O objeto roubado

– O que você quer, minha querida? – Perguntou Olívia à menina Tila.

– Ela perdeu uma coisa muito importante... Eu sei quem achou e não devolveu. Eu sei com quem está... Você mostra para ela? – Disse a menina apontando para a Chefe dos Patrulheiros.

– Mostro!

A menina saiu saltitando e Olívia, puxando Renus e Tila pelo braço, foi atrás dela.

– Ela me disse que sabe onde está algo importante que você perdeu... – Explicou Olívia.

Tila sabia o que era, mas quis testar Olívia e disse:

– Pergunte para ela o que eu perdi?

– Uma adaga que Tuolock te deu! – Disse Olívia após obter a informação da menina.

Eles pararam em frente a um dos dormitórios dos patrulheiros e a menina falou:

– Está aí dentro...

Ao repetir o que a menina disse, Tila esmurrou a porta. Um patrulheiro abriu e ela disse:

– Você sabe a pena para quem se apropria de algo que não é seu?

Olívia sentiu pena do patrulheiro enquanto ele pedia desculpas por ter ficado com a faca que achara.

– Eu ia devolver, Comandante! – Dizia ele tremendo, tirando de baixo da cama uma grande faca de prata com o cabo trabalhado com arabescos e pedrinhas brilhantes.

Olívia não ficou ouvindo a bronca que Tila deu no patrulheiro, pois a menina chamou a sua atenção.

– Obrigada! – Disse ela para Olívia. E apontando para a Tila adulta falou: – Ela estava muito triste... Até chorou escondida quando perdeu o presente do Mestre. Significa muito para ela.

– Eu que agradeço por você por ter contado! – Disse Olívia. – Não gosto de ver meus amigos tristes...

– Este Renus, aí do teu lado, é teu amigo? – Perguntou a menina.

– É sim! – Respondeu Olívia.

– Eu vou te contar um segredo... Eu ouvi Tuolock falando sobre você e ele. E Tuolock quer te conhecer...

– É mesmo? O que mais você ouviu? – Perguntou Olívia.

A menina fez uma cara de quem iria iniciar uma disputa, – com a exata expressão que Olívia havia visto no rosto de Tila quando quis provocar Renus na luta que ela presenciou entre os dois – e saiu pulando, rindo e cantando uma música infantil que dizia assim:


O mestre falou

Que o anjo da noite pegou

a criança linguaruda

que o segredo contou


– Nem sei como te agradecer, Olívia! – Disse Tila. – Eu procurei tanto por esta faca.

– Eu sei, Tila! Não precisa explicar... Só te peço que não conte para ninguém sobre o que aconteceu aqui...

– Não irei contar!

Olívia deu um abraço em Tila e lhe falou baixinho ao ouvido:

– Pode dizer a Tuolock, que eu também quero conhecê-lo.

E deixou a amiga perplexa e desconfiada, pensando em o que mais Olívia ficara sabendo pela criança.

A sede dos patrulheiros era protegida contra anjos e teleportes, por isto Renus e Olívia saíram de lá para voltarem ao sítio. Na frente da sede, a rua estava deserta e a noite começava a escurecer Tangen.

– Você conheceu Tila com quantos anos? – perguntou Olívia a ele.

– Acho que ela tinha uns quinze anos. Eu sou mais novo.

– A menina que eu vi tinha menos. Acho que no máximo dez anos. Era um amor...

– Acho que nós precisamos conversar sobre estas suas visões. – Disse Renus muito mais delicado desta vez.

Ele pegou Olívia pela mão para o teleporte e eles desapareceram de Tangen. Quando ela percebeu, eles estavam em um lugar bem diferente do sítio. Era uma estação de trem abandonada há muito tempo. A construção da estação era de tijolos de barro e a vegetação invadira o edifício e os trilhos, que em muitas partes estavam corroídos pelo tempo. Ainda era dia neste lugar.

– Estamos em Tangen? – perguntou ela.

Ele olhou com aquela velha conhecida expressão de reprovação e respirou fundo para não chamá-la novamente de burra. E explicou tentando manter a calma:

– Tangen nunca teve trens! Estamos em um lugar na Terra, distante do sítio... Um lugar que gosto de vir quando preciso pensar.

Olívia sentiu cumplicidade por ele partilhar o lugar com ela. Pareceu-lhe um voto de confiança, mas foi somente olhar para ele e ver como seus olhos estavam vermelhos e seu rosto corado para ela perceber que aquele ato era causado mais por embriaguez do que por confiança. Os dois sentaram na plataforma da estação e começaram uma conversa pacífica.

– Você já descobriu algo sobre estas visões? – perguntou ele, indo direto ao ponto.

– Muito pouco...

– O quê?

– Estas crianças aparecem para ajudar os adultos que elas são. Quando a criança aparece, ela quer me contar algo. Só preciso saber como perguntar. Ela se vê separada do adulto. Para mim, é como se fossem duas pessoas diferentes, separadas pelo tempo e pela aparência física, mas com as mesmas histórias de vida. Elas falam do adulto na terceira pessoa do singular: ele e ela... Entende?

– Eu sei o qual é a terceira pessoa do singular... – Disse ele prepotente.

