O primeiro dia no sítio

Na manhã seguinte, Olívia acordou mais cedo do que seu despertador. Colocou a chaleira para esquentar água e abriu a porta para ver o dia, coisa que não podia fazer em Tangen. Para sua surpresa, Naitan já estava do lado de fora, sentado encolhido em um banco da varanda. Ela sentou a seu lado, sem dizer uma palavra. Ele pareceu-lhe cansado e triste, mas ela não perguntou nada, achando que o aluno tivera uma noite não muito boa. "Vai levar um tempo até eles se adaptarem!", pensou ela. Ela sentiu uma paz e tranquilidade muito boa, que há muito tempo não sentia. E quando sentiu que devia falar que ele lhe passava esta paz, alguém gritou lá de dentro:

– Está saindo vapor desta coisa! Vai estourar...

A chaleira chiava e ela entrou para fazer o café.

Com exceção de Noro, todos chegaram vestindo seus pijamas. Noro estava de roupa para ir ao lago. Havia a piscina pequena bem próxima a casa, mas ele queria nadar com espaço.

– Vocês deviam começar o dia com um esporte. – Disse ele. – Ou pelo menos com um passeio; uma caminhada.

– Eu vou com você para o lago – Disse Lália. – Mas não sei se vou nadar.

– Eu irei até o estábulo ver o cavalo. – Decidiu Aurosa.

– Vou com você! – Falou Naitan.

Olívia e Turio ficaram lavando a louça e depois foram arrumar a sala secreta. Olívia aproveitou para falar somente com ele:

– Turio, eu sei que você faz mágica com estes aparelhos. Eu conto com isto e quero que você me ajude a manter a segurança de todos nós, o máximo que puder.

– Não se preocupe, Liv. Acho que já estou com tudo pronto para segurança e emergência – disse ele se sentindo seguro, enquanto já mexia em alguns botões e via coisas numa das telas. – Está vendo estes pontos coloridos na tela? – perguntou ele.

Ela respondeu que sim e ele disse:

– O amarelo é Aurosa. Ela está onde disse que estaria: no estábulo. Eu sei disso, pois todos os celulares estão com rastreador. Só que este ponto deveria estar todo amarelo. Estando meio preto, significa que ela está com o celular desligado!

– Já sei que você é bom! – disse Olívia sorrindo e pensando que ele era realmente bom. – Vou lá com eles, no estábulo, e aviso que é para ela ligar.

Dez minutos depois, ela chegava a frente do estábulo e encontrava Naitan e Aurosa. Aurosa ficou assustada quando soube que seu celular estava desligado. Os dois haviam levado um cavalo para fora e escovavam o pelo, tentando fazer amizade com o animal. Neste momento, um homem saiu de trás da construção carregando um balde. Todos os três levaram um susto, mas logo Olívia lembrou do caseiro.

– Bom dia, Seu Luiz! – Disse Olívia, já querendo mostrar simpatia pelo funcionário.

– Bom dia, moça! – e vendo também Aurosa e Naitan corrigiu: – Moças! Moço!

Seu Luiz era um homem com mais de cinquenta anos. Era meio índio, com feições bem marcadas características de sua etnia: cabelos bem preto e liso, pele escura e lábios grossos, mas era mais alto e magro, do que os índios daquela região. Usava roupas bem surradas e sujas com terra, demonstrando que já havia começado o trabalho.

– Meu nome é Olívia, Seu Luiz! Sou a responsável pelos jovens que o senhor verá por aí. Eles são estrangeiros e muitas vezes não entendem muito bem o que a gente fala. Então, sempre que o senhor precisar de algo, por favor, fale comigo que entendo melhor.

– Certo, moça! Eu cuido dos animais e da horta. Colho o que a moça precisar. Os moços já foram até a horta? – perguntou ele.

Eles não tinham ido. Então ele apontou para o lado do estábulo. Quando chegaram lá, eles confirmaram o que suspeitaram: o Seu Luiz era um excelente agricultor. Havia ali, alimentos frescos, lindos e suficiente para a subsistência deles. As frutas do pomar também eram lindas e algumas estavam a ponto de serem colhidas. Olívia e Aurosa olharam em especial para uma árvore com pêssegos já corados. Naitan esticou o braço e sem muito esforço arrancou um do pé e deu carinhosamente para Aurosa, e ao fazer a oferta, olhou a colega com meiguice e acabou desagradando a professora. Ela tentou disfarçar para eles, mas não gostou de não ter sido a primeira a receber a fruta. Aurosa não reparou naquele ato, e só quis saber da fruta. Quando Olívia recebeu o seu, jogou-o numa cesta que Seu Luiz havia lhe trazido, e fez questão que Naitan visse que ela rejeitou o fruto.

Antes de voltar a casa, ela pediu a Seu Luiz algumas verduras específicas. Iria cozinhar naquele dia.

