No terceiro dia após o caso das vacas ter sido resolvido, Turio chegou com um jornal local. Nele estava escrita a história dos falsos fertilizantes quase que completamente verdadeira e o detalhe de que um estudante inglês que estava na região havia salvado Luciano do incêndio. Havia vários elogios da jornalista que escrevera a matéria à Naitan. Olívia ficou mais tranquila quando soube que a matéria não trazia a fotografia do aluno tangen. Isto poderia causar algum problema para o Programa.

– Parece que o seu namorado tem uma admiradora! – Sussurrou Renus ao ouvido de Olívia enquanto ela lavava a louça do café.

Surpresa, ela não soube o que responder. Talvez fosse melhor deixá-lo pensar que Naitan era seu namorado. Porém antes que ela começasse a pensar melhor sobre o assunto, Mirus chegou ao sítio, em meio da sala de jantar.

– Bom dia! – Disse ele feliz.

Olívia largou a louça e ia abraçá-lo quando lembrou que ele não gostava deste tipo de manifestação.

– Mirus! Que bom te ver! – Falou ela com sinceridade.

– Novidades em Tangen, Conselheiro Mirus? – Perguntou Turio.

– As melhores... Nosso Programa é um sucesso. – Respondeu Mirus.

O Conselheiro Mirus trazia várias notas e comentários sobre a atuação do grupo tangen na Terra. Em todos eles havia a menção às missões do grupo. Turio leu apenas alguns títulos.

– "Tangens evitam desastre ambiental na Terra"; "Os humanos sobreviverão graças ao Comandante Renus e sua parceira humana!".

Todos ficaram felizes com a alegria de Mirus. Menos Renus.

– Como estas notícias se espalham tão rapidamente? – Falou Renus bravo.

Para irritar um pouco mais o Conselheiro, Olívia perguntou:

– O que diz Sheda V.?

Turio leu na íntegra:

Sheda V. foi conferir as últimas notícias sobre o Comandante Renus.

A verdade: ele continua sendo o nosso maior herói. E agora, não só dos tangens, mas do universo.

Agora me digam: vocês acham mesmo que ele precisa cumprir ordens de uma humana?

Sheda V. não achou nada que prove a competência desta parceira humana. Não tem história, não tem batalhas ganhas. E se Sheda V. não achou é porque ela é só uma professorinha. O Comandante não precisa de ninguém para ser o melhor de Tangen: salvou o planeta Terra, salvou homens num incêndio, desmantelou uma quadrilha de criminosos. Só isto, por enquanto!

Quem gosta de falar mal dele, incluindo certo Mestre que é conhecido por seus mandos-e-desmandos, que durma com esta história entalada na garganta.

Eu prefiro dormir e sonhar com o meu Comandante.

Boa noite!

Todos riram muito do estilo e sinceridade de Sheda V. Ela fazia sucesso com estas notas, e sua coluna era, entre todas as outras, a mais comentada.

– Ela não está querendo dividir o Comandante com ninguém mais... – Observou Lália.

Olívia enrubesceu e discretamente olhou para Renus que estava sério e indignado com tanta notícia sobre eles. Mirus ficou apenas mais um pouco, o tempo para falar com Olívia que o Conselho queria um novo encontro. Quando Mirus foi embora, Renus tomou uma atitude que o grupo jamais havia visto:

– Eu quero falar algo para vocês! Esta publicidade toda, não é engraçada. Ela pode trazer consequências não muito boas. Mirus acha boa, pois ele quer o sucesso do Programa; quer aparecer. E quem está repassando estas informações, não percebe o perigo... – Disse ele sério e paciente, fazendo todos questionarem a fonte de vazamento destas informações.

– Mas qual o problema dos tangens saberem de nós e do que estamos fazendo? – Perguntou Noro inocentemente.

– Eu e vocês não somos os problemas... – Disse Renus.

– Olívia é o problema! – Completou Turio, querendo mostrar para o grupo que sabia das coisas antes dos outros.

Olívia levou um susto com a afirmação. Ela até sabia que costumava criar problemas e que por ser humana, ela poderia ser mais vulnerável do que os outros. Mas não havia pensado nela mesmo como sendo o problema. Ela ficou esperando por uma explicação. Renus continuou:

– É isto mesmo! Esta menina, professora de vocês, é o problema. As notícias falam de mim e de vocês: um grupo de alunos tangens; e falam dela como a misteriosa humana. Isto irá gerar curiosidade sobre ela.

– E qual o problema que gere? Se for melhor, nós mesmos escrevemos para Sheda V. e damos nome e endereço... Não há por que mentir. – Falou Aurosa.

