2.2 onde há um passado difícil
Cada noite tem as suas perfeições, Jungkook era um homem certo disso. Desde que se mudara para aquela casa que, quando não conseguia dormir, ia até o jardim da frente, sentava-se algures no relvado ou na pequena escada antes da porta e olhava a noite. Sabia que era perfeita, desde a primeira vez, e continuou a ser a companhia perfeita por tantas outras vezes.
Naquela noite em específico, não conseguia pensar no que faria na manhã seguinte quando admitisse que aquela noite em específico parecia não ter brilho, parecia... Não ser perfeita.
O edifício que Jimin desenhara e onde antes Jungkook estivera na sua inauguração era na margem de Busan, longe da casa dos Jeon, o que fazia com que a viagem parecesse enorme, ainda para mais quando Jungkook estava sozinho com Jimin naquele carro, depois de literalmente terem fugido de um lugar que era suposto trazer alegria para o mais velho.
Não queria se intrometer, mas estava se roendo para perguntar como é que uma pessoa com quem Jimin já estivera casado antes podia agir assim com ele e, pior ainda, se sempre fora assim para consigo. Não podia acreditar que aquele tinha sido o homem que Jimin escolhera para estar consigo, para viver consigo, para... para casar!
Sem se conter, enquanto conduzia pela noite, o ar quente dentro do carro, a música tão baixa que Jungkook mal conseguia perceber o que tocava e o olhar concentrado na estrada, Jungkook deixou escapar:
– Você está bem?
Jimin o olhou, ele pôde perceber com o olhar de lado, ele virou o rosto na sua direção e o olhou, parecendo surpreso por ser essa a questão.
– Pergunte o que quer perguntar. – ele pareceu cansado, suspirando. Jungkook soube que não era o momento para perguntar e se o fizesse receberia uma resposta de Jimin que ele tinha tido tempo para planear, talvez por não ser a primeira vez.
– Não quero perguntar nada. – ele declarou, apreensivo, porque Jimin parecia tão calmo usando aquele tom que Jungkook não quis mudar isso nem por um segundo. – Perguntei o que quero saber. Você está bem?
– Eu fui casado com Jongin e...
– Não foi isso que eu perguntei. – Jungkook engoliu em seco, travando o carro no semáforo laranja e finalmente olhando o menor, alcançando a mão dele em cima das pernas e segurando-a na sua. – Esse cara... – Jungkook suspirou, subindo a outra mão para afastar os cabelos do loiro da face, empurrando-os para trás, como estavam antes. – Ele te faz mal de algum modo? Ele...
– Ele vive em Seul. – foi a resposta que quis dar, empurrando o corpo para a frente para espreitar o semáforo vermelho. – Não importa mais. – o olhar caído de novo sobre o Jeon.
– E você viveu em Seul até muito recentemente.
– Mas não com ele.
Jungkook só podia sentir que houvera um corte no tempo naquele preciso momento. Pressionou o pé no acelerador quando viu a luz verde reflectida no vidro da frente. A principio nem olhou em frente, preso em Jimin e com a segurança interior de que a rua estava deserta.
A remota hipótese de Jimin ter sofrido qualquer tipo de coisa nas mãos de outro homem dava-lhe náuseas que não tinha como controlar. Jungkook não sabia mandar pensamentos embora, nunca soubera, e era tão mau a disfarçá-los e a mantê-los para si. Fora isso, no entanto, que o fez conduzir não para casa de Jimin, mas para a sua.
– Hyung... – ele suspirou, o carro na entrada para a garagem e as mãos escorregando pelo volante até se encontrarem na parte de baixo.
– Eu também quero ficar com você hoje. – Jimin sorriu de lado, achando que Jungkook realmente iria justificar a sua escolha.
O moreno comprimiu os lábios, emborra sorrisse também, pois nunca fora intenção sua tomar uma decisão sozinho acerca daquilo.
Jungkook sabia que não precisava de dizer nada para que Jimin soubesse que ele não tinha o que queria. Era simples. Em momentos como aquele, Jeon Jungkook não conseguia viver sem uma mísera explicação, é como se lhe faltasse o ar e os pulmões queimassem de dentro para fora. Precisava de saber, precisava das dores de Park Jimin para poder viver com as suas.
– Ok, Jun.