Foi decidido que os primeiros dias seriam de reconhecimento do local. Assim, eles ficaram mais pelo sítio e algumas vezes foram a cidade em duplas, sempre com Olívia. Lália e Noro começaram a aprender a dirigir pelos arredores do sítio. Aurosa já havia começado a coletar algumas plantas. Ela e Noro saíam juntos e quando voltavam estavam cheios de vegetais e minerais para catalogarem. Olívia ajudava a identificar coisas simples, que para eles eram desconhecidas. Naitan consertou o piano e já havia lido algumas das obras literárias que foram esquecidas no escritório. Turio já havia aprendido tudo sobre a internet e seria capaz de conseguir qualquer informação que estivesse na rede. Olívia deixara bem claro para ele não tentar invadir nenhum sistema de segurança nacional, de qualquer governo, pois isto poderia causar transtornos desnecessários e eles poderiam ser localizados. Assim, ele mantinha-se longe de informações secretas, pois não era este o objetivo do programa. Todos aprenderam a cozinhar as coisas mais básicas e Lália organizou um quadro de tarefas para que o grupo desse conta da vida doméstica sem precisar contratar pessoas de fora. Pouco a pouco, eles foram definindo o que gostavam de fazer e o que não gostavam. Na primeira vez que foram lavar as roupas, a atividade virou uma festa. Olívia percebeu que não havia máquina de secar roupas, então teve que recorrer ao primitivo método do varal. Ver aqueles tangens pendurando as roupas ao sol pela primeira vez foi uma das coisas mais engraçadas que a humana presenciou na vida. Depois de quinze minutos, já dentro de casa, Lália deu um pulo do sofá e disse:

– Esquecemos as roupas penduradas lá fora! Já devem estar torradas...

Olívia segurou o riso para não mostrar a falta de noção no tempo da secagem das roupas no varal. A próxima lavada já contou com uma máquina de secar novinha e bem menos divertida.

Mirus ia todas as manhãs ao sítio, após se reunir com o Conselho, onde dava informações sobre o dia anterior dos alunos. Algumas vezes, trazia recados de algum conselheiro para um aluno e levava respostas. Era o mensageiro, mas não se importava, pois preferia assim, a ter que solucionar problemas mais sérios. Olívia ficava na esperança de receber algum recado, mas não aconteceu. O que a fazia pensar que ela não era importante para ninguém em Tangen.

Olívia achou melhor manter em dia seus poucos contatos na Terra e, após muito tempo desde a última vez que verificara o correio eletrônico, ela levou um susto: havia dois emails de sua mãe. O conteúdo era normal de uma mãe preocupada e ansiosa querendo saber notícias da filha. Ela respondeu as mensagens. Não era difícil mentir para a mãe. Alice, mãe de Olívia, sabia que a filha estava fazendo parte de um projeto com alunos estrangeiros em um país distante. O que ela não sabia era que estes alunos eram tangens, mas o resto da história não era mentira. Turio tirou umas fotos de Olívia no sítio e ela anexou às mensagens. Um dia, a mãe quis conversar com ela online. Isto também não foi difícil. Olívia ligou o computador e chamou a mãe. Filha e mãe mataram a saudade numa longa conversa. Alice teve certeza que Olívia estava bem.

A certa altura da conversa, Turio entrou no escritório e fez algum barulho.

– Tem alguém aí com você? – Perguntou Alice.

Olívia ficou um pouco preocupada com o que iria dizer, mas Turio foi mais rápido e parando na frente da câmera, disse:

– Bom dia, Alice!

A mãe deu um sorriso para ele enquanto Olívia empurrava Turio, dizendo – Saí! – Mas ele não saiu.

– Eu sou Turio, colega de Olívia no Programa. – Explicou ele, arrumando os óculos no nariz.

Alice, contente de saber que Olívia não estava sozinha e que havia feito pelo menos um amigo, perguntou sem muita cerimônia:

– Colega ou algo mais?

Olívia enrubesceu e Turio riu com a pergunta direta da mãe.

– Já nos disseram que somos uma bela dupla... – Disse ele abraçando Olívia e deixando a mãe pensar o que quisesse.

Turio saiu rindo da sala, enquanto Olívia ouvia a mãe lhe dizer que tinha gostado dele, que ele era bonitinho; que havia notado que Olívia parecia mais feliz e estas coisas que mãe sabe e diz.

Ao final de duas semanas, todos alunos já estavam cansados da limitação ao sítio. Eles queriam sair e começar coisas mais empolgantes. Olívia ainda estava meio receosa, mas uma disputa pelo banheiro entre Lália e Turio e uma pequena briga por um par de meias entre Aurosa e Noro, foi o suficiente para ela mudar de ideia e partir para novos desafios que manteriam eles com pensamentos mais profundos e menos infantis.

Naquele dia, ela sentou diante do computador com Lália e encontrou atividades fora de casa para todos.

Lália organizou a agenda. Pela manhã, eles fariam esportes e as atividades domésticas. À tarde, ela e Naitan iriam frequentar aulas de música, de instrumentos diferentes: Lália, violão e Naitan escolheu acordeão. Aurosa iria fazer um curso de tecelagem, Turio de fotografia e Noro de cerâmica. Todos iriam para a biblioteca ou para o cinema uma vez na semana. Iriam em três para a cidade: enquanto um estivesse na aula, outro ficaria na biblioteca e o outro poderia ir ao cinema. Os que ficassem em casa, ajudavam na janta.

Seria um começo, um teste para os primeiros contatos com humanos e sem a presença de Olívia. Olívia levaria e buscaria; participaria das idas a biblioteca e ao cinema, às vezes. Em outros dias, ficaria de plantão para qualquer emergência. Caso a agenda desse certo, eles começariam com outras atividades como pequenas viagens, outros cursos, acampamento para explorações. Todos concordaram.

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