Os tangens não choram
Depois de alguns dias planejando aulas, ao contrário do que Olívia pensou, os alunos escolhidos não foram tão receptivos à verdade, ou melhor, à mentira. Sentiram-se enganados por alguém em que confiaram.
Foi a Conselheira Miti que anunciou para a turma o nome dos cinco escolhidos no Programa.
– Eu tinha quase certeza de que Liv estaria nesta primeira fase. – Disse Lália para Aurosa, esboçando a decepção e abrindo a porta da nova sala de aula.
Na porta já estava a sigla P.E.H. – Programa de Estudos Humanos – e a sala havia sido reservada apenas para esta turma. Nela havia muito espaço para um grupo tão pequeno. Seis mesas com equipamentos de última geração formavam um semicírculo diante de uma mesa enorme para a professora. Nas paredes, várias estantes com objetos que Olívia havia encomendado ao Programa para este início das aulas.
Dias antes, Olívia pediu esclarecimentos quanto ao Programa para Mirus. Ele deixou a professora bastante à vontade para pedir o que quisesse; o que levantou o assunto do financiamento do Programa:
– Quando estiver na Terra, eu precisarei de dinheiro para sustentar os alunos... – Disse Olívia assumindo também a tutoria econômica. Mirus esclareceu que dinheiro não era problema: eles tinham várias fontes. Ela só se preocupou em não ser alguma destas fontes algo ligado a roubo. Mirus ficou ofendido com a acusação, e ela decidiu deixar aquela informação, das fontes, para um futuro.
A turma já estava sentada à espera de notícias quando Mirus e Olívia entraram na sala. A entrada causou um grande espanto. Olívia estava bem diferente: mais adulta e confiante – ainda usava a túnica do uniforme da escola, porém quis dar um toque pessoal e humano e trocou a calça do mesmo tecido da túnica, por uma calça preta e mais curta, que deixava a mostra quinze centímetros da perna, entre a bainha da calça e o cano da botinha. Além disso, envolveu o pescoço com uma grande echarpe verde. Mirus começou:
– Bom dia, estudantes! Antes de qualquer coisa, eu gostaria de parabenizá-los pela classificação. Falo em nome do Conselho: foi uma decisão difícil, de critérios rígidos, a escolha de vocês entre tantos candidatos... – ele ainda falou mais algumas coisas sobre mérito, esforço e determinação, num discurso que julgava necessário para dar maior importância ao grupo.
Pela expressão dos alunos, eles estavam pouco ligando para o que estava sendo dito. Tirando Aurosa, os outros alunos nitidamente estavam tentando descobrir o que Olívia fazia parada, em pé, ao lado do Conselheiro. Como havia uma sexta mesa vaga, eles pensaram que o Programa havia aberto mais uma vaga e ela estava ali esperando que ele anunciasse isto. Então Mirus chegou ao ponto:
– Vocês devem saber que o Programa trouxe para Tangen um professor humano para dar um treinamento adequado a vocês, antes de vocês irem para a Terra... O que vocês não sabem é que este professor esteve infiltrado entre vocês nestes últimos dias... Convivendo com vocês como aluno...
Turio foi o primeiro a matar a charada. Olhou para Olívia com um olhar de tristeza e baixou os olhos, pensativo. Os outros ficaram ainda atentos ao que Mirus dizia:
– Foi uma estratégia não muito verdadeira, porém, graças a ela, vocês foram escolhidos por critérios... que o Conselho... Bem, eu deixarei que a nova professora depois explique. Eu gostaria de apresentar Olívia, a nova professora humana!
Embora Mirus tenha dado um tom circense e alegre à apresentação, o clima ficou péssimo: todos entristeceram. Depois de alguns segundos de espanto, Naitan foi o primeiro a reagir com indignação:
– Você mentiu para nós?! – Disse num misto entre afirmação e pergunta.
Mirus sentiu que a conversa precisava privacidade entre "amigos" e pediu licença para se retirar. No fundo, ele estava se sentindo culpado por ter tido a ideia daquela estratégia mentirosa e não queria ser julgado pelos alunos – passava o problema para a nova professora. Quando Mirus fechou a porta, Naitan prosseguiu:
– Você tem ideia do que fez? Você me fez acreditar que era alguém de origem simples como eu... uma amiga verdadeira... – ele disse isto com voz fraca, de alguém magoado.
