O Encontro com Tuolock
Na reunião com o Conselho tudo foi bem. Olívia e Renus estavam preocupados com informações que eles poderiam ter por fora dos relatórios que Mirus havia levado. Porém nenhum dos Conselheiros desconfiou ou soube de algo relacionado às visões das crianças e nem do anjo guardião. Olívia aproveitou para elogiar a atuação de Renus diante do episódio do incêndio. Todos concordaram com o elogio e Olita comentou:
– Nós ficamos contentes em saber que vocês dois estão se dando tão bem!
Olívia precisou segurar a fala. Alguns deles perceberam e compreenderam exatamente o que devia acontecer no sítio no convívio entre eles – que eles brigavam feito cão e gato, mas que, de algum modo, conseguiam se entender.
Naquela reunião, o Conselho também decidiu que eles ficariam alguns dias sem dar uma nova missão ao grupo.
Perto das quatro horas da tarde, Olívia e Renus estavam na sede da Patrulha. Antes de entrarem, Renus quis alertar Olívia:
– Uma coisa sobre Tuolock: ele implica ao máximo com quem ele conhece a primeira vez. É algo imprevisível, o que ele escolhe para implicar. Geralmente ele identifica o ponto fraco e ataca ali. Compreende?
– Sim! Já fui adolescente... Sei como é... – Disse Olívia.
Renus achou graça na comparação, e embora os tangens não praticassem e nem tinham qualquer abertura para bullying, ele compreendeu. Mas novamente ele percebeu algo diferente nela. Ela acordara naquela manhã bem mais espirituosa e era bom que ela se mantivesse assim para enfrentar Tuolock – ele, sim, tinha estratégias que incluíam práticas de qualquer espécie.
– Então se você não entra no jogo dele, ele deixa de lado e torna-se alguém normal. Mais ou menos normal... Mas se ele não gostar de você, ele não irá gostar para sempre, e aí você vai ter um problema. – Completou Renus.
– Não se preocupe, Renus. Vai dar tudo certo!
Tila foi recebê-los muito feliz. Porém ficou preocupada quando soube que Renus pretendia entrar junto com Olívia.
– Ele não vai querer... – Disse Tila para Olívia.
Antes de falar, Olívia viu surgir correndo ao seu encontro, a pequena Tila. Quando chegou perto de Olívia, ela deu um abraço sem jeito que quase a derrubou. Os dois demoraram a entender por que Olívia deu um passo para trás para manter o equilíbrio.
– A Tilinha está aqui... – Disse Olívia preocupada com aparecimento da menina que ninguém mais via.
Renus e Tila se olharam pensando que aquilo podia atrapalhar o encontro.
– Acho melhor irmos embora, menina! – Disse Renus para Olívia.
Olívia não queria ir embora. Já havia criado toda uma expectativa sobre este encontro e tentou um acordo com Tilinha.
– Tilinha, hoje eu tenho algo muito importante para fazer. Conversar com um adulto muito bravo... Não posso brincar... Você promete não me atrapalhar? – Disse Olívia para a menina.
– Prometo! Prometo! – Falou Tilinha dando dois pulos: um a cada palavra.
Olívia gostava tanto daquela menina e o sentimento era mútuo.
– Vamos lá enfrentar a fera! – Falou Olívia.
Os tangens não conheciam esta expressão e acharam engraçada a comparação do Mestre a uma fera.
Tuolock estava no escritório de Tila. A chefe dos patrulheiros abriu a porta do escritório e anunciou:
– Eles chegaram!
O Mestre dos Movimentos levantou para receber Olívia. Ele era um tangen muito alto, com pernas e braços muito longos. Tinha os ombros largos e era robusto, mas não aparentava ser alguém que exercitava os músculos com o fim de ampliar a musculatura. Ele era considerado pela sua força, mas a potência dela vinha de outras fontes além dos músculos e as principais características de sua luta eram a elasticidade e agilidade. Ele tinha um pouco mais de cinquenta anos e já estava grisalho em algumas partes do cabelo. Ele o cortava de maneira irregular, valorizado algumas mechas do grisalho, que ficavam todo para um lado, o lado mais longo. O cabelo liso caía levemente em um dos olhos. Não era um homem bonito e nem feio, porém deixava as experiências de violência que viu transparecer no rosto pelas linhas de expressão e pelo olhar desconfiado, reflexo de muitos momentos sem relaxar. Tinha olhos azuis que davam mais gravidade ao que ele pensava, sobre aquilo ou aquele a quem olhava. Olívia percebeu na hora que se tratava de alguém cuja personalidade ela sempre evitou na Terra: alguém que conhecia a dor e a violência.
Ele estava atrás da mesa de Tila e assim permaneceu, sem manifestar qualquer emoção em vê-la. Porém ao ver que Olívia não estava sozinha, ele moveu os lábios numa expressão de repúdio e disse para Renus:
– Você não precisa entrar!
Renus parou na porta e Olívia, tentando aparentar firmeza, fez sinal para ele continuar a entrar:
– Renus está me acompanhando. – Disse ela.
– Eu não dei permissão para ele vir junto. – Falou Tuolock com tom de autoridade.
– Eu dei! – Disse Olívia.