Renus criou uma situação bastante estranha para Olívia e o grupo. Porém era necessário ele falar:

– Algum de vocês sabe realmente quem é Olívia? – Disse ele e sem esperar respostas bobas, ele mesmo continuou: – uma humana burra e irresponsável, nós sabemos. Mas como ela tem uma habilidade única, que nenhum tangen jamais desenvolveu, sem ter a menor prática da ascendência existencial tangen? Como e por que ela, esta criaturinha infantil e sem mérito intelectual como vocês, tem um guardião vinte quatro horas por dia? Como ela, que entrou no Programa como simples professora, atrai tantos problemas e situações perigosas para si mesmo? Alguém sabe me explicar isto? Porque eu não sei... e nem ela. E ela é tão estúpida, que passa à noite ao relento...

Ele não chegou a completar todo o seu pensamento, Olívia levantou da mesa tremendo, pálida e sentindo-se a pior das pessoas e culpada por não saber explicar tudo aquilo. No fundo Renus tinha razão: ela não sabia o que estava acontecendo e nos últimos dias tinha evitado pensar nisso, esperando que estes problemas desaparecessem sozinhos. Ela era exatamente isto que Sheda V. havia falado: uma professorinha; e como Renus disse: sem mérito nem para estar na liderança do Programa. Todos os dias, ela pensava nisto: "a quem eu estou tentando enganar?". Em vários momentos, ela sentia que havia sido convidada para uma festa por engano. E isto já havia acontecido com ela, em sua vida na Terra, quando ela recebeu o convite para uma confraternização natalina por email da diretora do curso que fazia. Ficou tão feliz que não reparou que o email fora mandado para ela erroneamente, pois havia uma professora chamada Olívia. Quando ela chegou à festa, a diretora e dona da casa levou um susto vendo a aluna, que nem era a sua preferida, à porta. "– Você aqui?". Foi o que bastou ela dizer, para Olívia perceber que algo estava errado. A diretora ficou constrangida e disse: "– Que bom... Entre e curta a festa!", porém quando Olívia viu que era a única aluna, teve certeza que estava no lugar errado. Levou um tempinho para entender o engano, e quando isto aconteceu, ela não tinha como fugir.

Esta foi uma das situações mais deprimentes da vida da professorinha humana – e o que ela sentiu naquela noite de confraternização, voltava com frequência aos seus pensamentos deste que chegara em Tangen: ela estava tentando "entrar e curtir a festa", mas não conseguia, pois ela tinha a impressão que a qualquer momento ela seria desmascarada.

Ela deu dois passos tentando fugir e esconder a tristeza que sentia, principalmente ao saber que Renus também já havia percebido que ela não era nada; que ela não podia ser alguém com um guardião e com habilidades. Ela era nada! Alguém se enganara. Ela recebeu o convite por engano, e ele sabia.

No terceiro passo, ela sentiu uma tontura muito forte. Naitan, que já estava a seu lado prevendo o que aconteceria, a segurou numa possível queda.

Renus percebeu que havia exagerado no tom e na verdade direta das palavras, mas já era tarde. Os outros quiseram ajudá-la, mas Naitan não deixou; levando Olívia até o seu quarto e trancando a porta, para que ninguém entrasse.

Na sala, os outros não sabiam como agir. Renus falou:

– Deixa que o namoradinho cuide dela...

Todos olharam para Renus sem entender o que ele havia dito. Turio mais corajoso falou:

– Naitan não é o namorado dela. Até agora era só um amigo... Se o Conselheiro não percebeu, eu acho que ela estava gostando do senhor...

Renus riu da suposição.

– Impossível! – Disse Renus, mais para ele ouvir do que para o grupo.

– Impossível é ela aguentar tanta crueldade que o senhor fala, sem ela gostar MUITO do senhor... – Simplificou Noro.

Renus não quis mais falar sobre aquilo. Sentindo-se envergonhado e alterado, saiu porta a fora.

No quarto, Olívia recobrava os pensamentos.

– Eu te tirei de lá antes que você caísse! – Disse Naitan para tranquilizá-la.

Depois de um tempo, Olívia disse:

– Ele tem razão...

– Não, Liv! Ele não tem. Eu e os outros sabemos que você é a pessoa mais doce e amiga que pode existir. Você não tem culpa se estas coisas estranhas estão te acontecendo. Nós vamos descobrir junto com você. E o dia que nós descobrirmos, este idiota do Renus verá o quanto foi injusto te tratando assim. – Disse Naitan com firmeza.

– Sem mérito intelectual, ele disse... – relembrou Olívia triste.

Naitan percebeu qual tinha sido o ponto mais cruel da fala de Renus para Olívia.

Renusnão voltou para o almoço e Olívia não saiu do quarto. Naitan levou seu almoço edepois foi se juntar aos outros na mesa. Depois do almoço, um por um, foramtodos para o quarto com Olívia e solidários falaram para ela esquecer aquelamanhã e aquela conversa. Ela disse que faria isto. Contudo foi apenas paratranquilizar o grupo, pois no fundo ela não conseguiria esquecer.