2.1 onde há uma inauguração pt.2

Jungkook sentia que na sua vida havia poucas surpresas nas cicatrizes marcadas na pele, escondidas do olhar humano a todo o custo. A maior surpresa fora, de longe, descobrir que iria ser pai em menos de nove meses. Essa informação fora a mais avassaladora para si e, claro, a que menos esperava. Depois disso as surpresas de Jungkook baseavam-se em festas pequenas na casa dos amigos quando ele adicionava mais um ano à pele e nada que passasse muito disso. 

Naquela noite, sob um teto bonito e entre paredes esplêndidas e desenhadas por Park Jimin, Jungkook se viu extremamente surpreso, como se outro filho viesse a caminho, quando o autor das paredes lhe segurou pela mão, entrelaçando os seus dedos, como se não estivessem entre os amigos e os puxou levemente para fora do círculo. 

– Eu e Jungkook já voltamos. –  disse ele, sem pretexto, e o Jeon, que de nada sabia, não soube reagir, seguindo os passos apressados do menor pelo centro do salão, ouvindo os amigos assobiando para si e o loiro. 

– Hyung, onde vamos? –  perguntou ele.

Não era que fosse uma surpresa extrema Jimin puxá-lo para algum lugar onde só estariam os dois, porque desde que se conheciam que ele vivia fazendo isso, mas claro que na altura faziam esse tipo de coisa porque eram adolescentes e se queriam beijar sem serem observados, então Jungkook realmente estava surpreso por estarem fazendo aquilo, ali, passados dez anos, onde já nem um casal eram.  

Jimin sorriu-lhe de canto, sem querer responder, levando-o pelos corredores largos, os dedos ainda entrelaçados e Jungkook em êxtase. Não sabia que, quando saíra naquela noite do aconchego da sua casa, estava caminhando para um armadilha que mal tinha suspeita.

–  Quero fazer uma coisa ruim. –  Park Jimin sussurrou, parando na frente de duas portas largas que unidas faziam uma única entrada. 

Jungkook sabia que aquele edifício seria o prédio principal de uma cadeia de bancos e por isso ele pôde facilmente deduzir que aquele era um escritório de alguém importante. Do lado de dentro as suspeitas foram confirmadas. A parede da frente era a beira do edifício e era totalmente feita de vidro, mas os estores estavam corridos de forma a que não houvesse muita luz. Logo ali tinha uma mesa comprida, pronta para ser preenchida por um monte de papéis, um computador e mais papéis. 

–  O que estamos fazendo aqui? –  Jungkook parou do lado do loiro, que fechou a porta com calma e em silêncio e depois encarou as suas mãos ainda unidas e inseparáveis. 

–  Você nunca sentiu como se estivesse fazendo as coisas de forma tão certa que parece surreal? – Jimin o questionou, de frente para ele, segurando agora as duas mãos. 

Jungkook nunca estivera naquele tipo de situação, porque sentia que a única coisa certa na sua vida tinha vindo de um ato não planeado e com um resultado feliz. Depois, também sentia como se tivesse deixado escapar o certo por entre os dedos. 

–  Me desculpe, hyung, mas não. 

Jimin encolheu os lábios, como se lamentasse por aquilo, mas depois foi rápido a continuar. 

–  É como se estivéssemos fazendo as coisas tão certas que para nos sentirmos nós mesmos precisamos de fazer algo errado. – ele tentava, se afastando de Jungkook de rompante e aproximando-se da estante que cobria a parede da esquerda. –  Passamos a vida a fazer as coisas que os outros esperam de nós e chamámo-las de nossas, mas são, Jun? São realmente nossas? 

Jungkook o viu remexer as prateleiras, mas não disse nada. Tinha outra porta dentro daquela sala e Jimin entrou nela, mesmo com a pouca luz, e saiu de lá com algo entre os dedos, parecendo feliz por finalmente ter encontrado algo que servisse para o serviço e mostrando-a a Jungkook. 

–  O que você quer fazer? 

Quando Jungkook viu Jimin com um canivete na mão, ele soube que podia confiar naquele homem de olhos fechados, porque ao invés de ficar assustado e sentir medo, ele quis rir e esperar pelo que vinha dali. Era uma confiança completamente cega e no fundo ele gostava disso, se calhar era disso que mais gostava entre eles, depois de tudo. 

– Quero estragar esse lugar de forma muito... subtil? – ele puxou Jungkook mais uma vez, pelo pulso, o levando mais para o centro e largando-o lá. – Onde você acha que seria imperceptível? 

