07 - O eterno retorno do mesmo
A luz proeminente da janela perpassa as cortinas finas da sala de jantar e acentua uma dor aguda na minha cabeça. A qualquer momento posso expelir minhas próprias tripas.
Harper me fez companhia até eu adormecer, mas eu não dormi direito e agora, na mesa para o café da manhã, não estou interessada nas torradas, nem nas frutas.
— O tio Albert ligou? — Pergunto a Rosana, quebrando um silêncio impassível.
— Ontem a noite e hoje bem cedo.
— Por que não me deixou falar com ele?
— Você estava dormindo. — Diz indiferente.
— Era só ter me acordado. — Rebato sem tirar os olhos dela. — O homem ontem, no Caprise...
— Ele está preso e irá apodrecer na prisão se depender de mim. — Rosana gesticula como se fosse enforcar alguém, repartindo o pão como quem depena uma galinha. — Eu juro que...
— Qual é o nome dele? — Questiono dando um gole forçado no meu café e as cabeças se inclinam na minha direção.
Às vezes os nomes das pessoas parecem dizer muito sobre elas. Quero saber se o nome dele soa como alguém capaz de esmurrar garotas.
— Você não devia se preocupar com isso. — Escuto Maya opinar, mas não tiro os meus olhos da Rosana.
— Eu quero o nome. — Insisto, até porque toda vez que eu mexo a boca para falar, sinto um corte no meu lábio que não me permite esquecer. — Preciso do nome dele.
— Devon Greer. — Rosana não hesita, só desvia o olhar para a xícara de porcelana branca a sua frente.
Devon.
Devon.
Devon.
— Tudo indica que foi armado sabiam que você estaria lá. — Ela diz, entretida esfarelando o pão. — Abriram a investigação e estão colhendo os depoimentos, começando pelas suas amigas. — Me encara. — Não precisa ir ao colégio hoje.
— Eu não iria de qualquer forma.
Desvio a minha atenção para a geleia de amora na frente do meu prato.
— Se eu levar um soco também, posso faltar? — Fred questiona com sarcasmo, mas soa como uma pergunta genuína.
Não será uma surpresa se ele estiver falando sério.
— Quer que eu acerte você? — Megan se oferece generosa.
— Com tanta erva que você usou hoje cedo, tem certeza de que tem força ou que vai acertar a mira? — Meu irmão replica.
— Fumando de novo? — Rosana ralha, batendo as mãos na mesa, tremendo a prataria e assustando a todos. — Já estamos com problemas o bastante e você fumando de novo?
— Eu não estava. — Megan mente com facilidade.
— Seu quarto parecia uma sauna. — Fred torna a dedurar.
— Cala a boca, Fred!
— Vocês estão me dando nos nervos. — Maya levanta do seu lugar.
— Aonde você vai? — Sua mãe pergunta.
— Para o meu quarto. Quando estiverem saindo para o colégio peçam para a Lenna me chamar. — Ela deixa o cômodo sem pensar duas vezes.
Estou considerando fazer o mesmo.
— Receio que não me deixará ficar em casa sem fazer nada. — Digo para minha madrasta e para sua veia saltando do pescoço.
— Decerto que não. Precisa para a coletiva de imprensa.
— Mesmo depois do que aconteceu?
— Acho importante se mostrar firme.
— Acho que o mais importante nesse momento, é que ela supere e esqueça. — Uma voz doce e familiar, ecoa na entrada da sala de jantar e me provoca um sobressalto.
A pose de general da Rosana se desmancha como açúcar em água.
— Mãe? O que faz aqui? — Rosana é tão receptiva quanto um diabrete enfurecido.
— Vovó! — Fred se levanta e corre para abraçá-la o mais rápido possível.
Saia mídi, óculos estilosos, pérolas e cheiro de alfazema.
