Uma amizade improvável
Tuolock conhecia o corpo e os movimentos como ninguém mais, e soube que aquela fraqueza de Olívia não podia ser fingida. Segurou o braço da humana antes que ela tocasse em sua cicatriz. O pulso da humana estava muito fraco. Por alguns segundos os dois se encararam pensando no que havia descoberto um sobre o outro. Olívia sentia uma compaixão enorme por aquele tangen que causava horror a todos. Imaginava a dor de perder um irmão querido que ele sentia há anos, sozinho e em silêncio. "Ficara forte e temido para poder vingar a morte do irmão?". Já o Mestre olhava para ela tentando compreender o que havia naquela menina tola e até ingênua, para conseguir alcançar um segredo guardado a sete chaves em poucos minutos. "Quem é ela e o que realmente quer demonstrando que sabe coisas secretas?".
Ele viu voltar seu zelo e força, para não deixá-la perder totalmente o domínio do corpo. Segurou-a pelo braço, quase como um apoio e a dirigiu para que sentasse no sofá. Esperou passar o mal estar, e quase esqueceu completamente a história que havia contado para só pensar na humana – ela com aquele dom não podia cair nas mãos erradas e, naquele momento, ela estava a seu lado, sendo solidária com ele, quase que implorando para ajudá-lo. Depois de alguns instantes, ele disse:
– Vou levá-la para Deserto Plano, minha menina!
Aquele "minha menina" fez Olívia estremecer e Renus sentiu o mesmo desespero que sentira quando o anjo a pegou no rio de Campos Belos.
– Não faça isto, Mestre! Eu estou cuidando dela...
Tuolock olhou para ele demonstrando que havia compreendido o que seu melhor aluno fazia junto àquela humana. Entendeu por que Tila também havia tomado partido por Olívia. Agora as coisas se encaixavam.
Tila querendo ajudar saiu da sala para buscar algo que reanimasse Olívia, que permanecia pálida e calada. Mal ela fechou a porta, Tuolock falou:
– Desde quando você percebeu que ela tinha um dom? – Mostrando que sabia que aquilo não era uma simples habilidade.
Renus então contou a ele a história completa do dom, das aparições e também a do anjo. Ele conhecia o Mestre e sabia que apesar de aparentar o pior, no fundo ele era confiável e tinha um bom discernimento sobre as coisas. Renus acreditava nele como a um pai e, no fundo, também queria mostrar a sua astúcia em ser o primeiro a perceber que aquela humana representava um problema para Tangen,
Tila preparou uma pequena mesa cheia de bolinhos e suco e sugeriu à Olívia que ela comesse. Ela sentou no chão e fartou-se de doces. Os três tangens não comentaram nada, mas ficaram contentes em ver como era fácil restituir a felicidade de um humano. O lanche foi aos poucos reestabelecendo a sua energia e calma.
Ninguém poderia prever que o encontro que começou como uma disputa de poder acabaria daquele jeito, com o Mestre olhando para a humana como se olha uma criança de 2 anos. Tuolock acabou confessando aos três que nunca havia contado a sua história de infância a ninguém. Era impossível Olívia ter ficado sabendo por outra pessoa que não ele. E agora apenas eles três sabiam e deveria permanecer assim. Olívia então perguntou:
– Por que o menino Tutu me pediu para ajudá-lo a achar o anjo que lhe feriu?
Tuolock achou graça em ouvir seu apelido a tanto tempo esquecido.
– Não sei. Talvez porque durante esta semana eu pensei muito em algo... Eu pensei que os anjos que destruíram a minha vila podiam fazer parte da quadrilha que vocês descobriram... A que traficava crianças.
– O que o senhor sabe deles? – Perguntou Tila.
– Durante anos eu venho tentando descobrir quem eram eles. Eu consegui pegar dois deles, mas o terceiro, justamente o que me feriu, ainda está por aí. Ele é muito bem protegido e esperto: não deixa pistas e compra o silêncio ou usa de chantagem com anjos e de tangens. Os outros dois eram estúpidos e foi fácil achá-los. Mas este último, eu nunca consegui ter muitas informações sobre ele. Ele consegue ler pensamentos e usar fogo. Dons que provavelmente ele roubou. Ele sempre atuou com serviços menores, até que resolveu liderar o seu próprio bando. Eles fizeram muitas coisas ruins.
– Como não ouvimos falar deste bando antes? – perguntou Tila, que procurava estar sempre informada sobre crimes, por motivo de sua função.
