Um Espião
Depois de alguns dias, o grupo já havia voltado ao normal. Porém Mirus chegou trazendo uma notícia não muito agradável.
– O Conselho está muito bravo com você, Olívia!
Olívia não teve muito tempo para pensar no que ela teria feito errado para provocar aquela reação, pois Mirus completou:
– Como você aceita um convite do Mestre Tuolock sem nos consultar?
Ela achou que ele estava falando do encontro com o Mestre na semana que havia passado. Turio, que já havia pego as mensagens e notícias de Tangen, interferiu:
– Acho que ele está falando disto aqui. – Disse ele mostrando uma notícia na tela de seu comunicador.
– Isto é mentira... Tuolock não me fez este convite... – Falou Olívia sem entender direito a trama de Sheda V.
Aurosa que separava as mensagens pessoais mostrou uma para o grupo:
– Tem uma mensagem do Mestre para você, Liv!
A mensagem era do dia anterior, enviada ao Conselho para que eles entregassem à Olívia e dizia:
Minha querida Olívia
Seria um prazer receber você e todo o seu grupo em minha escola. O convite é para Renus também – que ele venha iniciar os treinos. Pense em umas férias, em total segurança, para conhecer a escola dos movimentos. Uma semana em Deserto Plano.
Com afeto, do seu Mestre Tuolock.
O grupo começou um burburinho enquanto Olívia permaneceu quieta. Ela olhou para Renus que estava aparentemente irritado com a história que envolvia seu nome, mas preferiu não falar, pois até onde ele sabia, Olívia não havia lido notícias sobre sua embriaguez e nem havia percebido que a nota trazia a referência disto. De repente, Olívia levantou com raiva e disse:
– Quem no Conselho tem acesso as minhas mensagens? – E olhando para Mirus de um jeito que nenhum deles já havia visto, ela completou:
– Se Tuolock me mandou está mensagem ontem e hoje esta jornalistazinha já sabe o conteúdo... Antes de mim... É porque alguém anda lendo as minhas mensagens e passando para ela...
Mirus ficou assustado e apreensivo com a reação da humana, pois ele era o único responsável por receber e repassar as mensagens.
Renus defendeu Mirus:
– Somente Mirus recebe as mensagens. Mas, com certeza, ele não deixaria ninguém ler antes... A mensagem pode ter vazado antes de chegar nele.
Olívia pensou que poderia estar sendo injusta com o Conselheiro. Porém percebeu que ela e o grupo estavam sendo observados.
– Mas vocês percebem que nós estamos sendo espionados? – Disse ela para o grupo, com certa cautela, por causa da presença de Mirus. Se não fosse por ele, ela poderia falar abertamente sobre o perigo de alguém vir a saber sobre o dom e o anjo.
Naquele momento, ela achou que precisava tomar uma decisão de liderança. Além de um anjo lhe observando, agora havia espiões lendo suas mensagens. Porém Tuolock era esperto e poderia ensinar e oferecer aquilo que ela queria para lidar com missões. Embora de um jeito torto, a ideia de ir para Deserto Plano era uma boa ideia.
– Lália, por favor, escreva uma mensagem.
Ela tomou fôlego:
– Querido Mestre. Convite aceito. Amanhã nós estaremos em Deserto Plano. Da sua querida amiga, Olívia.
Cada um pensou bem antes de falar, principalmente por que viram que Olívia ficara muito irritada com toda aquela história. Somente ela sabia quais os motivos da decisão, mas com certeza, ter sido acusada por Mirus e pelo Conselho foi algo bastante injusto. Alguns pensaram que foi o fato de estar sendo espionada mesmo; outros o fato de Sheda V., a admiradora declarada de Renus, escrever novamente sobre ela.
Mirus foi embora logo em seguida bastante triste por Olívia ter pensado mal dele. E, fora Noro e Turio que queriam muito conhecer Deserto Plano, os outros acharam que Olívia havia agido no calor da hora e não pensado que aquilo poderia atrapalhar as pesquisas do Programa.
– Levem o trabalho para lá. – Disse ela. – Lá vocês poderão usar a tecnologia tangen e, tenho certeza, Tuolock irá cooperar com o que nós precisarmos.
E ela tinha razão sobre isto, pois a intenção de Tuolock era que ela nunca mais deixasse Deserto Plano, e já preparava um galpão todo equipado para o grupo.
Depois de muito tempo, Renus resolveu falar:
– Eu não irei!
– Nós iremos sem você então! – Respondeu Olívia sem pensar.
Renus ficou irritado e saiu porta a fora. Os outros se entreolharam e Aurosa perguntou:
– Se ele não for, quem irá nos levar?
– Vocês não são os gênios do universo? Pensem numa solução... – E saiu para a varanda da casa.
Ela ainda viu Renus descendo a pequena declive que havia entre a casa e o lago. Ele sentou na beira do lago e ela, no banco da varanda. Ela conseguia compreender que ele estava sofrendo pela dúvida de uma reconciliação com seu Mestre. Porém sabia que esta era uma decisão que ele devia tomar sozinho.