Jungkook entendeu de forma tão rápida o que ele queria que até se perguntou se não dividiam um neurónio qualquer sem saberem. Ele olhou em volta, procurando por um lugar daqueles, que desse para o que outro queria e depois parou em frente da estante de madeira, pousando as mãos na cintura e bufando em antecedência. 

–  Essa estante deve ser pesada, não? –  ele se aproximou, aproximando-se da lateral que estava perto da parede de vidro. –  Provavelmente nunca ninguém a vai arrastar. 

Com aquele neurónio em comum, Jungkook e Jimin sorriram um para o outro de forma marota, com um plano em mente. O moreno foi o primeiro a segurar nas mãos as beiras do móvel, forçando o corpo contra ele para o empurrar e Jimin juntou-se a ele, sabendo que seria precisa a força dos dois. Arrastaram o móvel até que estivesse afastado da parede e na diagonal e depois Jimin sorriu, ainda com o canivete na mão. 

–  O que posso escrever? –  questionou, tanto para si como para o mais novo. 

Fosse o que fosse, iria ficar gravado ali para sempre, ou pelo menos até que alguém decidisse mover aquela grande estante e visse gravado ali, no chão amadeirado, o que quer que fosse que Jimin escreveria. Era uma coisa importante, se levássemos em conta que poderia ficar ali por anos e anos a fio, como uma gravação sua em um edifício que ele mesmo desenhara. Era importante para ele, que sentiria finalmente como se aquilo fosse seu, como Jungkook o fizera sentir longos minutos antes. 

–  Uma coisa muito importante, hyung. –  Jungkook sussurrou-lhe, como um segredo entre os dois fechado a sete chaves, ou pelo menos a quatro paredes e uma delas de vidro. 

–  Ok, se vire. 

Jungkook deixou o queixo cair, incrédulo, afinal Jimin tinha-o trazido ali para que no fim não visse nada? Iria deixá-lo curioso daquela forma? 

– Hyung! –  ele barafustou, esperando que aquilo chegasse. 

Jimin apoiou as mãos nos ombros dele e o fez girar no chão, apoiado em seus calcanhares, até que o moreno estivesse de costas para si, coladas nas suas, enquanto pensava se aquela não seria uma das maiores loucuras da sua vida e contente porque, se fosse, estaria a fazendo com Jungkook do lado. 

–  Não espreite! –  mandou, o som do canivete arranhando o chão pelos seus ouvidos como se fossem uma melodia boa e que trazia sensações boas. 

Jungkook ficou ali, espreitando pela parede envidraçada e, mesmo parecendo estar na beira de um precipício, ele se sentia seguro, ali, onde nem os pés bem assentes no chão tinha. Perguntou: 

–  Porque me trouxe, hyung? 

Não ouviu nada da parte de Jimin por algum tempo, mas não ousou se virar e quebrar a confiança entre eles. 

– Porque qualquer um dos nossos amigos me diria que é uma loucura eu querer estragar algo que eu fiz de forma tão... perfeita. – ele respondeu por fim, a voz saindo baixo e segredada. – Menos você, Jun. 

Jungkook podia aceitar aquilo de forma simples, porque afinal sabia que se Jimin realmente trouxesse ali algum dos outros os planos eram previsíveis. Namjoon lhe diria que aquilo não fazia muito sentido e Seokjin jogaria nas suas costas o quanto aquilo era irresponsável da parte dele. Jung Hoseok provavelmente ficaria do lado do amigo, mas não entenderia e assim como Kim Taehyung julgaria aquilo em silêncio. Min Yoongi não estava ali, por isso ele não entrava nesse plano. Mas Jungkook? Jungkook estava ali o ajudando a cometer o crime da noite, dando-lhe sorrisos e ideias como se nada importasse para além de ver em Jimin o sorriso mais bonito do mundo. 

Ao fim de algum tempo, enquanto Jimin riscava as últimas letras, ele perguntou de forma provocadora: 

–  Como está esse seu lado que quer espreitar, Jungkook? –  começou ele, encostando as suas costas nas do maior. – Saber que estou riscando algo em um lugar o qual você nunca mais poderá pisar para ver? 

–  Hyung... –  ele choramingou, baixando a cabeça entre os ombros. 

