Problemas em Tangen
Quando Mirus, Olívia e Renus chegaram à sala do Conselho, todos os outros conselheiros já estavam esperando. Olita quem começou a falar:
– Olívia, querida! Estamos surpresos com os resultados do Programa. Quantas novidades boas seus alunos já nos ofereceram, em tão pouco tempo. E com expectativas de tanto mais...
– E não vamos esquecer a excelente atuação de ontem, no resgate do objeto perdido... – Disse Miti.
– Ainda não recebi o relatório completo da missão de ontem, – falou Líneo – mas aparentemente vocês não deixaram nada para trás, para ter que ser resgatado no futuro.
– Não, senhor! Nada que tenhamos percebido ficou para trás. – Confirmou Olívia.
– Você deve já ter notado, Olívia, que durante muitos anos, os tangens andaram pela Terra e criaram problemas. Alguns irreversíveis, – disse Niela com expressão de reprovação – outros que conseguimos consertar com ajuda do Mestre Tuolock. Porém, outros ainda estão dando muita dor de cabeça ao Conselho Superior e aos agentes tangenianos. Principalmente problemas que são simples como de apenas um objeto deixado para trás, uma prova do mundo Tangen, mas que pode criar o caos entre os mundos.
Olívia compreendeu o argumento e a importância de sua atuação, mesmo parecendo algo simples de resolver.
– Faltava-nos uma pessoa humana... Alguém que pense como os humanos pensam, para prever as reações às ações. – Completou Miti. – E estamos felizes por ter encontrado você.
Todos os elogios e comentários eram sinceros: o código ético, o modo de tratarem uns com os outros, hábitos e necessidades e muitas outras coisas dificultavam aos tangens um contato positivo com os humanos. Embora os elogios tenham tomado a maior parte da reunião, não era a verdadeira razão daquele encontro.
– Nós gostaríamos de saber se você aceitaria outras missões? – Perguntou Olita.
Todos os conselheiros decidiram apostar em sua competência para novos desafios. Todos, menos um:
– Eu não concordo com isto! – falou alto Renus, batendo a mão com força na mesa. – Vocês não podem pedir ao bando de pirralhos algo que exige deles treinamento de anos...
Mirus, vendo que o debate ia esquentar, pediu que Olívia o esperasse em sua sala, para que eles pudessem conversar sem sua presença.
– Daqui uma hora, eu te encontro ali e te levo de volta ao sítio!
Olívia saiu da sala um pouco a contragosto, mas logo se alegrou quando pensou que teria ainda algum tempo para sair à rua e ver a cidade. Só de imaginar poder ver a Praça e os tangens, já a deixou feliz por gostar tanto daquele lugar. Ao sair do prédio, ela percebeu que a cidade a conquistará, e mesmo que os tangens fossem introspectivos e aparentemente mal humorados, foi ali que ela fez as melhores amizades que já tivera na vida. Ali deram importância para ela; e embora em sua vida terrestre tenha ajudado algumas crianças a se adaptarem a novos lares, ela sempre julgara seu trabalho como algo menor, de pouco alcance. Ser a líder no Programa de Estudos Humanos ajudava em sua autoestima. De tudo isto, Olívia tinha consciência: aquele talvez tenha sido o primeiro dia que sentiu reconhecimento e, por isto, os tangens a julgaram capaz para outros desafios.
Na Praça Maior, a movimentação já era de final de dia. Vários tangens iam e vinham, todos completamente absortos em seus pensamentos, caminhavam sozinhos. Ainda sobrava tempo para ela passear mais pela cidade e, num momento nostálgico, ela quis ir até a sua casa.
A noite já havia caído, e o movimento nas ruas era de alguns tangens que voltavam do trabalho e de escolas. Em frente a sua casa, Olívia achou que havia algo diferente, porém conferiu a rua e não havia erro. O pequeno jardim na frente da casa com um arbusto e algumas plantas que ela mesma havia cultivado confirmou que ela não estava errada. Mas a casa parecia um pouco diferente. Ela então se aproximou da porta e colocou o dedo indicador no identificador de digitais, mas a porta não abriu. Olhou novamente a sua volta e viu que era o lugar certo. Insistiu em ser identificada, porém desta vez um alarme sutil soou no interior da casa. Ela não conseguiu entender o que estava acontecendo e sem pensar muito tentou empurrar a porta com a mão. Um tangen surgiu por trás de Olívia, e agarrando-a pelo braço, gritou irritado:
– O que você está fazendo?
Olívia ficou com muito medo e antes que conseguisse explicar, o tangen começou a sacudi-la e a falar coisas sem sentido para Olívia:
– O que vocês querem de mim?
Ela tentava se desvencilhar, porém quanto mais fazia esforço para falar ou puxar seu braço, mais ele apertava e ficava convencido que estava diante de algum inimigo que tentava fugir.
De repente, ele ficou mais agressivo e jogou Olívia no chão. Ao cair, ela sentiu um galho do pequeno arbusto cortar seu braço esquerdo. O tangen raivoso a puxou pela túnica, levantando-a. Ela sentiu parte de sua roupa rasgar na altura do ombro, mas naquele segundo o tangen a largou novamente e, sem pensar muito, ela conseguiu ficar em pé e começou a correr pela rua. Nervosa e muito assustada, ela correu por partes que desconhecia. Quando viu três vultos próximos, ela foi ao encontro. Simplesmente exausta, ela parou na frente deles e reconhecendo alguém, sentiu que estava a salvo:
– Tila! Me ajuda! – disse isto e, exausta, com medo e sangrando, perdeu os sentidos nos braços de Tila e de dois patrulheiros.