O olhar caído do mais novo e a saída do ar pelas narinas audível pareceu fazê-lo ceder.
Jimin não recordava as mágoas porque não se queria agarrar a elas, a menos que fossem sobre si mesmo e sobre os seus erros apenas. Descobrira que não fora o único errado na sua ex-relação e por isso escondia as mágoas no lugar mais fundo que podia encontrar em si. Escondidas. Invisíveis.
Apesar de Jungkook ter ganho, ele não queria que as coisas fossem daquela forma. Não queria que Jimin desistisse perante a sua insistência e se visse obrigado àquilo, não queria jogo nenhum.
– Eu sempre te disse que...
– Hum... não. – Jungkook negou lentamente, porque não queria saber assim.
O seu olhar cruzou-se com o do mais velho, que soltou uma risada pelas narinas, esfregando o polegar pelas costas da mão que segurava, certamente maior do que a sua.
– Eu sempre te disse que uma vida de carros caros e festas chiques não era para mim e... bom, para Jongin é. – disse ele e embora segundos tivessem passado, Jungkook viu no à vontade repentino que não era assim tão péssimo deixar aquilo sair. – É disso que quero que se lembre. Foi um casamento que, bom... Não foi dos melhores.
Jungkook não estava convencido, não estava nada convencido. Sem querer pressionar, acabou assentido como se estivesse.
– Foi duro, mas eu estou bem. – confessou de uma vez. – Só quando me divorciei é que pude... Seguir os meus sonhos. Por isso, estou feliz, Jun, mesmo feliz. Foi difícil, mas valeu a pena.
O mais novo pode reconhecer ali um traço seu deixado na personalidade do loiro. Positividade. Qualquer coisa tinha acontecido, mas isso o tinha levado até ali. Mas valeu a pena.
Eles saíram do carro descontraídos, como se uma música meia lenta meia alegre pudesse tocar agora, foram para a porta do lado um do outro, como se fossem desconhecidos se conhecendo, tímidos e acanhados como se não houvesse um passado para trás.
– A minha pequena deve estar dormindo... – Jungkook sussurrou, sorrindo enquanto destrancava a porta e depois fazia um gesto que pedia por silêncio.
Jimin seguiu o mais novo em passos de bailarina, as mãos enfiadas nos bolsos traseiros da calça.
A televisão da sala estava acesa, iluminando o lugar de forma quase nula e fazendo-os perceber a mulher enroscada nos cobertores do sofá, completamente adormecida, o braço pendendo para fora. Jungkook foi até ela, segurando-lhe a mão e levando-a para longe da sua vista, por baixo dos cobertores. Depois, alcançou o comando e desligou a TV, deixando o cómodo sem luz.
Às cegas voltou para o pé de Jimin, segurando-o pelo pulso e caminhando com calma até o corredor. Felizmente conhecia bem a casa. Lembrava-se das noites em que Yang era um pequeno rebento (mais pequeno ainda) e de quando a queria habituar a dormir no quarto que tinha para ela. Todas as noites ela acordava no berço a chorar, fosse fome ou a fralda suja, e Jungkook lá ia às escuras, porque a luz despertaria a bebé, trombando nas paredes e nos móveis e retomando com ela nos braços para a sua cama e adormecendo com a mesma no colo. Parecia uma eternidade atrás e dizia essas palavras sabendo que se iria arrepender delas.
– Seu girassol ainda vive? – Jimin se pôs na ponta dos pés, apertando os ombros do maior por trás, sendo guiado até o quarto do mesmo.
Jungkook sorriu de canto, abrindo a porta do quarto antes de girar o corpo e ficar de frente para o menor, acenando com o queixo e descendo as mãos para a cintura alheia, a puxando para si. Antes que percebessem, de forma natural e espontânea, estavam selando os seus lábios, estavam se beijando, na porta do quarto.
O moreno arregalou o olhar, deixando o outro de forma lenta e assustada. Queria pedir desculpa, por algum motivo queria fazer isso, achava que devia, porque embora ele e Jimin tivessem se beijado mais cedo, ele estava fazendo aquilo de novo sem certeza alguma que era o que o outro queria também.
– Hyung... – ele soltou a cintura com lentidão, coçando os cabelos da nuca depois, recuando um passo para dentro do quarto. – Me desculpe, eu não quis...
