sempre fui assim, estou acostumada.
— Deve cansar. Na última vez que a Isla surtou ateou fogo nas roupas do closet dela. — Harper relembra terminando de lixar as unhas da Emma.
A garota lança um olhar assustado para mim e a sua boca mexe como se tentasse dizer algo, mas fosse bloqueada pela informação.
— Ela fez isso mesmo?
— Fez.
— Na verdade, foi meio acidental. — Esclareço sem demora, para que ela não pense que eu sou nociva a mim mesma. Embora eu seja. — Eu derrubei uma das velas aromatizantes quando joguei as coisas no chão.
— E, por que não apagou o fogo assim que percebeu? — Harper estreita o olhar.
— Eu sei lá, eu vi as coisas queimando, o fogo todo colorido, numa tonalidade atraente e... — Ergo as mãos simulando explosão. — Puf.
Emma assente devagar comprimindo os lábios em uma linha reta.
— Eu deveria me preocupar? — Pergunta baixinho para mim.
Nego com a cabeça e somente.
— Apenas com o baile. — Harper desconversa me olhando, num tom super empolgado. — Já começaram a ver os vestidos? As máscaras?
Não é exatamente sobre o que eu quero conversar agora, mas não acho que tenho como fugir disso.
— A Rosana contratou a Madame Grifine. Ela vai nesse fim de semana na minha casa. — Conto.
Olhamos para a Emma, quem se manteve quieta por dois minutos até perceber que esperávamos ela abrir a boca e dizer alguma coisa.
— O que foi? — Pareceu confusa. — Eu sou bolsista e filha de padeiro, esqueceu? Não recebo convite.
— Bobagem. Eu posso arrumar um. — A alerto.
Quem não vai gostar muito é a corte, mas não é como se eu quisesse agradar.
— Isla...
— Boa ideia! — Harper alarga o seu sorriso. — Quanto a roupa não se preocupe, Isla e eu damos um jeito.
Decidi desaparecer nos intervalos entre as aulas e por isso ofereci a minha ajuda à Sra. Bennett, a professora de música, que felizmente é uma das poucas professoras no colégio inteiro que não me olha como se eu precisasse me banhar em água benta.
A sala de música fica em uma das torres mais altas da construção. Além dos abafadores de som, a localização é uma maneira estratégica de fazer uma barulheira sem atrapalhar as demais aulas que acontecem simultaneamente.
A professora sumiu para almoçar, mas antes me deu algumas tarefas bem bobas para que eu pudesse distrair a minha mente um pouco e me ocupar. Como por exemplo, organizar as partituras de alguns musicais.
Então, agora sou só eu, sentada no banco em frente a um bonito piano preto e o Simon, quem me assiste amassar alguns papéis como se fosse a cabeça da Rosana.
"Precisamos que a Isla se torne a princesa de Verena."
Por que ela disse "precisamos"? Quem, além dela pode ganhar algum benefício comigo ascendendo ao trono?
Vamos, Isla. Pensa. Pensa um pouco. Pensa mais.
Rosana era amiga da minha mãe e da rainha? É mais ou menos isso que aquela foto indica.
Que bizarro, eu não sei nada sobre a mulher que me criou. Nada.
Sei que ela nasceu no condado de Giles, porque a vovó Ophelia me contou.
Vovó Ophelia.
Talvez eu devesse perguntar a ela sobre a Rosana, de uma forma que não levante suspeitas. O problema é que eu sou tão sútil quanto macacos fazendo malabarismo numa loja de shopping, mas pode ser que eu consiga aproveitar o fato das duas não estarem muito em sintonia no momento.
Passo a ponta dos dedos nas teclas brancas, algumas até que meio amareladas do piano a minha frente, e a madeira gelada provoca um leve formigamento pela minha mão.
Faz tanto tempo desde que toquei um piano pela última vez que eu nem me lembro mais.
Começo devagar, deixando seu som ressoar pela sala. Sol. Fá sustenido maior. Sol outra vez, e depois Lá.
Quando eu tinha dez anos, Rosana resolveu que seria uma boa ideia me enfornar em aulas de músicas. Sei um pouco de arpa, piano, violão, violino, até mesmo guitarra e violoncelo.
Continuo tocando as mesmas teclas com mais agilidade, num ritmo frenético, quase incansável. Engraçado pensar que não é muito diferente de como a minha cabeça funciona.
Ouço a porta da sala de música abrir e depois fechar, me fazendo parar de forma abrupta.
Viro o rosto para olhar para a Sra. Bennett e até abro a minha boca para perguntar o que ela almoçou, no entanto, percebo que não se trata dela e sim de Jack Ahren.
Levanto em um sobressalto súbito, e o rapaz para no meio da sala, está olhando para mim.
— Está me perseguindo? — Pergunto de uma vez, dando as costas para pegar as partituras no piano.
— Acredite, não. — Ele parece certo do que diz. — Mas, vim até aqui porque quero falar com você. Você está sempre tentando se esconder.
— E ainda não consegui ficar boa nisso. O que quer agora, Sr. Ahren?
Criatura insistente esse garoto. Não sei se ele lembra de não ter tido muito sucesso da última vez. Se bem que, não há nada para jogar sobre a sua cabeça por aqui, senão os instrumentos.
Admito, ele me confunde um bocado. Geralmente, sei das intenções das pessoas quando se aproximam de mim, ou quando forçam isso. Mas, ele? O que ele espera?
Giro sobre os calcanhares para olhá-lo novamente.
— Agora, tem o meu número de telefone, pode me ligar no meio da noite escondido dentro do meu armário como um verdadeiro psicopata! — Eu não vou me esquecer disso tão fácil. — O que o senhor realmente quer?!