Olívia acordou com Renus chamando seu nome. Já havia passado mais de meia hora, mas para ela a violência que sofrera tinha sido segundos antes. Ver Renus a sua frente foi um alívio, um conforto. Num impulso, e ainda desesperada pelo momento traumático que passou, sem perceber onde estava e sem ter consciência suficiente para reprimir este impulso, ela disse:
– Renus... – Puxando o Conselheiro pelo pescoço num abraço com toda a sua força.
Tila e Mirus que assistiam a cena, trocaram olhares: ela colocando a mão na boca para tapar o sorriso e ele arregalando os olhos.
Renus fez um movimento, soltando-se do abraço. Somente então, Olívia recobrou a consciência e teve a visão de onde estava. Era uma sala ampla, cheia de objetos, estantes com livros, uma mesa e o sofá onde estivera deitada. Em uma cadeira, atrás da mesa, estava Tila. Em outra, a frente da mesa, Mirus. Ambos levantaram e chegaram próximos ao sofá. Olívia sentou e ainda muito confusa, tentou recapitular o que havia acontecido.
– Eu não sei direito o que aconteceu... – Disse ela, também querendo entender a situação. – Eu fui até a minha casa e alguém me atacou...
Foi Tila quem ajudou Olívia a entender.
– Aquela não é mais a sua casa, Olívia. Ninguém lhe falou, mas assim que você deixou a cidade, a sua casa foi transportada para uma área mais distante, já que não seria utilizada. No lugar dela, trouxeram a casa de um funcionário que trabalha em um prédio aqui próximo, em um departamento meio estressante... E, pelo que soubemos, hoje ele não teve um bom dia. Uma das patrulhas o encontrou, dizendo que um invasor estava tentando entrar na casa dele. Ele está prestando depoimento e será encaminhado para tratamento. Não pode agir assim...
– Então, eu não tenho mais casa aqui em Tangen também? – perguntou olhando para Mirus preocupada.
– Tem sim – Respondeu ele. Ela está do jeito que você deixou, mas em outro lugar. Se você quiser ir até lá, eu te levo.
Olívia respondeu que não com uma expressão de cansaço no rosto.
– Eu não quero ir a mais nenhum lugar hoje. Eu estou muito cansada.
– Era o que eu dizia aos dois conselheiros! – falou Tila. – Hoje você fica aqui comigo. Descansa e amanhã você vai onde tem que ir, decide o que tem que decidir e tudo mais...
Tila tinha um jeito estranho de mandar nos outros, sem que eles percebessem que estavam sendo mandados. Ela queria que Olívia ficasse ali com ela naquela noite e conseguiu. Ainda determinou que Olívia trocasse de roupa, Renus cuidasse dos ferimentos da humana e Mirus avisasse os alunos de Olívia, que ela não voltaria naquele dia.
– Deixe-me ver o seu braço! – Disse Renus.
Só então, ela percebeu que o ferimento tinha espalhado sangue por quase toda a sua roupa. Era superficial, mas um corte grande. Ela tirou o braço machucado da túnica e ele limpou o ferimento, jogou um gel em cima do corte e aplicou um adesivo muito fino que vedou o ferimento.
– Amanhã já estará fechado. – Explicou ele. – Algo mais?
Ela apontou para o ombro, acima do braço machucado.
– Quando eu caí, acho que caí de mau jeito por cima do ombro.
Ele fez um movimento com as mãos que ela só viu de relance e então massageou o ombro num sentido pescoço-ombro-braço. A dor passou no mesmo instante. Ela não estava entendendo muito bem por que era ele quem estava fazendo aquilo e nem como ele sabia tratar ferimentos. Mas não reclamou.
Logo depois, Olívia foi para o quarto de higiene, do que veio a saber ser o escritório de Tila, no prédio da Patrulha da cidade. Ao se olhar em uma tela que equivalia a um espelho, percebeu envergonhada que estava toda desarrumada, descabelada, suja no rosto, sem falar que metade de sua roupa estava rasgada. Ela que saíra da reunião com o Conselho, achando que agora todos estariam convencidos que ela podia partir para desafios maiores; que ela sabia como lidar com adversidades e problemas. "Quem estou querendo enganar? A estes tangens que sabem tanto?" – pensou ela. Quando saiu, já recomposta, viu Renus cabisbaixo e com o sentimento de ser a pessoa mais ridícula dos dois mundos, ela suspirou, fazendo que ele a olhasse.
– Me desculpa, Conselheiro! Eu não queria dar tanto trabalho ao senhor. Talvez o senhor tenha razão... Eu não tenho condições ... – Antes que ela pudesse completar o pensamento, ele interrompeu:
– Eles acham que você tem, Olívia! Eles decidiram te dar outra missão!
– Não me importa o que eles pensam de mim... Eu me importo com o que o senhor pensa. E eu e o senhor sabemos que eu sou um desastre: uma humana vulnerável a um empurrão de qualquer um...
– Eu nunca disse que você era um desastre. Eu vi o tangen que te empurrou... Ele era grande e estava enlouquecido... – disse ele, forçando um sorriso, que Olívia percebeu ser uma tentativa de fazê-la sentir-se melhor. Ela sorriu por educação.
Quando chegaram ao salão, Tila e Mirus pediram uma garrafa de Tibi, a bebida leitosa cor de vinho. Mirus contou para Tila sobre a festa humana que fora convidado. Os dois riam muito e não demorou a ficarem embriagados. Olívia percebeu que, sem muita discrição, todos olhavam para ela. Tila comentou que ali era difícil manter um segredo: todos já sabiam o que havia acontecido a ela, o que não era motivo para tantos olhares. Porém, eles também ficaram sabendo que Olívia era uma humana – e este era o motivo – pois eles nunca haviam visto um humano antes. Alguns poucos, talvez. Mas eles estavam curiosos. Só isto.
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