O Templo dos Anjos

Os dois dias antes da partida foram de grande tensão para todos. No começo, Olívia prestava a atenção a tudo e a todos para ver se conseguia uma pista sobre o caso dos cravos. Os Conselheiros não fariam algo assim tão imaturo; os alunos sabiam que ela gostava de flores e estavam eufóricos com o Programa, mas nenhum deles se teleportava e não teria condições de levar todas aquelas flores para lá. Além de que todos estavam muito empolgados com a viagem para colocar tudo a perder com um roubo bobo. A teoria do anjo era completamente descabida para ela e um admirador secreto e desconhecido era impossível de ser pensado e descoberto sem mais pistas.

Depois de uns dias, ela acabou esquecendo, pois eram muitos os preparativos para a partida. Até que uma conversa a fez relembrar. Estavam todos na sala de aula, e alguém falou algo sobre um anjo.

– Eu não sei nada sobre os anjos... Disseram haver anjos em Tangen e eu ainda não vi nenhum. – Disse Olívia um pouco indignada. – Toda vez que falo sobre isto, alguém desconversa.

– É por que alguns anjos são extremamente inconsequentes, Liv! – disse Naitan. – Já fizeram coisas terríveis... Se não falamos mais, é para o seu bem.

– Que coisas terríveis? – perguntou ela.

– Eles roubam, sequestram e até matam. Há algum tempo, um tangen teve um problema bobo com um deles. Alguma discussão durante uma viagem, numa hospedaria ou num bar... Era um tangen de uma comunidade rural mais afastada daqui, única região que produz um tipo de grão para Tangen... – Começou a explicar Naitan até ser interrompido por Lália.

– Ah, o caso de Campos Dourados! – Disse ela empolgada querendo completar a história com informações mais precisas: – Eles cultivam grãos que são usados na produção de 74 por cento de óleos ou de cremes, para usos dos mais variados, desde medicamentos até cosméticos.

– Pois é! – disse Naitan, retomando a fala. – Este anjo, no momento da discussão, pareceu não se importar com o caso e foi embora. Mas, um dia depois, ele invadiu o vilarejo onde o homem morava e queimou toda plantação... deste grão... que a Lália falou.

– Não fosse termos uma reserva inteligente de alimentos para casos assim, poderíamos ter ficado muito mal, principalmente pela falta de medicamentos. – Completou Noro.

Olívia teve um pensamento breve de alívio por não serem os cravos tão importantes assim para causar escassez de algo útil. E voltou a pensar em anjos:

– Eu compreendo. – Disse Olívia, realmente compreendendo que existem anjos maus. – O problema é que eu estou indo embora de Tangen sem ver um anjo... Será que terei oportunidade de ainda ver? Algum dia?

– Esquece isto, Liv! Por favor... Mais cedo ou mais tarde, você vai ver um. Todos nós já vimos... Vários... Esquece! – Aurosa acabou com o assunto.

E então, enquanto todos retomaram seus afazeres, Olívia percebeu que Turio havia sido o único a não participar do assunto. Ele mantinha-se alheio, escrevendo algo com sua caneta no ar, durante todo o tempo. Foi só acabarem o assunto, ele olhou para Olívia e fez um gesto para a professora, chamando-a para perto.

– Você pode me ajudar com isto aqui, Liv?

Quando ela sentou ao seu lado, na tela visível apenas para os dois, havia uma imagem do Templo do Anjos. Os outros mantinham conversas em duplas sobre outras coisas. Aurosa estava afundada numa pesquisa sobre animais, e Naitan olhava o que ela pesquisava, perguntando a Noro se ele conhecia esportes que usavam animais.

Para não despertar suspeitas de cumplicidade no assunto dos anjos, Turio disse coisas sem muito sentido.

– Estava pensando em fazer assim... Ou você prefere diferente? – disse ele, enquanto escrevia na tela:

"Te espero daqui a uma hora, na frente do Templo! Eu vou lá com você! Quer?"

– Eu gosto do teu jeito! – Disse ela, querendo responder algo com sentido e confirmando o convite.

Turio levou quinze minutos para arrumar uma desculpa e sair da sala. Olívia, meia hora. Quando ela chegou na Praça Maior viu Turio sair de um dos prédios e vir a seu encontro.

– Melhor que não nos vejam entrando. Não sei se você já percebeu, mas a cidade é muito pequena, e sempre tem um para ver e outro para contar... – disse ele, confirmando o que Olívia pensava a seu respeito: Turio era desconfiado e cuidadoso. Não acreditava muito que os tangens cuidavam apenas de si mesmos e deixavam a vida dos outros de lado.

– Vamos entrar ali como turistas, se alguém perguntar. – Completou ele.

