1.3 onde há um girassol

Dizer que estar ansioso recorrentemente não é dispor de uma crise dessas é errado? Estamos a fugir ou é a verdade? Realmente acontece regularmente ou tivemos o azar de uma porrada de acontecimentos que nos deixam ansiosos acontecerem todos seguidos? 

Jungkook não pensava muito quando ficava ansioso com alguma coisa. Normalmente queria as coisas perfeitas, fosse o que vestisse, os seus cabelos ou se, como naquele caso, fosse receber alguém em sua casa, queria as coisas arrumadas, nem que fosse minimamente. 

Estranhara quando, na quinta feira daquela semana, Kim Taehyung ligara, dizendo que deveriam tomar uma cerveja. Foi quando Jungkook sugeriu a sua casa que percebeu, no preciso momento, que era estranho o amigo estar por perto e, embora que o animasse, ele estranhou até mesmo o facto de se querer encontrar consigo. 

Na manhã de sábado, quando Taehyung disse que apareceria, Jungkook acordou cedo. Queria limpar a casa, porque não a limpava fazia alguns dias e quando se vive sozinho é como se as coisas tendessem a ganhar mais pó. 

Jungkook estava na cozinha quando batidas na porta chamaram a sua atenção. Na altura estava perto do lava-loiça, onde tinha uma janela acima do mesmo, e pousado no parapeito tinha um vaso pequeno. Não é como se Jungkook tivesse esperança, mas a verdade é que desde a última vez que vira Park Jimin, na casa de Jung Hoseok, Jungkook comprara um pequeno girassol no dia seguinte. Fosse como fosse, já lá iam três semanas e o mesmo ainda parecia saudável, afinal Jungkook assegurava a água necessária, com o regador pequeno e cor-de-rosa que comprara também, e deixava-o ali, junto da janela, para que pudesse obter sol. Talvez agora que ele era adulto ele pudesse conseguir. 

Quando abriu a porta, o de cabelos ruivos puxou-o pela cintura, abraçando-o pelos ombros e batendo-lhe nas costas, animado. Jungkook sorriu comprido, sem nunca esquecer em si a forma como Kim Taehyung era um bom amigo e o quanto gostava dele. 

A distância não significava muita coisa para Jeon Jungkook. 

– Eu nem acredito, Guk, você numa casa! – estalou ele, entrando pela sala adentro, ouvindo a porta fechar atrás de si. 

– Pois é... – quase envergonhado, Jungkook balbuciou, alcançando os cabelos da nuca e coçando-os. 

Estava envergonhado pois costumava dizer aos amigos que não queria nenhuma moradia, o que gostava era de apartamentos em edifícios altos e modernos. Não é que a casa dele parecesse muito rústica, mas parecia mais acolhedora do que Kim Taehyung podia imaginar. 

– E essa cerveja? – tinha as mãos na cintura quando voltou a olhar o moreno, um sorriso maroto no rosto. 

Jungkook não costumava beber cerveja, não tanto como antigamente, e também não costumava tê-la por casa, mas no dia anterior comprara pois sabia que o amigo cobraria. 

Ainda não podia acreditar, apenas alguns meses tinham passado e ele já vira Kim Taehyung, Jung Hoseok e Park Jimin mais do que uma vez no ano. 

De qualquer das formas Jungkook ainda queria descobrir o que vinha por trás da visita inesperada. Não acreditava que o amigo tivesse más intenções, mas nada como aquilo tinha acontecido antes e para além de não acontecer era altamente improvável, até ali, até aquele dia. 

Taehyung estava do lado de Jungkook no balcão da cozinha e quando o mesmo pousou duas cervejas de garrafa no mesmo, o mais velho abriu uma gaveta aleatória, como se fosse da casa, encontrando um abre latas de primeira e tirando as caricas às duas. Embateu a sua cerveja na do amigo e bebeu, sorrindo quadrado. Jungkook gostava daquele sorriso, no fim. 

– Como você está? 

– É aborrecido por aqui. – Jungkook se desviou facilmente, encostando-se no balcão, ao lado do amigo que já fazia o mesmo. – Como está você? Nada de viagens? 

O Kim riu baixinho, quase como se aquilo fosse uma coisa incrédula para ele. 