Jimin o bateu nas costelas, soltando ar pelas narinas e fingindo uma risada incrédula.
– Meu deus, como você consegue?
Jungkook o seguiu para dentro, fechando a porta com calma e acendendo a luz do cómodo
– O quê? – de forma rápida e sem querer mostrar o seu olhar constrangido, Jungkook foi para o armário, puxando roupas aleatórias para vestir e emprestar.
– Você fica me lembrando do tempo em que éramos dois idiotas nos beijando pelos cantos. – resmungou o mais velho, o corpo caindo de forma dramática contra o colchão largo, os braços abertos para o lado. – É possível que você não tenha mudado nada?
As bochechas do mais novo encheram, virado de costas, a cabeça enfiada dentro do armário e nas mãos duas blusas. Tinha de se virar. Tinha de se virar e ver e ouvir Park Jimin falar sobre eles, sobre eles de antes. Se doía? Nem tanto. Mas... se era difícil?
Sem saber de onde viera a coragem, Jungkook se virou e acabou deixando escapar pela boca as palavras que tinha na mente:
– Não ficávamos só nos beijando, pois não, hyung?
Jimin subiu os ombros, apoiando-se nos cotovelos. Entre um sorriso negou com a cabeça, mas não disse mais nada.
– Quer vestir alguma coisa? – lhe mostrou o que tinha em mãos e o loiro voltou a se sentar, acenando que sim.
Enquanto Jungkook trocava de roupa sentado na cama, perto da mesa de cabeceira, e Jimin no fundo da cama, em pé, o moreno se perguntou como seria a manhã do dia seguinte, o que pensaria Yang se acordasse antes deles e os visse dormindo na mesma cama, e mesmo que não visse, o que pensaria ela ao ver Jimin ali pela manhã, em roupas de dormir. Esperava, do fundo do coração, que sua mãe acordasse antes deles e fosse embora sem dizer nada, como costumava fazer.
Quando terminou de puxar uma t-shirt pelo tronco, se virou para o loiro, que tinha os braços abertos para o lado, testando o comprimento da blusa que estava vestindo. Jungkook gargalhou, de forma genuína, e depois foi apanhado por memórias antigas de Jimin vestindo aquele tipo de roupa sua para dormir, só que das outras vezes, normalmente, não haviam calças de moletom por baixo.
– A minha mãe está no sofá, mas se quiser eu posso...
– Dormir comigo? – Jimin o interrompeu, afastando os lençóis para trás e sentando-se ao lado dele, as pernas cruzadas. – Como amigos que somos? Era isso que ia dizer?
Apanhado no ridículo, Jungkook deixou as pernas em cima da cama e se mexeu para passar os lençóis por baixo do corpo até a sua frente, se encostando para trás sem se cobrir ainda.
Não quero ser seu amigo, hyung.
– Posso te perguntar uma coisa? – o arquitecto questionou, se virando levemente para o moreno, que acenou uma vez. – Como conheceu a mãe de Yang? Quer dizer, vocês planearam e depois não resultou ou... Não sei... Você pode me contar?
Jungkook voltou a concordar, porque não tinha vergonha daquilo. Segurou o cordão das calças entre os dedos, o olhar caído. Nunca contaria todos os detalhes a Park Jimin.
– Eu conheci Baejin no emprego... Ela estava querendo abrir uma empresa com duas amigas e bom... Elas precisavam de publicidade. – Jungkook dizia, o tom monótono. – Quando terminámos isso, saímos para comemorar. Namjoon foi junto e bom... Nós nos envolvemos nessa noite e continuamos fazendo isso por algumas semanas.
– Oh. – Jimin soltou, sem querer ser um ouvinte mudo e Jungkook sorriu, como se agradecesse por aquela reação.
– Namoramos por uns três meses, na verdade. Mas não resultamos muito bem juntos, não sei explicar. – sacudiu os ombros, como se não fosse nada. – Depois ela descobriu que bom... Yang. E nós concordamos com isso, não precisamos de tribunais nem nada disso. Ainda somos amigos, no fim.
Aquela história parecia muito simples, se nas entrelinhas não tivesse tanta coisa escondida. Jungkook não queria lhe dizer como discutira com Kim Namjoon nessa noite, de como o mesmo lhe dizia que Baejin era um bom partido e de como Jungkook ficava lhe dizendo que não estava procurando por nada que fosse parecido a uma relação. Bom, as discussões entre eles nunca foram muito altas, mas naquela noite, meio alterado, Namjoon acabou dizendo ao amigo o que todos pareciam pensar sobre ele: Jungkook precisava de superar Park Jimin.