– Eu não sei se quem estuda luta em Tangen também estuda gramática... – Disse ela querendo dar uma implicada.

Ele virou os olhos e suspirou fundo. Ela continuou:

– Elas aparecem para mim tão naturalmente, que eu deixo de ter medo do momento da aparição. Acho que não são assombrações. Acho que é por que eu os sinto vivos... Elas ainda estão no adulto, mas como parte esquecida deles. A Tilinha, há pouco, era até mais cheia de vida do que a Tila adulta. Muito linda e feliz...

– E você, na sua vida na Terra, já havia passado por isto? Tido experiência com alguma manifestação assim?

– Nunca!

Renus pensou em algo rapidamente, porém levou uns segundos para perguntar.

– E com o anjo? – disse ele, mudando o assunto.

– Que anjo?

– Você sabe que anjo!

– Eu ainda não vi anjo algum! – Disse ela lembrando que já havia visto... – Só um senhor naquele dia que visitei o templo com Turio e que depois soube que era um anjo. Você sabe disto, não?

– Sim.

– Você acha que estas visões de crianças têm relação com o anjo que me ajuda nas ruas de Tangen?

– E que enche a tua casa com cravos... Não sei o que pensar!

Ela lembrou daquela noite em que Renus a ajudou com os cravos e sorriu.

– Você foi muito legal me ajudando a resolver aquela história com os cravos. Já havia até me esquecido daquela noite.

– Aquela história ainda não foi resolvida para mim. – Falou ele, tentando disfarçar que não havia dado importância ao elogio. – Sempre que volto a pensar nela, não consigo entender porque alguém se teleportou diretamente para dentro de sua casa e, mesmo assim, precisou apagar a câmera exterior.

– E você suspeita de um anjo? Um anjo amigo que me admira e me ajuda? – Perguntou ela, tentando acompanhar o pensamento dedutivo de Renus.

– Sim. Mas não é só um anjo... – Disse ele pensando que tinha também o caso das visões das crianças.

Porém Olívia entendeu o "um" ao pé da letra e perguntou:

– Você está querendo dizer que tem mais de um anjo?

O Conselheiro olhou para ela sem acreditar no que ouvira. Não passara pela sua cabeça que vários anjos estivessem envolvidos no caso dos cravos. Porém aquele raciocínio errado da humana deu uma pista para ele. E se não fosse apenas um anjo que encheu a casa com os cravos? Pela quantidade de flores, fazia mais sentido pensar que aquilo havia sido trabalho de mais anjos ou talvez de um anjo e um tangen: um que se teleportou, que abriu a porta para outro, que chegou caminhando na casa.

Ele sorriu com o que acabou de pensar, porém ele não tinha com objetivo investigar o caso dos cravos naquele momento, mas a aparição das crianças. E disse:

– Então você nunca teve sinal algum de um anjo na Terra e nem de visões de crianças?

– Não. Isto só começou a acontecer agora... Em Tangen... Eu nunca acreditei em fenômenos sobrenaturais, viagem no tempo e no espaço... Nem em extraterrestres, eu acreditava muito. – Falou ela, muito sincera, rindo. – Parece que conhecer Tangen desencadeou acontecimentos que eu só conhecia como ficção.

Renus fez um som com a garganta, entre um rosnado e um resmungo. Olívia perguntou:

– Você está achando que são dois assuntos diferentes: um anjo que me ajuda e uma habilidade que eu tenho para ver crianças do passado?

E então o tangen experiente explicitou o que estava lhe incomodando:

– Não. É muita coisa para um só ser. Estes assuntos devem estar interligados, sim. – Disse ele, virando-se para Olívia e olhando-a nos olhos. – Eu resolvi ficar com vocês no sítio, por que eu acho que vocês ainda vão causar muita confusão para Tangen. Eu não sei o que pode acontecer quando ficarem sabendo desta tua habilidade ou quais são as intenções deste anjo que anda a tua volta. Os pirralhos são inteligentes, mas eu já percebi que vocês têm mais sorte do que juízo...

– Só por isto, você ficou? – perguntou Olívia.

– Você acha pouco? Você é uma humana envolvida em coisas perigosas e sem noção do perigo, liderando um bando de crianças que poderiam explodir a Terra e causar danos irreversíveis para Tangen.

– Eu sei... Mas achei que talvez você já estivesse gostando de nós... – Ela ia continuar a frase com algo mais sentimental, mas achou melhor não dizer.

– Eu não tenho que gostar de vocês... Eu estou cumprindo a minha função. Assim como você deveria estar pensando apenas em cumprir a sua função de professora dos pirralhos, só nisso...

Não era a resposta que Olívia queria ouvir. Mas ela agradeceu silenciosamente pelo esclarecimento que lhe pareceu sincero e direto. Tila não sabia, mas ele era sim igual ao seu Mestre Tuolock, incapaz de amar e talvez até de gostar de alguém. Eles permaneceram quietos olhando a paisagem e pensando sobre o que haviam falado.

Chegaram ao sítio, quando todos já haviam jantado e davam um tempo pelas poltronas e sofá, esperando pela volta da professora.

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