Não tenho avós biológicos vivos, e vovó Ophelia é a mãe da bruxa da Rosana, mas me acolheu como uma de suas netas, acho que até antes da Rosana e o meu pai se unirem em matrimônio. É curioso, "Ophelia" é meu terceiro nome, e nada mais justo, ela é uma das poucas pessoas que me fazem sentir bem.
Fred a solta e ela caminha na minha direção esboçando um sorriso.
— Pensei que viria de Giles só no mês que vem. — Comento, enquanto vejo pelas brechas o Harry carregando as malas dela.
— Depois dessas notícias e incidentes absurdos, soube que minha neta precisaria de mim. — Esclarece e deposita um beijo rápido no topo da minha cabeça. — Vamos dar um jeito nisso, querida. — Ela olha para a filha que permanece parada como uma rocha. — E vamos dar um jeito nela também. — Cochicha, o que me faz quase sorrir.
Não posso ousar sorrir, capaz do lustre do teto despencar em mim.
— Ótimo. — Rosana coça a garganta, finalmente reagindo. — Alguma ideia, mamãe?
— Vamos cuidar da nossa menina e da imprensa cuidamos depois. — Ela devolve seu olhar a mim. — Como tem lidado com os monstrinhos?
— Acho que deixei a gaiola aberta. — Sussurro de volta.
— Vocês e suas amigas costumam visitar esse restaurante com frequência? — O detetive Baker pergunta, sentado na poltrona da nossa sala de estar.
Não sei dizer se ele cabe no estereótipo que os livros e os filmes criam de detetives.
Ele é baixo, corpulento e está usando um casaco marrom escuro, calças e sapatos sociais pretos, sapatos brilhantes e engraxados.
Está de barba feita. Sem bigode, sem um sobretudo escuro, chapéu ou cachimbo e cheira a papel antigo.
Deve viver rodeado de pilhas de casos para solucionar.
O tio Albert o contratou e se ele confia nesse detetive, acho que eu também deveria. Me parece ser inteligente.
— Acho que foi a quinta vez que fomos nele. — Respondo remexendo o meu corpo no sofá.
— E, o que fazia antes de tudo acontecer?
— Eu estava sentada e nós estávamos falando sobre pedir sobremesa.
Risadas. Harper riu, a Emma e até mesmo eu.
Ele escreve alguma coisa no pequeno caderno de capa de couro marrom.
— E depois?
Risadas que cessam e então gritos.
— Depois eu fui acertada no rosto. — Eu não sei porque ele está me perguntando o obvio.
— Conseguiu olhar para o homem antes?
— Não.
Ele tira do meio do seu caderno uma foto e a coloca sobre a mesinha de centro que há entre nós dois.
— Já o viu antes?
O homem na foto tem cabelos raspados, olhos castanhos, pele âmbar e lábios carnudos. Traços que combinados, constituem um rosto dele, e não é familiar.
Em resposta, apenas nego com a cabeça.
— Esse é o Devon? — Questiono baixo.
— Como sabe o nome dele?
— Perguntei pra minha madrasta.
Baker me lança um olhar confuso.
— E, por que o interesse?
— Se o senhor fosse pego desprevenido enquanto está jantando com seus amigos, também iria querer saber o nome do infeliz. — É assustador como a minha boca parece abrir sozinha e falar sem que eu me esforce.
Ele franze ainda mais as sobrancelhas taturânicas, mas no segundo posterior assente devagar.
Pisco com força, estou morrendo de sono.
— Eu agradeço a colaboração, milady. — O detetive se levanta ajeitando o último botão do paletó. — Vejo a senhorita depois.
Concordo com a cabeça e o assisto se distanciar com a Lenna, que o acompanha até a saída.
Tentei dormir durante a tarde, mas não tive sucesso, especialmente por saber que durante o tempo que eu estou parada, deitada na minha cama, informações e matérias sobre mim estão se dissipando como um vírus.
Não gosto disso, mas também não gosto de correr, seguir as ordens da minha madrasta e cada compromisso que ela resolve enfiar na minha agenda.
