Sobre Mestres, Conselheiros e Anjos

– Você não sabe nada sobre os Mestres, não é mesmo? – perguntou Aurosa.

Olívia acenou positivamente a cabeça.

– Mas você já deve ter percebido a importância deles... Eles são a autoridade máxima nos assuntos que dominam. Existem vários, eu nem conseguiria listar todos para você agora. Claro que alguns são mais conhecidos e requisitados do que outros, mas todos têm a sua importância. Ou já tiveram... Eles mantêm escolas e desenvolvem os aprendizes de acordo com o que pensam ser o melhor para cada um – geralmente eles têm seus preferidos, os mais hábeis, mais talentosos, e direcionam estes alunos para também tornarem-se professores e mestres: um deles o substitui, quando eles acham que devem se retirar do ensino. O Mestre da Natureza, com quem estudei, é sem dúvida um dos mais importantes e um dos mais velhos. Nem dá indícios de querer se afastar do cargo que exerce. Porém há outros que assumiram há poucos anos seus lugares como mestres e ainda estão se aperfeiçoando.

– E Mirus? Ele disse que é um Conselheiro... Mas antes de ser, ele estudou em que escola? – perguntou Olívia sobre o único Tangen que conhecia.

– Ele veio da escola dos Mestres do Pensamento e da Fala. Se não me engano, ele se especializou em algo parecido com o que vocês humanos chamam de diplomacia. Ele é um bom negociador, por isto foi chamado para ser um Conselheiro. Acho que ele já é Conselheiro há mais de dez anos, é um bom conciliador para alguns casos.

– E se alguém me perguntar qual minha especialidade enquanto aluna do Mestre da Natureza, pois afinal nós iremos dizer que eu venho de lá, dos Montes... Montes, o quê?

– Campos Belos! – Disse Aurosa, percebendo que o erro denunciava futuros furos na mentira que iriam contar. – Ninguém irá perguntar nada a você, pois este não é um costume de Tangen: demonstrar curiosidade. Mas se isto acontecer, você pode dizer, por exemplo, que estuda a natureza nas crianças. Pois você trabalhava com sentimentos de crianças, não e mesmo? – opinou Aurosa, demonstrando que tinha conhecimento da vida de Olívia.

– Seria psicologia infantil? – falou Olívia.

– Toda a parte da psicologia é estudada na escola do Pensamento. Vamos dizer que você é especialista em natureza da infância, está bom? – Pense na infância de todos os seres vivos, em infância como primeiro estágio de adaptação no mundo...

Aurosa continuou a fala, demonstrando um conhecimento acima do conhecimento de Olívia sobre crianças. A futura professora achou aquilo um pouco arrogante da parte da aluna, porém logo entenderia duas coisas importantes sobre os estudantes de Tangen: primeiro é que eles sabiam muito bem muitas teorias, mas praticavam apenas aquelas que escolhiam como especialidade. Então, mesmo Aurosa falando tanto de infância, muito provavelmente não tivera contato com uma criança em toda a sua vida. Segundo, os Tangens, em sua grande maioria, não mentiam. Ou sabiam sobre certo assunto e falavam com categoria e firmeza, parecendo arrogantes às vezes, ou assumiam que nada sabiam sobre aquilo que estava sendo falado – sem enrolações e dissimulações.

– Quais outros mestres você acha que são importantes, Aurosa?

– São muitos... Porém alguns são atualmente importantíssimos, como o Mestre do Movimento, o Mestre do Sublime, o Mestre dos Alimentos, o Mestre dos Números... Outros já estão ultrapassados...

– E qual mestre você acha ultrapassado? – perguntou Olívia rindo, pois Aurosa pela primeira vez havia manifestado uma pontinha de crítica ao seu mundo, que para os humanos poderia até ser considerada fofoca.

– Eu não deveria dizer isto, mas nós temos ainda uma escola que tem como mestre secundário um Mestre dos Compromissos. Ele sabe tudo sobre estudo de leis e tem a função de ensinar bom senso, e seus alunos acompanham questões daqueles que quebram um compromisso com alguém. Porém as práticas de leis e compromissos com os outros foram uma a uma sendo extintas, e os ensinamentos desta escola caíram na inutilidade.