Depois de tudo, Jungkook não culpava ninguém pelos seus atos e não estava arrependido de nada.
– Quando nós fomos conhecer a filha da sua prima e você babou completamente nela eu olhei para você e pensei "Ele vai ser um ótimo pai". – Jimin disse aquilo com orgulho, sorrindo largo. – Pelos vistos eu tinha razão.
Jimin também omitia coisas. O que pensara ao olhar Jungkook nesse dia não fora que ele seria um ótimo pai, mas sim que ele seria um ótimo pai para os filhos que fossem ter um dia.
– Ela é linda, Jun.
Aquela foi a última coisa que Jimin disse antes de os dois decidirem se deitar e dormir. No entanto, decidir ir dormir nunca exigiu o ato de realmente fechar os olhos e adormecer. Jungkook estava deitado para o centro da cama e na frente dos seus olhos tinha as costas de Park Jimin, cobertas por uma das suas blusas.
Queria poder revirar o corpo pela cama, frustrar-se consigo mesmo.
Porquê. que. tinha. beijado. Park. Jimin. daquela. forma.
Será que Jimin tinha achado estranho? Será que ele não tinha gostado? Será que era ir rápido demais? Será que agora que Jimin sabia que Jungkook tinha uma filha as coisas tinham mudado? Será que... deviam ficar juntos? Será que Jimin queria ficar com ele? Numa coisa... para a vida?
O olhar de Jungkook foi pesando com o longo passar dos minutos até que finalmente cedesse ao sono. Não podia deixar de questionar-se sobre todas aquelas coisas e quase podia jurar que tinha sonhado com elas.
Apesar de tudo, Jungkook foi desperto a meio da madrugada. Sentia movimento na cama e antes de abrir os olhos pôde perceber que Jimin estava sussurrando.
Pôde pensar em tudo: Jimin estava sonhando; Jimin falava durante a noite; Jimin era sonâmbulo; Jimin estava indo embora. Tudo menos o que se sucedeu:
– Papai está dormindo? – Yang sussurrou, se mexendo entre os dois, gatinhando pela cama.
Jimin ergueu os cobertores, acenando com a cabeça através do escuro.
– Quer dormir com a gente?
Jungkook se mexeu naquela altura, abrindo os olhos e vendo um Jimin lutando contra o sono, acordado de repente e depois viu a mais pequena sentada no meio deles, os olhinhos assustados e curiosos ao mesmo tempo.
– Teve um pesadelo? – Jungkook perguntou em um resmungo, coçando os olhos com lentidão e levantando os cobertores para a mais pequena caber ali, que mal pôde se agarrou ao pai com os braços e as pernas.
Yang ignorou a pergunta do mais velho, aproximando as mãos do ouvido do mesmo, rodeando-o em um pequeno túnel e depois sussurrando na sua orelha:
– O seu amigo Jimin está aqui!
Jungkook segurou-se para não rir, mas sem esperar Jimin não pode fazer o mesmo e tentar se conter, soltando uma risada, não alta, mas audível.
– Precisámos de dormir, Yang... – o pai afastou-lhe os cabelos do rosto, cobrindo-a melhor.
Parecendo esquecer o assunto, a menor rodeou-lhe o tronco com as pernas e abraçou-o pelos ombros, deitando a cabeça no seu peitoral. Jungkook sorriu torto ao mais velho, pensando em como teria de pedir a Yang Mi para guardar mais um dos seus segredos, mas sem se preocupar, pois sabia que estavam em boas mãos.
Quando se deu luz na cidade, já Jungkook esfregava os olhos, ansioso com a possibilidade de a sua mãe o ver ali com Park Jimin do lado. Ergueu o tronco aflito quando percebeu não ter a filha agarrada em si, o que significava que Yang estava algures pela casa e se não tinha acordado o pai então tinha acordado a avó e tudo estava perdido.
Chegou a levantar-se da cama, apressado, quando a luz que entrava pela janela mal fechada o fez perceber que Yang ainda dormia na cama, só não estava agarrada em si, mas sim em Park Jimin.
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