Jack ergue o canto dos lábios. Nossa, como ele me irrita.
— Primeiramente, gostaria de saber se poderia parar de me chamar de "senhor". Sinto que estou vivendo em 1797 sempre que diz isso.
Dou de ombros.
— E qual é a segunda coisa?
— Por que não tentamos ser amigos? — Dispara. Assim, do nada.
Amigos? Eu e Ele? Sem chance.
Os meus amigos não costumam me fazer sentir que posso arrancar os meus olhos para não ter que olhá-los, sequer me incomodo com o fato deles estarem respirarem perto de mim em proporções tão violentas, que me fazem perder o ar. Isso não vai funcionar com ele.
No mais, eu sou detestável. Ele deve ler lido a respeito disso.
— Eu já tenho amigos. — Falo sem demora.
— E, o que te impede de ser a minha amiga também?
— O senhor.
Não menti e não quero.
— Eu? — Ergue as sobrancelhas.
— É. — Faço que sim com a cabeça. — O senhor me deixa de mau humor.
Jack Ahren enche os pulmões de ar antes de voltar a falar.
— Olha, Isla. — Se aproxima em dois passos. — Não precisa me odiar só porque...
— Mas, eu não te odeio. — Barro as suas palavras.
— Ótimo! — Ele procura sorrir, só não sei se é de verdade. — Já progredimos.
— Eu não sinto nada. — Esclareço o interrompendo outra vez. — É indiferença, o nome.
Jack respira fundo, levando as mãos ao rosto e balançado a cabeça negativamente.
Ele esfrega o rosto com as mãos e torna me olhar.
— Como você está hoje? — Questiona após alguns segundos.
— Perfeitamente bem. — Aperto a pilha de folhas contra o meu corpo.
— Mentirosa. — Seu tom de voz é amigável por enquanto. E, é contraditório se for ponderar que ele está me ofendendo.
— Eu não sou mentirosa. — Como ele pode dizer isso de mim? Nem me conhece tão bem assim para afirmar algo tão real.
— Mas mentiu agora.
— Sendo assim, todos somos mentirosos.
Jack desmancha o sorrisinho e sacode a cabeça em confusão.
— Do que está falando?
Dou de ombros.
— Conta mentiras sociais todos os dias. — O relembro. — "Olá, Sr.Ahren, prazer em conhece-lo" — Engrosso minha voz, segurando as partitura com uma mão e estendo a outra como se fosse cumprimenta-lo. — "O prazer é todo meu". — Em gestos leves e ímpetos, ele a segura num aperto de mão.
Garotos não tocam em mim e ter a mão dele segurando a minha é uma experiência tão nova quanto fumar pela primeira vez. A princípio, a sensação é semelhante: O esquentar do meu rosto, o formigar na garganta e a certeza de que isso pode acabar comigo a longo prazo.
— Mas... — Me afasto, retornando a minha linha de raciocínio. — Papo furado, não suportamos a fuça do sujeito, mas mentimos para sermos legais.
Jack ri e nega. Acho que essa risada é verdadeira.
— Você sabe ser engraçada. — Alarga seu sorriso. — Possui um humor ácido, meio depravado, mas é engraçada.
— Sou o bobo da corte de Verena, sabia?
Minhas afirmações parecem sempre deixá-lo extremamente confuso.
— É mesmo, por que diz isso?
— Porque isso sim é a verdade. — Digo em um suspiro.
— Eu não acredito. — Ele dá de ombros. — Bobos da corte precisam fazer as pessoas rirem, você geralmente não faz o oposto? — Provoca. Eu sei que ele está me provocando. Posso ver transparecer nos olhos dele.
Finjo rir e em seguida desmancho o sorriso sem esforço.
— Você não ri nunca?
— Não, nunca. Fui atacada por um dementador.
Jack Ahren ri outra vez. Ele tem a alma inteirinha, parece que sim.
— Sabia que não precisa ser sempre mal-humorada assim? — Dá mais um passo à frente.
— Uma dica: Se quiser mesmo tentar ser meu amigo, precisa parar de me ofender.
As vezes o óbvio precisa ser dito.
— Então está interessada na proposta de amizade? — Ele se aproxima em mais um passo na minha direção, semicerrando o olhar.
Eu tenho 1,78 de altura, sou um pouco mais alta que a maioria das garotas da escola, até um pouco mais alta do que alguns garotos.
Jack Ahren, é tão alto que eu preciso inclinar o meu queixo levemente para poder olhá-lo nos olhos.
As íris de um azul intenso estão direcionadas ao meu rosto e não vêm acompanhadas de um sorrisinho metido a irônico. Talvez, ele realmente espere uma resposta.
— Eu não disse isso, Sr.Ahren. — Com uma das mãos espalmadas, eu o empurro e avanço na direção da porta, saindo da sala antes de decidir quebrar um dos instrumentos na cabeça dele.
MARMELADA DE BANANA. BANANADA DE GOIABA. GOIABADA DE MARMELOOO.
Eu tô tão nervosa com esse livro, nem sei o porquê. Kkkkkkkkkkkkk
O quê acharam desse capítulo?
Acham que a Isla ia conseguir ser amiga do Jack se ela tentasse?
Ela sobre isso:
Isla sobre os blogs:
Postando um pouco mais tarde porque essa semana eu tô só a lasqueira. Mas de qualquer forma está aqui viu, bein. Nay não vai e não quer deixar ninguém na mão.
Spoiler sobre os próximos capítulos:
HIHIHI VAMO QUE VAMO EM! EU QUERO VER O CAOS. Beijo. Amo oceis, cabritos.
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