O treino e a queda

Quando todos os seus alunos voltaram ao galpão, o clima estava meio tenso, pelo mesmo motivo anterior. Naitan sugeriu:

– Talvez nós devêssemos agir do mesmo modo que estávamos agindo na Terra: sem nos envolver demais. Se ficarmos mais entre nós, com nossos trabalhos e aqui pelo galpão, talvez seja melhor.

Todos concordaram. Olívia pediu para ele uma tarefa principal: que ele pesquisasse sobre dons e anjos, como Ravenkar havia sugerido. Aurosa e Noro tinham bastante material terrestre para análise e pesquisa, e poderiam usar os laboratórios da escola. Lália estava estudando economia e práticas de contabilidade na Terra. Turio era entre todos o que estava mais perdido em Deserto Plano. Ele prometeu ajudar todos eles e iria pedir permissão para Tuolock para conhecer a sala e os equipamentos de segurança da escola.

Olívia resolveu levar a mala até seu dormitório, enquanto o grupo começava a se instalar no galpão. Ao chegar no alojamento, ela não conseguiu entrar. Renus saiu do dormitório ao lado e a ouviu falando com a porta, enquanto tentava uma leitura de seu rosto. Ele achou graça da humana falando sozinha, mas tentou disfarçar.

– Primeiro você tem que registrar a sua face e depois a sua voz. – Disse ele, como se fosse algo fácil.

Ela fez uma expressão de que não tinha ideia como se fazia isto. Ele então foi até a porta, apertou um botão. Logo em seguida mandou que ela chegasse perto da pequena câmera para gravar seu rosto e depois dissesse o seu nome. Depois reapertou o botão inicial.

– Se você quiser cadastrar o seu namorado, ele tem que apertar o dois e fazer o mesmo procedimento.

Ela não quis dar continuação aquele assunto e disse:

– Eu gostaria de falar com o senhor. Você pode entrar um instante?

Era um quarto bem pequeno, com um banheiro minúsculo. Os móveis eram apenas um armário, a cama, uma escrivaninha e uma cadeira. Ela sentou na cama e ele na cadeira.

– Eu não tenho bem certeza se fiz certo em vir para cá... – Disse ela, esperando que ele falasse algo do tipo "eu te falei". Mas ele ficou esperando a continuação.

– Tuolock parece estar exagerando nas gentilezas. Você não acha?

– Você quer a minha opinião? – perguntou Renus pragmático.

Ela balançou a cabeça positivamente.

– Ele quer você e eu aqui. Ele já deixou isto claro e não é segredo. Mas ele não irá fazer nenhum de nós prisioneiro. Ele deve estar pensando em algo mais sofisticado...

Olívia compreendeu e perguntou:

– Como eu faço para não cair nestas estratégias dele?

Renus deu um sorriso irônico e disse:

– Fique atenta... Você nem desconfiou que talvez tenha sido ele mesmo quem passou a informação antecipada para a tal Sheda V. ... Este é o tipo de coisa que ele faz...

– Se você desconfiou, por que não me disse? – Perguntou ela, se achando ingênua.

– Por dois motivos: um, que ele iria conseguir isto de qualquer maneira. Outro: que você estava com muita vontade de vir para cá.

Ele tinha razão. Olívia pensou um pouco e falou:

– Quando eu não te vi hoje de manhã, achei que você tinha voltado à cidade e iria retomar o posto no Conselho. Depois que te vi aqui eu tive certeza... Você também estava com vontade de vir para cá e voltar a treinar. Não é mesmo?

Ele concordou com um aceno da cabeça e disse:

– Queria voltar a treinar com o Mestre, mas não desta maneira. Depois do que ficamos sabendo sobre a infância dele, eu compreendi melhor suas atitudes, mas não aceito. Não acredito que ele vá mudar... E logo, logo, nós iremos brigar novamente. Só questão de tempo. Ele nunca irá querer que eu o substitua, se não for do jeito dele.

Pela primeira vez, Renus explicitava o desejo de tornar-se Mestre e para ele, aquela conversa amigável com Olívia chegara ao final. Ele levantou e saiu.

Os dois primeiros dias na escola foram tranquilos. Todos eles ficavam até tarde acordados no galpão, conversando enquanto Naitan ensinava algumas músicas para Lália no violão. No terceiro dia, acordaram no horário da refeição matinal. Naitan pediu para ficar no galpão desta vez e Olívia concordou.

Na mesa, Tuolock que não perdia nada ao seu redor, sentiu falta de um dos alunos.

– Pedi que ele fizesse um trabalho para mim. – Justificou Olívia.

– Do que se trata? – Quis saber o Mestre.

– Ele é o historiador do grupo... Quero saber a história de dons e anjos. – Explicou ela.

– Eu sei muita coisa sobre isto! – Disse Tuolock. – Posso ajudar vocês no que vocês precisarem.

Olívia agradeceu, sem querer aceitar a oferta naquele momento, pois isto o colocaria perto de Naitan.