Vovó a convenceu me deixar em paz por hoje e as duas saíram, não sei aonde foram.
O médico receitou um remédio para eu dormir, mas eu cuspi ele fora.
Nesse momento, as gêmeas e o Fred estão no Salgueiro e não há muito o que se fazer por aqui.
Isso pode explicar a minha ida até o quarto da Rosana. Na última vez que mexi em seus pertences encontrei a caixinha com os cigarros.
Subi a escada em espiral da minha casa e caminhei até o fim corredor antes de abrir as portas brancas e douradas do quarto dela.
Não hesitei em entrar no cômodo amplo, com uma cama um pouco maior do que a minha, cobertas e lençóis de seda.
A ruiva tem bom gosto, reconheço — não quando o assunto é cigarro, claro. A propósito, parada no meio do quarto, posso ver um cinzeiro de porcelana em cima da cômoda do lado da cama dela.
Encontrei um pequeno saquinho com jujubas super açucaradas de morango no closet. São gostosas, doces para um cacete, mas gostosas.
Salto alto é o que mais fica em evidência por aqui. Rosana também tem inúmeros vestidos vermelhos, dourados, a maioria em camurça, se eu não fosse a outra peça de outra cor, eu diria que ela é algum personagem do Mauricio de Sousa.
Me aproximo de uma cabeceira de joias, depois de comer a última jujuba do saquinho.
Há muitos anéis, de tamanhos e pedras diferentes, mas ela não os usa com tanta frequência. O que é engraçado, coloco um em cada dedo, se deixar. Detesto as minhas mãos vazias, parece que estou ainda mais exposta do que o normal.
Na terceira gaveta da cômoda, encontro uma caixinha de música, ela tem uma bailarina rodopiando enquanto a música toca. Acho que é Chopin.
Mexendo nos compartimentos, encontro uma foto antiga e avulsa. Uma que nunca apareceu em nossos álbuns.
A fotografia está amarelada, gasta pelo tempo, apesar disso posso ver a Rosana, anos mais nova, talvez com a idade que eu tenho. E, ela está do lado da minha mãe. Os traços, os olhos verdes como os meus não me deixam dúvidas.
A rainha Amelie também está na imagem e a Rosana está entre as duas. Estão sorrindo, em frente a uma construção que não consigo reconhecer.
Não sabia que elas eram próximas. Para falar a verdade, não sei muito sobre a minha mãe, apenas que se chamava Anelise e era amiga do tio Albert.
— Eu estou cuidando de tudo! — A voz distante da Rosana me provoca um sobressalto.
Ela parece nervosa, com quem está falando? Com a vovó? Acho que Rosana jamais falaria com ela assim.
Merda. Merda.
Corro até um vão que há entre os vestidos pendurados, em um dos armários do closet e me enfio ali.
Ouço o barulho de portas batendo, possivelmente ela entrou no quarto. Merda.
Não estou ouvindo nada além do seu salto bater no chão, enquanto ela anda exasperada pelo cômodo. Sequer escuto a voz de outra pessoa. Acho que está sozinha.
— É a semana tem sido agitada.
Como eu vou sair daqui sem ela perceber? E se ela resolver pegar algo no closet, ou pior, e se ela resolver usar esse vestido azul Royal de pedrinhas prateadas que me esconde, justamente hoje?
Eu não duvidaria, com a sorte em que tenho.
— Ainda não é a hora. — Diz autoritária, deve estar em alguma chamada de voz. — A garota está bem.
A garota? Levei um soco na noite anterior, ela se refere a mim?
— Não, eu não acredito que desconfie de alguma coisa.
Desconfiar? Quem? Do quê?
— Eu já disse que não. — Ela se mantém firme, baixando algumas oitavas na voz. — Precisamos de tempo. Tempo o bastante, pelo menos até a Isla se tornar a princesa de Verena.
— Eu escutei, Harp. — Digo com os olhos fixos no céu escuro, em ligação com a loirinha. — Ela disse com essas palavras!