Jungkook deixou de ouvir o arranhar do piso para ouvir o som do canivete ser pousado no chão. Sentia Jimin se mexendo, mas não ouvia nada. Jimin já não estava escrevendo nada, então o que estava ele fazendo? 

– Quero te contar uma coisa. –  o loiro disse então, os joelhos indo de encontro ao chão para girar o corpo. 

Jungkook sentiu os braços do mais velho correndo pelos seus ombros, os esticando ali e depois o corpo dele cobrindo o seu, as suas costas e se acomodando ali, o abraçando daquela forma até deitar a cabeça no seu ombro, fechando os seus olhos porque não queria olhar para baixo e perceber a altura a que estavam. 

–  O que foi? –  a mão tímida correu o braço do menor, afegando-o e aguentando o peso dos dois nos calcanhares. 

– Estou evitando alguém nessa festa. –  disse ele, sem medo algum e a curiosidade aguçada crescendo no peito do maior, muito mais do que querer sabia o que dizia no maldito chão. –  Não quero mais sair daqui. 

– Sou eu? –  ele brincou, sem querer ser intrometido. 

Arrancou uma risada de Jimin de forma fácil e de forma manhosa, o loiro roçou a ponta do nariz abaixo da orelha do Jeon, um sorriso nos lábios e a cabeça negando subtilmente (Jungkook só sabia disso porque sentia o nariz do outro se roçar de um lado para o outro). 

– É alguém que devia ter sido você. – disse por fim e mesmo não sabendo, Jungkook sorriu, segurando a mão pendurada do mais velho na sua. 

– Posso ver agora, hyung? – ele se virou levemente até os seus rostos se encontrarem de frente um para o outro, os olhares presos e os lábios sedentos. 

– Não. –  ele persistiu, sorrindo bobo e afastando os cabelos do mais novo para trás das orelhas. – Me ajuda a arrastar de novo? 

Nenhum deles se mexeu, embora Jungkook tivesse concordado com aquilo, claro que o ajudaria, claro que faria o que quer que fosse que Jimin lhe pedisse naquela noite e talvez não só. 

Bastou aquilo, um segundo de olhares trocados para ficarem presos por horas. Bastou aquilo para que crescesse nos dois a vontade de voltarem a ser o que sempre deviam ter sido. 

Jungkook estava subindo os dedos para a face de Jimin, para segurar-lhe o maxilar e beijá-lo quando Jimin lhe disse: 

–  Esse não é um daqueles momentos perfeitos para beijar quem gostamos? 

Jungkook ainda tentou acenar, mas foi parado por si mesmo assim que alcançou a face do outro e o puxou para si, juntando os seus lábios como quis, talvez, pela noite toda ou, de certeza, desde a última vez que o tinha feito. O corpo de Jimin caiu no chão, sem o apoio do do maior para o segurar, mas isso não fez com que se separassem, porque Jimin levou o mais novo consigo. Estavam no chão quando se beijaram mais, se segurando um ao outro, o mais novo com os joelhos pousados no piso e sentado sobre as próprias pernas. 

Depois daquilo, contra a vontade, Jungkook arrastou a estante para o seu lugar, sem ter a mínima chance de ver o que Jimin rabiscara no chão. A seguir, eles esgueiraram-se para fora da sala sem que ninguém os visse, como dois adolescentes inconsequentes, correndo dali para fora em passos rápidos, depois do maior crime da história ter sido cometido por eles. 

No corredor, a forma como a mão de Jimin acolheu a do moreno foi o que fez as palavras de Chin-Sun ecoarem na cabeça do filho, pedindo-lhe que não deixasse Jimin fugir e ele realmente não podia fazer isso. Não podia, pois não?

Eles pareciam ter o mesmo rumo, que era voltar para junto dos seus amigos e quando lhes perguntassem o que tinham feito manteriam o segredo para eles e mais ninguém. No entanto, na frente dos dois cruzou-se um dos convidados de Park Jimin que fez o mesmo apertar os dedos do Jeon nos seus. 

Jungkook desconfiou ali que aquela era a exata pessoa que Jimin queria evitar e agora estava ali, na frente dos dois, barrando a sua passagem. 

– Jimin! –  o homem engravatado trazia na mão uma taça de champanhe, mas isso não o impediu de usar o outro braço para rodear os ombros do loiro, que mal se mexeu. – Isto está espetacular, eu não sabia que você era capaz disto! 

Jimin não tinha soltado Jungkook por nada naquele mundo e estava tão tenso que chegava a doer no moreno o seu desconforto. 