– Você já esteve ali? – perguntou Olívia.

– Sim. Poucas vezes. É um lugar bonito, com esculturas... Uma vez, viemos com a escola. – respondeu ele.

– Ah! Então se é frequentado por crianças, não é um lugar tão perigoso. – Concluiu ela.

– O lugar não é perigoso. É um monumento histórico. Assim como o prédio do Conselho. Porém você não entra em um prédio histórico se não quer saber a história dele, não é mesmo? Entrar aí pode significar que você está querendo conversa com anjos. Isto aterroriza os tangens... Quando vai um grupo de estudantes, o interesse é outro. Por isto, eu te disse: caso nos perguntem, nós somos turistas e viemos ver esculturas.

Subiram os degraus do templo muito mais rápido do que atravessaram a praça. Entraram quase correndo e, quando Olívia viu, ela estava diante de um terreno enorme, todo ladeado por um muro altíssimo.

– Não é coberto? – Disse Olívia meio surpresa e decepcionada, esperando uma construção parecida com igrejas ou catedrais.

– Eu acho que é assim para os anjos que chegam voando... Eles não entram caminhando pela porta da frente...

– Faz sentido! – disse Olívia lembrando o dia em que ficara mais de uma hora parada na praça esperando para ver um anjo entrar.

Na entrada, logo após a porta, um enorme portal escrito na língua dos anjos e na língua Tangen: Portal dos Criadores.

– Este lugar é muito grande, por isto vamos direto aonde é mais interessante. – disse Turio.

Após passarem pelo portal, bem ao centro do templo havia uma árvore gigantesca.

– Dizem que é a primeira árvore, a mais antiga, de Tangen. A árvore mãe, e somente depois que ela foi plantada, as outras árvores daqui cresceram e deram frutos. – Explicou Turio. – E ali na esquerda, venha ver... – disse ele sinalizando uma grande estátua, de uns 4 metros, em forma de anjo. – Este é o Totem que os criadores enviaram aos tangens ainda na Terra, quando ainda não eram tangens. Você sabe a história da criação, não?

Ela balançou a cabeça confirmando positivamente.

– Mas está perfeitamente conservada! – disse surpresa. – É uma cópia?

– Não. É original! Foi restaurada. E atualmente já não precisa mais de cuidados por ser madeira.

Ele explicou rapidamente uma técnica que os tangens tinham para transformar madeira em algo quase indestrutível. Ela estava maravilhada.

– Tem outro lugar que gostei de conhecer. Acho que você vai gostar também... É do outro lado da árvore.

Ao passarem pela árvore, ela reparou que havia dois bancos em forma de meia lua que circulavam a árvore. Em um deles, alguém estava sentado olhando para baixo, pensativamente. Turio percebeu que ela havia visto e falou baixinho:

– Aí está um anjo! Não pule no pescoço dele, dizendo que já o ama, por favor! – Disse dando um sorriso cúmplice da emoção que Olívia estava visivelmente sentindo.

Neste momento, algo sobrevoou o templo, plainou e aterrissou do outro lado, saindo do campo de visão dos dois.

– Outro voando... – Disse Turio, pegando o braço de Olívia, que estava completamente encantada com tudo aquilo, levando-a para um pequeno jardim.

– Eu gosto deste lugar! – Disse ele, sentando em um banco pequeno e cúbico. Este banco dava de frente para uma fonte de água muito clara, que parecia fluir do muro do entorno do templo. De dentro da fonte saía a escultura de um anjo de pedra.

Olívia viu a fonte e reparou que logo ao seu lado havia outra escultura – e havia muitas outras. Viu também bancos quadrados e individuais no centro de um pequeno jardim circulado por várias estátuas de anjos. Ela percorreu com os olhos, até reconhecer algo:

– Este parece ser um anjo guerreiro. – Disse ela, apontando para a estátua de um anjo com uma espada e um escudo espelhado virado para quem o olhava.

– Todos estes são guerreiros, Liv! – Disse Turio. – Estamos no Jardim das grandes lutas. – Cada um carrega algo que pode ser considerado um objeto de defesa ou ataque... Este na água tem um pote com uma poção... pode ser veneno, mas pode ser remédio também. – disse ele de forma didática. – Lembro tão bem da minha professora falando sobre isto, bem aqui... Que as maiores batalhas travadas não foram de combate entre seres bons ou maus, mas batalhas contra males como doenças, pragas, ignorâncias... Por isto, o que eu mais gosto é este anjo com o livro nas mãos. – Disse ele apontando para um anjo, que fora esculpido de forma bastante simples, com asas bem pequenas, lendo um livro, sentado numa pedra em forma de tronco de árvore.

– Sábia escolha! – Disse um senhor de idade avançada que havia se aproximado deles.

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