– Como assim: vocês não têm leis e compromissos?

– Claro que temos! Mas são raras as ocasiões em que são rompidas – explicou Aurosa. – Ética, responsabilidade e outras coisas são ensinadas em todas as escolas.

Olívia estranhou a inutilidade do que ela entendeu ser uma escola de direito. Porém mais tarde compreenderia que o sistema social de Tangen dava pouca margem para disputas, pois não havia relações trabalhistas entre patrão e empregado; não havia disputa por dinheiro, pois não havia dinheiro; e o que mais surpreendeu Olívia era o fato de não haver partilha de bens ou disputa de guarda de filhos, pois não havia casamentos, nem famílias, nem filhos, nem herança... Os tangens não casavam e nem moravam juntos – não firmavam compromissos passionais com outros tangens.

– E os conselhos, servem para quê? – perguntou Olívia.

– São os conselheiros que tomam as decisões sobre todos os assuntos, que variam de coisas básicas como a distribuição dos alimentos até coisas mais complicadas como a defesa de nosso mundo, as manutenções das escolas, os pontos de divertimentos e tudo mais.

– Então Mirus é muito ocupado...

– Sim. Mas são muitos os conselhos. Aqui na nossa cidade temos três deles. O Conselho da Cidade cuida de assuntos mais burocráticos somente daqui, Outro, que nós chamamos de "o Conselho", do qual Mirus faz parte, toma decisões mais importantes, de casos únicos e de todos os lugares de Tangen – como o nosso programa de estudos. Esse tem seis membros. Cada conselheiro é capacitado para resolver certos problemas. Mirus é responsável, entre outras coisas, por comunicações públicas.

– E o terceiro? – perguntou Olívia.

– O outro é o grande Conselho Superior, com apenas três membros, e que se reúne somente quando há casos muito, muito especiais para avaliar. Todos os membros, dos três conselhos, são excepcionais, destaques em suas vidas profissionais, escolhidos por critérios rigorosos.

Aurosa falou sobre isto com um tom de orgulho desses seus conterrâneos – ou melhor, de seus contangenanos.

– Você irá conhecer em breve o Conselho. Mirus falou que assim que você escolher seus alunos, os conselheiros irão te encontrar e definir certas coisas. Mas já posso te adiantar que estes seis membros já te conhecem bem e aprovaram sua vinda. – Resumindo, Aurosa disse: – gostaram de você! – e isto soou para Olívia como se a aluna concordasse com eles e, além disso, afirmava a confiança que ela já depositava na professora. Já Olívia estava sentindo o peso da expectativa e desconfiava secretamente da escolha destes conselheiros. Ela continuou:

– Você já conheceu dois dos membros, Mirus e Miti. Foi a Conselheira Miti que te entrevistou. Ela estudou com o Mestre da Natureza também e foi uma de minhas tutoras. Sabe muito sobre botânica. Além deles, pessoalmente, eu conheço a conselheira Niela, que é excelente arquiteta, e o conselheiro Renus, que é monossilábico – quase não fala, porém e um dos melhores alunos de Deserto Plano, o que faz dele aluno do Mestre do Movimento... – Aurosa tinha o hábito de dar ênfase a certas referências, demonstrando importância a detalhes que Olívia desconhecia, mas por ter captado esse uso enfático, sabia que era o mote que a assistente usava para ser questionada.

– Eu não faço ideia do que se estude nesta escola... Dança? – perguntou Olívia. Ao ouvir aquilo, Aurosa respondeu com uma risada espontânea. Olívia riu junto, sem ter a menor noção do quão engraçado era o que havia dito.