–  Obrigado, Jongin. –  ele sorriu de forma forçada e tentou dar um passo em frente, puxando pelo mais novo, mas o olhar do agora conhecido como Jongin acabou por o travar, descendo para as mãos dos dois juntas e erguendo uma sobrancelha em surpresa. 

– Não está surpreso por me ver em Busan? –  perguntou ele, a mão subindo para o braço do loiro e apertando-o levemente, querendo que ele ficasse ali mais tempo. – Eu não podia perder a oportunidade de ter ver. Você disse que passava depois para buscar o resto das suas coisas, mas você é um homem que faz as coisas com calma, não é?

Jimin voltou a apertar a mão de Jungkook, que apertou a sua de volta, engolindo em seco e sentindo-se deslocado no que parecia ser uma conversa feita entre linhas e tão privada por isso.

–  Não são coisas importantes, você pode jogá-las fora. 

Jongin estreitou o olhar com aquela resposta, pois aquela não era a que esperava. Jimin estava cansado de dar àquele homem respostas que ele queria ouvir e obtinha de forma tão fácil. 

– Oh, você é... Jeon Jungkook, não é? 

 Jungkook subiu o olhar, sem saber o que dizer agora que tinha quase toda a certeza de que aquele homem bem ali na sua frente era o ex-marido de Park Jimin. 

– Sim. –  respondeu com a segurança que não tinha. –  Nós nos conhecemos? 

Jongin se virou para Jimin mais uma vez, ignorando aquilo. 

– Você é capaz de ter deixado um par de fotografias dele lá por casa. –  declarou ele, como se fosse simpático da sua parte avisar. – Certeza que eu posso jogar tudo no lixo? 

Jimin revirou o olhar, sabendo que aquilo era mentira, que era impossível ter deixado o que quer que fosse relacionado a Jungkook, ou mesmo até qualquer pessoa importante para ele, na antiga casa, em Seul. Tinha se certificado de trazer as coisas mais importantes porque não queria voltar lá, nunca mais, não queria mesmo. No entanto, a remota hipótese fê-lo tremelicar. 

Sem querer soar antipático ou rude, porque não queria estragar aquela noite, a sua noite, ele voltou a dizer:

– Como eu disse, Jongin, não deixei mesmo nada de importante e não tenciono ir até Seul, então realmente pode jogar fora. 

– Então é assim? –  perguntou ele entre dentes, parecendo zangado. – Achei que por essa altura a sua birra já teria terminado, Jimin. – como se não fosse nada, ele ajeitou o smoking, mexendo no botão apertado no centro do abdómen. 

– Jongin, quando vamos começar a agir como adultos? – o loiro retrucou de volta, soltando a mão de Jungkook e pousando-a no fundo das costas dele, pronto para ir embora. – Você veio aqui desperdiçar o seu tempo, agora... com licença. 

Jimin pressionou a mão na coluna do moreno, tentando guiá-los para longe daquele homem, o qual não guardava sentimentos bons, mas assim que quis passar do lado do mesmo, insistente, o engravatado voltou a ficar na sua frente, dessa vez segurando o antebraço do menor e envolvendo-o com mais força do que necessário. 

– Vamos conversar. 

– Me largue. – Jimin mandou rápido, o tom sério e o olhar em volta deles, sem querer causar um escândalo. 

– Me deixe te levar em casa, vamos conversar. 

– Me largue agora. 

Jungkook deu um passo em frente, a mão quase atingindo o peito do homem que não conhecia mas que continuava a segurar o braço de Jimin, quando ouviu os saltos altos de Mun-Hee, que seguia o marido até eles. 

– Não se chateie, Jungkook. – disse Han-Kun, pousando a mão no ombro do ex-genro e ficando do lado dele, cobrindo com o corpo a visão do resto dos convidados perante aquela cena. – Largue Jimin agora. – ordenou, mas Jongin já tinha largado o mais novo, se virando para os ex-sogros como se nada estivesse acontecendo ali, mesmo na frente deles. 

– Senhor Park! – bradou ele, todo feliz, e Mun-Hee acabara de chegar ali, abraçando o braço do filho, sem perguntar nada, esfregando-o com calma e carinho. 

Jungkook deixou de ouvir o que quer que fosse que o pai de Jimin dizia quando sentiu o próprio Jimin segurar a bainha do seu casaco, o puxando para perto e subindo o rosto para a sua bochecha, passando a sussurrar: 

– Podemos ir embora? 

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