Estou na varanda do meu quarto, não posso correr o risco de alguém me ouvir.
Quando a Harper me ligou para contar como foi o dia no colégio sem mim, despejei o que eu havia ouvido e como tive sorte da Rosana sair do quarto minutos depois de ter entrado nele.
— Que esquisito. Tem alguma ideia de quem era a pessoa no telefone?
— Não faço ideia e como é o celular pessoal dela fica difícil saber. — Usufruo de toda a capacidade dos meus pulmões os enchendo de ar para soltar aos poucos.
O vento gelado bate contra o meu rosto e não é difícil. Gosto de quando o clima está assim.
— Eu sempre achei a Rosana muito suspeita, mas agora, é como se todas as minhas dúvidas fossem confirmadas. — Estou falando o mais baixo que posso. — Seja lá o que ela quer, parece ser grandioso.
Ando de um lado para o outro na sacada. Ela tem um tamanho bom, nem tão grande, nem tão pequena, possui espaço o bastante para caber a mim e uma mesa pequena com um lugar sem que fique apertado.
— E, ao que tudo indica, parece que precisa de você como princesa. O que pretende fazer?
— Eu não sei. — E, eu detesto não saber.
— Por que não fala com o rei?
— Eu posso tentar, mas pelo visto acho que a Rosana tem monitorando isso também. Ela não me deixou falar com ele hoje de manhã e ele não tem respondido as mensagens que enviei para o secretário dele.
Coloco o celular no ombro e o seguro com a cabeça enquanto pego impulso com as mãos para subir no apoio da varanda.
— Ele é o rei e seria útil ter ele do meu lado, mas ele compactua com isso de me transformar em princesa de alguma forma, do contrário jamais teria me prometido ao filho dele. — Bufo. — Ele é bom, talvez se eu explicar a situação... Ele possa me ajudar.
— Já tentou dizer que não quer se casar com o filho dele?
— Você sabe que não. — Fungo em frustração, me sentando no parapeito. — Eu travo. Sempre.
A verdade é que eu estou caminhando na corda bamba e prestes a cair.
Cair.
Deve ter uns dez, doze metros de altura da varanda até o chão. Um homem se jogou de um prédio de cinco andares e teve o crânio espremido pelo concreto. É medonho pensar que uma vida inteira pode acabar no trajeto de alguns metros até o chão.
Se eu cair daqui, pode ser que eu sobreviva. Tem grama e arbustos lá em baixo que amorteceriam a queda.
Mas, se eu quebrar o pescoço, dependendo da região da fratura, posso morrer em míseros átimos.
O soco que eu levei não seria nada comparado e isso acabaria.
A população teria que procurar outra pessoa para adorar ou linchar, o rei teria que encontrar outra noiva para seu filho e eu finalmente iria parar.
E, o Fred... O Fred perderia uma irmã. Ele ainda teria as gêmeas, mas não a mim.
— Mas, me conta, como foi hoje? — Desvio o assunto, preciso tentar fazer isso.
— Foi estranho estar no salgueiro sem você e um pesadelo já que todo mundo ficou em cima de mim, da coitada da Emma pra perguntar sobre o que aconteceu no Caprise.
— E?
— Nós combinamos de não contar nada, especialmente agora que tem detetives nos enchendo de perguntas. Falando nisso, como foi com o detetive?
— Normal. — Fico de pé na mureta, segurando um telefone com as mãos e esticando o meu braço livre para me equilibrar. — Eu contei o que aconteceu, sem grandes surpresas.
— O cara vai ficar preso?
— É, eu acho que sim.
A ventania chacoalha os meus fios de cabelo e o cardigã que eu estou usando. A cabeça e o meu rosto não doem mais.
Quero ser desfeita e pouco a pouco ser levada pela brisa como as folhas das árvores no outono ou os flocos de neve no inverno. Até o que deveria ser eu não ser mais e nem estar mais aqui.