– Estou cansado. – admitiu ele, em uma confissão secreta. – Finalmente posso dizer isso a alguém. 

Talvez Kim Taehyung quisesse conversar, desabafar, e achasse que Jungkook era uma pessoa que servia para isso. Jungkook não via uso nisso, porque gostava sempre de estar lá para os seus amigos. Gostava de ouvir, estar lá e ficar. Saber ficar. 

– Em algum momento da vida precisámos de estar cansados, ou não podemos recarregar energias para bom... voltar a viver. 

O ruivo o olhou de lado, engolindo as palavras do mais novo, as estudando e as tomando para si. No fim, negou levemente com a cabeça, sem acreditar e bebendo mais. 

– Que paciência é essa? Eu não tenho disso. – respondeu ele, com a mente já noutros assuntos. – Eu não consigo ficar muito tempo quieto, você sabe, isso não dá para mim. 

Jungkook percebeu então que naquele momento da vida, Taehyung queria algo pelo qual tinha de esperar e ele simplesmente não era de esperar. Kim Taehyung sempre queria tudo na ponta dos dedos e normalmente ele conseguia. Nada de ansiedade para ele, não havia tempo para isso. 

– O que é, hyung? – perguntou de uma vez, deixando a sua cerveja de lado e encostando a lateral do corpo no balcão, o olhando de frente. – O que é que você quer e não consegue? 

Taehyung não esboçou nada, não podia, não estava pronto. Passou por Jungkook, apoiou uma mão na beira do balcão e sorriu de leve, o sol batendo-lhe no rosto. O sol raramente ia embora em dias como aquele. 

– Um girassol, hum? 

Jungkook queria saber se ele perguntava porque se lembrava, ou se era porque qualquer coisa o faria fugir daquele assunto. 

– Foi... – começou ele, sem terminar. Taehyung ainda o olhou, mas nada veio enquanto tocava a flor com calma. 

Jungkook queria dizer que não fora ele que escolhera, queria inventar alguma coisa, mas não podia, podia? Taehyung não sabia sobre o seu segredo e ele não queria que soubesse. 

– Foi Jimin. – o ruivo decidiu concluir, girando o corpo na direção do amigo, embora o olhar ainda estivesse preso na beira da janela. – Foi Jimin quem to deu, dez anos atrás, verdade? 

– Bom, sim... 

Sim, fora. Taehyung sabia, se Kim Seokjin ou Kim Namjoon o vissem também saberiam, assim como Jung Hoseok, Min Yoongi e principalmente Park Jimin. Todos os amigos sabiam, porque fora a partir de um girassol que um amor crescera. 

Taehyung baixou o rosto, encarou os sapatos sociais nos pés. Jungkook tinha ténis pretos, ele não usava muitas vezes, porque precisava de ser mais adulto e formal durante a semana, mas quando se via sozinho no final de semana, fazendo coisas domésticas ou indo na rua, ele calçava os ténis que encontrasse pela frente. Taehyung encarou os dois pares, não via nele, mas estava perdido desde que chegara, isso viam os dois. 

– Você não quer perder isso, Jungkook. – o tom sério veio de forma tão medonha que até Jungkook se sentiu perdido ali, elevando o rosto e encarando o amigo. – Você não quer perder esse amor que te cola nele. É, honestamente, um desperdício. 

Antes de dizer o que queria dizer, Jungkook precisou de beber mais da cerveja, como uma força suprema que o levaria  a admitir. 

– Eu sei, hyung, você não precisa de me dizer. 

O mais velho pareceu surpreso, segurando na mão a garrafa gelada e no olhar a expectativa. Estava quase chateado quando foi em frente e retrucou para o amigo: 

– Então porque não vai em frente? Porque não está fazendo nada? 

Jungkook uniu as sobrancelhas, demasiado atento naquela conversa para deixar aquilo passar com o vento. O que sabia Kim Taehyung? 

– Como você sabe que não estou fazendo nada? – o tom veio quase divertido, nada acusador, porque Jungkook sabia agora que arrancaria algo dali, fosse o que fosse. 

Taehyung não se desfez da pose, ele não se sentiu apanhado em uma armadilha, não sentiu o aperto de Jungkook. 