– Você me fez acreditar que era a tangen mais inteligente que eu já conhecera... E na verdade sabia tudo sobre os humanos, porque é... humana... – disse Turio.
– Você estava mentido também ao se interessar por estatísticas? – completou Lália, com quase certeza em a resposta ser sim.
O quadro não poderia ser pior. Não era isto que Olívia imaginara para o momento em que os cinco descobrissem que haviam sido escolhidos por ela, justamente por ela ter gostado tanto deles. Ela precisou de um tempo. Sentou atrás da mesa, que agora aumentava a distância da amizade entre eles, e ficou um momento em silêncio e de cabeça baixa. Até que falou:
– Sim, eu gosto de estatísticas! Sou humana, mas me considero bastante inteligente. E eu não menti sobre ter uma origem simples... no meu mundo. E a escolha de todos vocês se deu principalmente por vocês terem me considerado uma amiga, antes de qualquer coisa. Pois eu não quero ir para a Terra com um grupo de tangens frios, individualistas, com interesses duvidosos, arrogantes, preconceituosos, e acima de tudo, que não me considerem uma amiga. Eu quero ir com quem confio. – Ela fez uma parada na fala e sentiu um nó em sua garganta ao ver a cara de reprovação dos alunos. Ela continuou:
– E prova maior de que eu fiz as escolhas certas é que vocês estão agora preocupados por terem erroneamente pensado que perderam uma amiga, ao invés de estarem comemorando o ingresso na primeira turma do Programa. Eu queria vocês como meus alunos. Achei que vocês eram os melhores! – Disse isto enchendo os olhos de lágrimas.
Os cinco alunos pararam instantaneamente para olhar a professora chorar:
– Você está chorando? – Perguntou Lália muito indiscretamente.
Olívia ficou sem jeito pela pergunta, e Noro tentou amenizar a situação:
– Pensando bem, eu acho que você será a melhor professora humana que eu poderia ter!
Ao sorrir pela tentativa de consolo de Noro, as lágrimas de Olívia escorregaram pelo rosto, deixando todos assustados. Olívia percebeu que estava fazendo algo estranho para eles, mas não sabia o quê. Foi Naitan quem esclareceu:
– Acho que a professora Olívia não sabe que nós nunca vimos alguém chorar. Os tangens não choram, professora!
Aquela recepção foi um desastre. Olívia pensou em desistir vendo a cara amarrada de todos, menos de Aurosa.
– Se vocês ainda quiserem ir para a Terra, saibam que os humanos choram. E se não estiverem preparados para isto, desistam...
Ela limpou as lágrimas e tentou conter a emoção, concentrando no que interessava: o que havia pensado para cada um como membro de uma equipe. Explicou também coisas que Mirus havia planejado como os próximos passos do Programa: primeiro eles iriam conhecer aquilo que ela julgava importante para uma boa adaptação entre os humanos. Ela já havia separado diversos temas. Depois eles iriam organizar a ida, cada um com uma função específica dentro do grupo. Teriam que treinar falas e papéis, pois eles iriam aparecer entre os humanos como um grupo de estudantes de intercâmbio em um país ainda por definir. Só então eles iriam para a Terra, para uma casa alugada, e iriam tentar se adaptar à comunidade local. Ela tinha um bom plano de aulas, mas em nenhum momento alguém manifestou empolgação.
Olívia falou sem interrupções durante mais de uma hora e então disse:
– Alguma pergunta? – Nem mesmo Aurosa quis perguntar. Estavam todos fechados em não ser calorosos com a nova professora.
Quando ela anunciou o intervalo de almoço, os alunos saíram rapidamente da sala, levando bolsas e pertences; o que não era comum. Nenhum esperou por ela. Ela arrumou todo o material que havia trazido e levou junto também, pensando seriamente em não voltar para a aula da tarde. Espiou o refeitório e não viu nenhum dos alunos. Eles haviam saído para outro lugar, evitando ficar com ela.
Ela foi embora pensando que quando os alunos voltassem para a aula, sentiriam sua falta e iriam comunicar a Mirus que a professora sumira. Ele ligaria e ficaria sabendo da desistência. Mirus teria que arrumar outro professor para a turma, ou outra turma para ela. Talvez uma turma de tangens arrogantes fosse a melhor opção, mesmo. Talvez os tangens tivessem razão em não se envolverem afetivamente com os outros. "E esta agora? Os tangens não choram...".
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