Passado algum tempo, a porta de frente se abriu e Noro falou:
– Há uma coisa que nós queremos contar a você...
Olívia ficou esperando algo horrível pelo comportamento e expressão de todos quando retornou a sala. Turio disse:
– Quando nós preenchemos nossas fichas de inscrição, nós ocultamos algo...
– Nós, não! Vocês! A minha ficha não continha mentiras. – Defendeu-se Aurosa.
– Está certo! Todos, menos Aurosa. – Disse Noro, corrigindo a fala de Turio.
Olívia já começava a ficar muito preocupada, quando Naitan completou:
– Nós sabemos nos teleportar!
– Não é algo grave, Liv! Nós só não podíamos contar na escola, pois é proibido... – Falou Lália.
A professora olhou um por um e parou em Aurosa:
– Então você é a única tangen em quem eu posso confiar?
Aurosa confirmou com um aceno não muito convincente. Olívia não queria perguntar o que ela sabia ou havia feito. Ela já havia tido surpresas demais naquela manhã. Mas ela teria ainda outra naquele dia.
Depois de todos os preparativos para a viagem, Naitan bateu na porta do quarto de Olívia, entrou, fechou a porta e pediu para conversar. Enquanto ela colocava algumas roupas na mala, ele sentou na cama e disse:
– Eu estou com medo de ir para Deserto Plano.
Aquela foi uma confissão inusitada para Olívia. Nenhum dos seus outros alunos, nestes meses de convívio havia abordado a questão do medo com ela. Ela parou para escutar.
– Eu não gosto de Tuolock. Eu não o conheço, mas pelo que contam...
– Eu também tive medo dele. Mas você não imagina o quanto estão errados... Ele é implicante e meio paranoico, mas depois que ele conhece você, ele é um bom tangen. – Falou Olívia, tentando tranquilizar Naitan.
– Não é assim tão fácil, Olívia! – Disse ele cauteloso nas palavras. – Eu não posso te contar algo do meu passado. Um dia, eu poderei... Mas eu tive uma fase de rebeldia... Algumas histórias que não acabaram bem... Eu consegui que isto não aparecesse nas minhas entrevistas e provas para entrar na escola preparatória. Mas Tuolock tem outras fontes. Se ele descobrir, eu posso até ser expulso do Programa.
Olívia ficou boquiaberta com a revelação, porém conhecia Naitan e não imaginava que ele teria feito algo terrível para justificar todo aquele medo. Ela perguntou:
– Você não pode me contar o que fez?
– Ainda não consigo falar disso, mas um dia, eu irei te contar. – Disse ele.
Ela lamentou não ter controle sobre a aparição da criança dos outros, pois uma criança contando o que preocupava Naitan seria a solução para a situação.
– Você fez algo terrível? Feriu alguém? Prejudicou? – Perguntou ela.
– Não! Não! Eu te juro que não fiz nada disso. É algo muito mais simples, mas nós, tangens, temos regras diferentes das humanas... E o que eu fiz é inaceitável para um Mestre como Tuolock. Eu estou só preocupado que ele descubra e eu seja expulso do Programa.
– Você não pode ficar aqui sozinho, Naitan... – Falou ela já pensando em uma solução. – Quem sabe se você for e ficar longe de Tuolock? Acho que conseguimos isto... Vou pensar em algo.
– Eu te agradeço por isto, Liv! E você não irá se arrepender de me dar este voto de confiança.
Antes de sair do quarto, ele falou:
– Não fique triste com os outros por não terem te contato sobre saber teleportarem-se... Quando você nos escolheu, acho que foi muito mais por intuição do que por razão. Nós, tangens, não sabemos usar a intuição muito bem. E este é seu ponto forte. Você não precisa ter domínio de todos os passos lógicos do pensamento para tomar uma decisão. Você intui. E você é boa assim. Você escolheu a melhor equipe que poderia ter. Eles ainda irão te surpreender outras vezes, pois são muito bons...
Ele começava a falar demais e achou melhor não entrar em detalhes sobre os outros. Ela gostou do que ele havia dito. Foi sincero e direto, tanto no problema quanto no que pensava dela como professora. Quando ela abriu a porta para ele sair, Renus estava parado do lado de fora pronto para bater. Aquele parecia o momento das confissões.
– Quer falar comigo? – Disse ela.
Naitan passou entre eles, com Renus aguardando que ele fosse embora para falar:
– Só vim te dizer que não irei para Deserto Plano. Lá, vocês não precisam de minha proteção.
– Você já havia dito. – Disse ela secamente. E percebendo que aquela não havia sido uma boa resposta quis reparar: – eu acho que você deveria ir. O Mestre parece arrependido por ter se afastado de você. Parece que ele está fazendo um esforço para consertar o erro... Ele gosta de você...
Renus não a deixou concluir a fala. Virou-se e foi embora. Só então ela percebeu que talvez estivesse abrindo mão de ter o Conselheiro por perto.
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