– Eles faziam serviços que aparentemente não eram considerados como uma organização. Certa vez, estive perto de pegá-los juntos, porém eles desapareceram. Então fiquei sabendo que há poucos anos atrás, um grupo de anjos no Mundo dos Anjos, desmantelou a quadrilha dele. Mas ele não foi pego. Não sou só eu que procuro por ele. E isto vocês não sabem, mas ele é procurado também por muitos ataques no Mundo dos Anjos.
"Como seriam os ataques e lutas entre os anjos?", ficou pensando Olívia, que tentava aproveitar a conversa para saber um pouco mais sobre estes seres tão misteriosos. O Mestre continuou:
– Quando eu fiquei sabendo que vocês haviam descoberto a fraude naquele programa de distribuição das crianças, pensei que talvez vocês pudessem ter mais informações. Mas Renus já me falou que vocês deixaram esta parte para a ATI. E sinceramente, eles são uns incompetentes...
– O que o senhor precisaria saber para pegá-lo, Mestre? – Perguntou Olívia. E vendo a reação dos três, completou: – Eu não entendo muito de anjos...
Tuolock riu pela primeira vez e disse:
– E você e Ravenkar acharam que ela era um anjo... Idiotas... – Disse ele, já voltando ao tom sarcástico com Renus. – Eu preciso saber em que tipo de negócio ele anda metido, para entender o que ele pretende. Assim fica fácil fazê-lo cair numa armadilha. Entende? Mas eu nem sei o nome dele... Como eu já dei fim aos outros dois anjos... – "e mais alguns", pensou o Mestre silenciosamente – ninguém do Mundo dos Anjos quer me dar mais informações.
– Eu vou descobrir isto para o senhor... – Disse Olívia cheia coragem.
– Não diga besteira, menina! – Retrucou Renus.
Tuolock voltou a olhar para Renus com o olhar bravo e, causando surpresa geral, defendeu Olívia:
– Parece que esses anos no Conselho te deixaram menos corajoso do que uma doce menina humana, Renus... Não sei se consigo voltar a te treinar...
– Não vou voltar! – Disse Renus.
Meia hora depois, quando Renus e Olívia saíram do prédio da Patrulha, o assunto era o mesmo:
– Não vou voltar a treinar com ele...
– Vai sim! – Insistia Olívia.
– Não vou!
– Vai...
Olívia virou para Renus, enquanto eles caminhavam, e disse:
– Se um dia eu tiver que voltar a minha vida humana de antes e se eles me deixarem ter a lembrança de apenas uma única coisa de Tangen, eu pedirei para me lembrar do senhor lutando.
Renus parou de caminhar para olhar para Olívia, não acreditando no que estava ouvindo. Ela achou melhor explicar:
– Eu vi coisas lindas em Campos Belos, tive momentos maravilhosos com meus alunos e muitas outras coisas que gostei daqui, mas nada se compara em vê-lo fazendo aqueles movimentos. É, sem dúvida, a coisa mais linda que eu já vi na vida... O senhor não pode perder a oportunidade de treinar com o Mestre...
Antes de terminar o que estava dizendo, Renus a pegou pelo braço e os dois se teleportaram para a varanda do sítio. O céu já estava quase todo escuro. O barulho de vozes lá dentro indicava que os alunos preparavam o jantar. Olívia tentou soltar-se do braço de Renus para abrir a porta, porém ele a puxou para junto de si, e envolvendo-a entre os braços, lhe deu um beijo.
Quando Olívia entrou na casa, todos vieram correndo ao seu encontro. Ela mal teve tempo de ver Renus desaparecendo pelo corredor rumo a seu quarto. Ela precisou ficar ali respondendo perguntas sobre o encontro com Tuolock e precisou disfarçar o abalo que ainda sentia pelo beijo. Ao contar sobre o encontro, ela cortou pela metade tudo o que havia acontecido com o Mestre do Movimento. Ela havia prometido não contar a história de infância do Mestre, por isto optou apenas por contar que havia visto a menina Tila novamente. A parte do bibelô voador foi a que mais agradou. Mas ela acabou confessando que depois deste mal entendido, a simpatia foi mútua entre ela e Tuolock.
– Então ele ficou sabendo que você tem este dom? – Perguntou Naitan.
– Ele descobriu sozinho... Mas prometeu segredo... – Disse Olívia tentando não preocupar os alunos.
Nenhum deles pensou que o problema era ele contar para alguém; o problema era ele mesmo saber.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top