– Eu não estou vendo Jimin aqui, estou? – uma sobrancelha subiu, sugestiva, sem mover o olhar nem por um milímetro. 

Foi como um sufoco instantâneo quando Taehyung deixou aquele nome escapulir-se entre os lábios, libertando-o daquela conversa segredada. 

– Essa conversa de amor não é sobre mim, é? – ele tentou responder rápido, como se não estivesse afetado. – Está apaixonado, hyung? 

Taehyung gargalhou, mas o que o entregou foi o desviar de olhar imediato. Ele pegou a cerveja, deu alguns passos pela cozinha até a deixar. Jungkook o viu dali ir até o sofá, sentar-se no mesmo, as pernas abertas e um suspiro escapando dos seus lábios. Foi atrás dele, mas não levou qualquer garrafa. 

Jungkook sentia-se pequeno perto de seus hyungs, era, afinal, o mais novo, e embora fosse maior do que alguns, ainda se sentia como um pequeno bebê que ainda tinha tanto que aprender do lado deles. Talvez a saudade viesse daí, talvez, no fundo, soubesse que sem os aprendizados dos mais velhos, era alguém parado na vida, esperando pelo próximo ano, pelo próximo encontro. 

Sentou-se na outra ponta do sofá, uma perna por debaixo da outra, o pé na borda do sofá e o corpo levemente virado para o mais velho. Queria mais, não tinha limpo a casa para aquilo. 

– Jungkook, eu raramente te vi cometer erros e eu, bom... – o ruivo suspirou, o peito cheio por um instante, incapaz de olhar o que quer que fosse. Mexeu nos cabelos, talvez aquele fosse um tipo de ansiedade que desconhecia. – Não quero te ver cometer nenhum. Não quero te ver seguindo os passos errados que eu, Yoongi, Hoseok e até mesmo Jimin seguimos. 

Era engraçado como não mencionara Kim Namjoon ou Kim Seokjin. Antes de tudo, Jungkook quase quis sorrir por isso, mas não o fez. 

– Não entendo. – ele se negou a tudo. – Yoongi-hyung está fazendo o que gosta. Hobi-hyung tem uma filha linda e você... Hyung, você tem mais países em seu passaporte do que eu tenho dinheiro na minha carteira. 

Era engraçado como não mencionara Park Jimin.  

– E isso é tudo? – um riso de escárnio finalmente veio. – Para quê que quero um passaporte agora? 

– Pelas memórias! – o moreno se apressou, birrento. Ele era assim e Taehyung sabia, levava isso tão em conta. – Você viu coisas que, provavelmente, nenhum de nós vai ver nessa vida, hyung. Você fez isso, com os seus olhos.  

Taehyung tinha o amigo certo. 

– Eu quero mais. – ele concluiu, mas recusava-se a dizer o que era e se seguia assim então era porque utilizasse os recursos que usasse Jungkook não poderia ajudar. – Você tem mais e está deixando escapar. 

A vergonha veio nele. Pôs os ténis em cima do sofá e nem percebeu, depois olhou as próprias mãos, que consumidas pelo sentimento já seguravam a borda da blusa escura e comprida. 

– Jimin-hyung... – começou ele, engolindo em seco e deixando o outro ouvir. – Eu e Jimin-hyung não resultamos juntos. 

– Eu vi. Eu vi de volta na faculdade, de volta naquele restaurante três meses atrás. – Taehyung dizia aquilo de forma irónica, o que levou Jungkook a encará-lo. Quase que teve dó antes de continuar. – Você é positivo sobre tudo, Jungkook. Como não pode ver algo positivo em vocês? 

Taehyung sabia porquê. Taehyung tinha de saber, de alguma forma, que embora Jimin fosse a luz ao fim do túnel, ele também era o que a cobria se fosse preciso. 

– Tem demasiada coisa entre nós, você não sabe. 

– Eu não sei? – Taehyung quase riu, depois se levantou, como se fosse embora. - Agora você está só inventando desculpas. 

Jungkook esfregou os dedos com mais força contra o tecido preto, o lábio inferior demasiado saído para baixo, a vontade de o morder e a ansiedade subindo. 

Estava a fugir ou era a verdade?

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