– Desculpa, Olívia! – falou a assistente, tentando parecer séria, pensando que havia sido grosseira ao rir de sua superiora. Olívia balançou a cabeça expressando um "não tem importância". A menina então esclareceu:

– Luta e defesa. A escola do Deserto Plano é, como vocês chamam na Terra, o forte de defesa, salvamentos e estratégias de Tangen. O que faz do Conselheiro Renus um dos maiores lutadores do nosso mundo e responsável por assuntos de segurança de Tangen. Foi engraçado pensar nele como dançarino... Ele e o Mestre do Movimento tiveram divergências e foi afastado de Deserto Plano. Recentemente ele entrou para o Conselho. O Mestre tem métodos questionáveis, e o Conselheiro não concorda com estes métodos. Não espere simpatia dele – é um dos tangens mais insuportáveis que você irá conhecer. Mas dizem que é justo. Os outros Conselheiros são Olita e Líneo. Este último era do conselho da cidade e tem práticas ainda muito burocráticas; ele gosta de tudo que siga a linha de processos. Dizem que gosta de tudo documentado e dentro das regras. Ele é da escola do Mestre da Informação.

Aurosa olhou para Olívia e percebeu que a humana já não estava prestando muita atenção por conta do dia exaustivo. Então se despediu da professora. Antes de ir embora, Olívia disse:

– Aurosa, muito obrigada pela ajuda que você está me dando. Já te tenho como uma amiga, e sendo assim, você pode, a partir de agora, me chamar pelo meu apelido...

– Liv! – Adiantou-se a assistente, para demonstrar que sabia sobre a vida íntima de Olívia.

Ambas se despediram com um sorriso de cumplicidade. Antes de dormir, Olívia fez uma tentativa às escuras: olhou para o minicomputador grudado em seu braço e disse: – relógio! – e instantaneamente no seu braço apareceram os números: 10 e 42. Ela então tentou:

– Despertar às sete! – Sem saber se iria funcionar.

Às exatas sete horas da manhã, ela ficou sabendo como funcionava um despertador em Tangen, quando seu braço começou a vibrar suavemente e uma voz, através daquele sistema de som interior, disse: – São sete horas, Olívia! Hora em que você pediu para despertar.

Olívia dormira oito horas seguidas e estava completamente refeita para enfrentar o dia em Tangen.

Neste segundo dia, Aurosa mostrou-lhe os pontos mais importantes da cidade. Alguns prédios eram mais antigos, mas na maioria eram prédios novos. A cidade foi escolhida como centro administrativo porque, desde sempre, havia sido o lugar mais importante de Tangen – o lugar onde os primeiros tangens haviam morado.

Na praça maior havia dois prédios antigos frente a frente: um era o marco administrativo dos Tangens – uma espécie de prefeitura, onde os conselhos funcionavam – e outro era o marco dos Anjos – uma espécie de templo aos criadores. Neste segundo prédio havia sido preservado e restaurado o totem de madeira que iniciou toda a civilização tangen. Olívia pediu para entrar ali. Aurosa mostrou-se relutante e acabou por falar que preferia que Mirus entrasse lá com ela. Justificou dizendo que preferia não ter contato com anjos.

– Como assim... contato? – perguntou a professora surpreendendo a assistente.

– Mirus não te falou sobre os anjos?

Olívia balançou a cabeça negativamente, e Aurosa então explicou que havia anjos em Tangen.

– Eu quero muito ver um anjo! – disse Olívia com muita excitação. Ao perceber o assombro da assistente, completou: – eu sou humana, Aurosa! Eu nunca vi um anjo!

– Você não sabe, mas você não vai querer ver! – Disse Aurosa cortando a empolgação de Olívia. – Não sei o que vocês pensam sobre eles na Terra, mas o fato de eles terem domínio de aptidões sobretangenianas faz deles seres superiores, inatingíveis e poderosos. É preciso muito cuidado com eles. Eu prefiro manter distância.

Olívia finalmente comprovava sua tese infantil de que os anjos podiam ser injustos. Soube de situações no passado de Tangen em que os anjos fizeram coisas não muito boas; soube que um dos três membros do Conselho Superior era um anjo, que obviamente defendia causas próprias dos criadores; soube que os criadores também passavam por problemas, no mundo dos anjos, que não eram revelados aos tangens; e que alguns tangens acreditavam que estes problemas poderiam um dia reverter a bela história da criação em uma triste história apocalíptica das civilizações. Depois de ouvir o ponto de vista de Aurosa, Olívia não quis entrar sozinha no templo.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top