De repente, o Mestre virou para Renus e falou:

– Preparado para começar?

Ele concordou positivamente com um resmungo. O Mestre então falou para Olívia:

– Você quer assistir ao treino? Será daqui à uma hora. – E sem esperar a resposta dela, já avisou: – Passo no galpão para pegar vocês.

O treino não seria em Deserto Plano. Olívia não sabia, mas Tuolock tinha um espaço próprio e secreto em Tangen, completamente isolado, onde há anos treinava.

Aurosa e Naitan quiseram ficar. Os outros estavam na frente do galpão, quando o Mestre chegou para teleportar a todos.

Eles chegaram a uma grande clareira no meio da mata em algum lugar de Tangen. Renus e Tuolock não perderam tempo em se prepararem para o treino. Ao mesmo tempo em que aquilo era muito comum aos dois, pelas milhares de vezes que eles já haviam treinado antes, aquele momento de reconciliação tinha todo o peso do tempo em que ficaram separados.

Olívia e os alunos ficaram sentados em uma parte gramada, um pouco elevada do terreno. Noro observou bem a vegetação, mas não soube precisar onde eles estavam.

– Ao norte de Tangen, com certeza. O que você acha Turio?

Turio que tentava obter informações em seu comunicador, disse:

– Campo magnético de segurança... Todo equipamento completamente desligado. O Mestre sabe se proteger...

Os dois lutadores fizeram aquele cumprimento de bater as mãos fechadas e iriam começar.

Trinta segundos, o Mestre já havia derrubado Renus. Antes dele se levantar, o Mestre falou baixinho:

– Hoje ela vai ver que você não é o melhor...

Depois do segundo tombo, Renus percebeu a tática do Mestre: ele não havia ido até ali para treinar, mas para ser humilhado diante de Olívia.

Nenhum deles gostou de ver Renus caindo no chão a toda hora. Olívia falou:

– Vontade de ir embora!

Turio sugeriu:

– Quem sabe se, muito discretamente, nós saírmos daqui. Um por um... Sem plateia, talvez ele pare de fazer isto.

Assim eles fizeram.

Não demorou muito para o Mestre dar um intervalo no treino e chamar o grupo:

– Não estão gostando da luta? – Perguntou o Mestre.

Olívia ainda pensou duas vezes antes de responder o que queria. Mas vendo Renus bastante triste, resolveu falar:

– Que o senhor era excelente lutador, nós já sabíamos. Mas não achávamos que era tão mau professor!

Tuolock ficou irritado, mas tentou não perder a razão. Olhou para os três alunos de Olívia e perguntou com ar ameaçador:

– Vocês também acham isto?

Apavorados, nenhum dos três respondeu.

– Quem é o menos pior dos três? – disse o Mestre.

Os três alunos se entreolharam e Olívia percebendo o que iria acontecer falou:

– Eu!

Tuolock riu ironicamente e, vendo que a professora não colocaria nenhum de seus alunos à prova, fez um movimento leve com as mãos e Olívia, Noro e Lália caíram para trás. Turio desvencilhou-se da força do vento e permaneceu em pé, bastante assustado.

Tuolock sorriu para ele e perguntou:

– O que você fez para ficar em pé?

– Eu virei de lado e não recebi a força do vento como eles que estavam de frente.

Olívia ficou pensando onde Turio tinha aprendido aquilo, quando recebeu uma rasteira e tornou a cair. Desta vez os outros, pularam e permaneceram de pé.

– Era só pular... como a corda, Liv! – Disse Lália.

– Eu estava pensando em outra coisa. Não vim aqui para ser atacada... – Disse ela, tentando levantar.

Ao apoiar o pé no chão, Olívia sentiu uma dor forte no tornozelo, que todos perceberam pela expressão que ela fez. Antes de falar algo, Renus já estava ao seu lado, tirando seu sapato. Ele passou a mão por sua perna e pé e disse:

– Nada fraturado. Só uma torção.

E logo em seguida, fez um atrito com as mãos e as colocou em seu tornozelo. As mãos estavam completamente geladas. Ela sentiu o alívio e agradeceu. Lália apareceu com sua bolsa e tirou dela um pequeno tubo. Renus reconheceu o remédio. Aplicou na parte machucada, fazendo a dor ficar quase imperceptível.

– Aplique isto mais uma vez hoje e vai estar boa logo. – Disse ele dando o tubo para humana.

Olívia estava muito triste, não tanto pela dor, mas pelo fato de ser tão frágil diante dos alunos tangens. Seus olhos estavam cheios de lágrimas. Os alunos já estavam acostumados com aquela reação, mas o Mestre não. Assim que os dois se olharam, ele percebeu a grande besteira que havia feito, mas era orgulhoso demais para pedir desculpas. Ele foi até ela, e pegando-a no colo disse para Renus:

– Leve os outros para a escola! – E desapareceu com Olívia.

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