Ouço meu celular zunir de repente e eu o afasto do ouvido e só então percebo que um número desconhecido está me ligando.
— Já te ligo de volta, Harp.
— Beijinhos. — A loirinha diz antes de eu finalizar a nossa ligação e atender a outra.
— Alô?
— Costuma atender números desconhecidos, Srta. Grant? Não imaginei que fosse.
Reconheço a prepotência e o tom de voz sem demora, embora leve um tempo até recobrar os sentidos e reagir. Só pode ser brincadeira.
— Jack? — Cambaleio para trás e finco os meus pés no chão da sacada. — Como... Como conseguiu o meu número?
Harper criou um grupo ontem para mandar a localização do restaurante e adicionou o número da Emma. Será que ela esqueceu de avisar que não pode compartilhar os nossos contatos sem a nossa autorização?
— Você fica bem de roxo, sabia? — Como ele sabe...
Olho para o horizonte, abaixo das estrelas, bem mais para baixo, entre as árvores e os arbustos da área verde e ali está ele, acenando para mim como uma miss em uma passeata.
Não sou capaz de imaginar o que ele pretende com essa ligação, apenas constato o que eu já sabia: Ele deve ter algum problema, muitos deles, eu sei lá.
— Tem ideia do quanto isso é bizarro? É muito bizarro. Você é algum maníaco e stalker? Um psicopata?
Não escondo o meu espanto. Nem posso.
— É, é isso aí. Descobriu tudo, sou obcecado por você e por isso eu vou aproveitar a oportunidade e contar de uma vez que tatuei o seu nome. Na verdade, todos os três. Não vou dizer onde, vai ter que adivinhar.
— Não tem graça! O que você pensa que está fazendo?
— Não parece óbvio? Te ligando.
Levo uma mão até a minha testa. Posso sentir a minha enxaqueca voltando.
— Eu me refiro no condomínio. Você ficou doido? Isso é invasão.
— Não, não é. — O percebo escorar em um dos postes de luz.
— Conhece alguém que mora aqui?
— Você mora aqui.
— Então invadiu! Como foi que passou pela segurança?
— Eu estou de moto. Acho que pensaram que eu estava junto com o cara da pizza.
— Isso é bisonho!
— Já vou ir embora, só precisava ver uma coisa.
— O quê, exatamente?
— Se você estava bem. Mas subir no parapeito da varanda me parece um pouco alarmante.
Dispara sem dificuldade. Que papo é esse?
Eu solto um riso súbito, nervoso e abafado.
— Queria ver se eu estou bem? Pensei que me detestasse.
— Eu detesto muitas coisas. Pudim de figo é uma delas. Posso até te detestar de vez em quando, mas nem por isso eu desejo que você seja golpeada no meio da fuça. Já o pudim, bom, ele poderia ser extinguido. A estrada para o inferno deve ser pavimentada com essa porcaria.
Eu estou confusa. Confusa para um caramba.
— Quanta sutileza... Estou ótima, nas nuvens. — Finjo um bem-estar exagerado. — Adoro rasgar a minha boca com socos alheios... Qual é o seu problema? Eu não estou entendendo. Não faz sentido. Não tem outra alma para atormentar? Está com saudades por eu não ter ido ao colégio hoje?
— Receio que o salgueiro sem você fique muito monótono.
— Bom, tem a nossa atividade de história para entreter você. Falar sobre o niilismo, talvez o que aconteceu comigo seja um bom experimento prático. — Sugiro irônica. — Abre aspas: A humanidade se auto degrada todos os dias. O tempo todo. É extremamente contraditória e instável, talvez esteja impregnado no DNA todo o caos enquanto evoluímos do avesso. O universo conspira contra nós. Nosso destino é o fim. Depois da criação de Adão, Deus deve sentir muita falta dos dinossauros. Fecha aspas. O que acha?
— Que vão encaminhar você para um terapeuta se lerem isso. — Ele gargalha, não muito alto e parece ser genuíno.
Reviro os olhos.
— Você acredita mesmo que as coisas que acontecem com você são por causa do universo? — Pergunta um tempo depois.
— Está insinuando que eu mereci isso?
— Está colocando palavras na minha boca, mocinha. — Finge repreender. — Eu não disse isso.
— Então?
— Sabia que os antigos gregos costumavam culpar os astros por todo o caos? — Me apoio no pequeno muro e o vejo se aprumar e se recostar outra vez no poste. — Se a vida de alguém era muito ferrada, eles costumavam dizer que a pessoa estava sendo guiada por um astro ruim.
— Culpavam as estrelas?
— Cada pontinho brilhante. — Prossegue. — Não dá pra julgar muito, é um saco admitir que se a sua vida é uma droga, é possível que você seja um grande responsável por isso.
— Tem certeza que não está insinuando que eu mereci o soco?
— Tenho.
— Parece muito. — Replico. — Mas, me diga, já que acha a minha visão preocupante, o que você colocaria na dissertação sobre o Niilismo?
— Nietzsche foi um filósofo que falou muito sobre o niilismo e ele até tem uma experimentação.
Quem diria, Jack Ahren conhece Nietzsche. Cheguei a ler um pouco, não muito, a maioria porque a Rosana me obrigou.
— Vamos supor que hoje um demônio aparece para você e diz que essa vida, exatamente essa que você está vivendo, tudo o que você viveu, e vai viver até a morte, você vai ter que viver várias e várias e incontáveis vezes.
Posso vê-lo esquentar a mão livre no bolso da calça.
— Você não poderá acrescentar nada de novo nela, muito menos tirar algo dela. Cada prazer, cada dor, terá que passar por ela outra vez e igualmente. Na mesma sequência e na mesma ordem... Nietzsche pergunta se diante dessa situação você irá se zangar e mandar o demônio ir a merda ou... Se vai ser grato pelo conhecimento que pode tirar disso.
— E, o que ele pretende exatamente com isso?
— Acho que é um pouco subjetivo, mas meio que nos induz a dar um sentido de vida a nós mesmos. Sabe? — Ele ri. — "Já que eu vou viver essa porcaria num loop infinito, que seja pelas coisas que eu quero fazer ou não" Se for para repetir o mesmo erro, várias e várias vezes, é bom garantir que o erro seja seu. Eu sei lá. Essas coisas.
Um erro que seja meu. Escolhas que sejam minhas.
Erros. Muitos deles, mas todos seus.
— Mesmo que isso signifique atirar vitamina na cabeça dos outros? — Provoco cantarolando.
— Você é cruel. — Ele está rindo? Não dá para saber.
— E o senhor é estranho. Medonho. Esquisito. Bizarro. Me ofende e depois decide me ligar. — O recordo. — Inclusive, não espere que eu seja sua amiga, eu não sou.
— Não estou esperando nada. Só liguei para certificar de que que o golpe não mexeu com a sua cabeça. Tudo certo, você ainda é a mesma. Só não se jogue daí de cima que está tudo certo.
Espero que ele não pense que eu sou suicida, nem algo beirando a isso.
— Já que viu que eu estou ótima, chega de conversa, vamos encerrar por aqui. — Solto o ar preso nos meus pulmões. — Aliás, eu estava pensando que seria uma maravilha ter a opção de desligar qualquer contato com você sempre que eu quisesse.
— No momento você tem, porque ainda não fez? O botão de desligar está aí desde o segundo que decidiu atender. — Cantarolou.
Desligo o telefone e o assisto acenar para mim antes de dar as costas e fechar a porta da minha varanda.
Apocaliptianos, terráqueos, reptilianos e cabras.
Como podem ver, estou liberando os capítulos conforme consigo.
Quero deixar expressos os meus agradecimentos as pessoinhas comentantes e votantes. Vocês são tudo de bom. Supimpas!
Vou responder um por um. Faço questao!
Jaja eu volto! Beijos e queijos.
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