Tila tremeu com a resposta e Renus sentiu algo que ainda não havia sentido: orgulho da humana. Ela tentava uma conversa de igual para igual, sem ter muito noção do poder de Tuolock em Tangen. Renus estava visivelmente abatido. Ele deixou transparecer o desgosto por ser tratado daquele jeito pelo antigo mestre que tanto admirava.
– Havia esquecido que ele agora cumpre ordem de humanos. – Retrucou Tuolock.
Tila entrou logo após Renus e atrás dela veio a menina Tilinha, que somente Olívia viu e que, ela sim, não havia recebido permissão de ninguém para estar ali. À frente da mesa havia duas cadeiras, que a princípio deveriam ser ocupadas por Olívia e Tila, mas que Olívia apontou para Renus sentar, enquanto ela sentava em outra. Tila ficou sentada no braço de uma poltrona próxima e Tilinha saltitava pelo escritório. O Mestre mantinha o olhar de cobra-pronta-para-dar-um-bote para Renus, que preferia olhar para baixo a encará-lo. Percebendo esta fixação, Olívia perguntou logo que sentou:
– O senhor me convidou para este encontro para falar sobre o Conselheiro Renus?
Neste momento, Tilinha parou do lado de Olívia e cochichou em seu ouvido:
– Ele é mal educado e feio, não é mesmo? Mas é isto que ele quer mesmo, que este aí – disse ela apontando para Renus – volte a ser seu aluno em Deserto Plano... Falou ainda a pouco "eu me precipitei em expulsá-lo...".
Olívia tinha certa desconfiança sobre isto. Contudo, ela não saberia avaliar se isto era bom ou ruim. Ela estava ali para tentar descobrir isto. Há algum tempo, Olívia já vinha pensando que Renus não parecia feliz como conselheiro e toda vez que comentava sobre seus dias como comandante, ele exibia aquele olhar que se tem com as boas lembranças. A humana estava indo àquele encontro já com uma pontinha de vontade de tentar conciliar o Mestre e o Aluno.
Tuolock estava ali para tentar descobrir o que interessava Renus naquele Programa de Estudos Humanos; o que o fez ir para a Terra com um grupo tão despreparado. Havia algo nesta história que ele não entendia. Porém, sua maior pretensão era fazer Renus voltar a sua escola e a Deserto Plano sem dar o braço a torcer e pedir que ele voltasse.
O Mestre não respondeu diretamente a pergunta. Ele cruzou os braços e passou a encarar Olívia.
– Como uma coisinha insignificante como você conseguiu um guarda-costas como este traidor?
Havia naquele insulto algo que Olívia até achou engraçado. Porém ela estava ficando um pouco apreensiva com a recepção. O Mestre nem a dera um "bom dia", nem se apresentara. Já começou com sendo agressivo.
– O senhor não estaria perdendo seu tempo comigo se achasse realmente que eu sou uma coisinha insignificante... – Afirmou ela mais sincera do que por se achar significante.
Tuolock começava a achar que a conversa não seria assim tão fácil e que ele teria que partir para coisas mais cruéis.
– Você realmente se acha uma comandante à altura das missões que tem feito? Você, uma humana acéfala junto do traidor covarde e mais um bando de meninos intelectualizados acham que vão durar quanto tempo nestas missões?
– Então o senhor me chamou aqui para me alertar sobre os perigos das missões? Para fazer com que eu desista delas?
– Eu estou pouco me importando com vocês... Eu estou pensando no que irá sobrar para mim. Porque eu sei que vocês irão fazer alguma besteira, e das grandes, e eu e meus comandantes é que teremos de ir para a Terra para consertar.
Ela levantou e se pôs a andar pelo escritório, para pensar melhor e poder olhar Tuolock de cima para baixo, porém o degrau, entre ele sentado e ela em pé, era quase imperceptível. O Mestre era muito mais alto do que aparentava.
– Sejamos francos, Mestre! O senhor, assim como o Conselho, a ATI e vários outros tangens estão surpresos com o que uma humana despreparada, um lutador desprestigiado e um bando de meninos deslocados socialmente estão conseguindo fazer... Nestes últimos quinze dias, nós tivemos três missões bem sucedidas: evitamos que descobrissem um objeto tangen na Terra, descobrimos uma trama antiga de roubo de crianças e evitamos um desastre ambiental. Se formos pensar bem, a minha equipe é composta pelo melhor lutador de Tangen e meus alunos formam a equipe mais inteligente que Tangen já deve ter visto.
Olívia parou um pouco a fala e a caminhada para dar passagem a Tilinha, que passou correndo a sua frente para saltar no sofá. Ela acompanhou a menina com os olhos e o Mestre achou aquilo estranho. Ela tentou disfarçar, pois havia esquecido que o Mestre compreendia melhor do que ninguém os movimentos corporais. Porém ele nunca desconfiaria do que estava acontecendo ali. Mesmo assim, ela resolveu sentar. Olhou para Renus que continuava cabisbaixo, mas voltara a sentir orgulho da humana. Então ela cruzou os braços e olhou bem nos olhos do Mestre e disse:
– Eu sei que o senhor não me convidou para este encontro para me alertar sobre os perigos. Eu sei o real motivo deste encontro...
Tuolock a olhou desconfiado e não deu importância para o que ela havia acabado de falar.
– Eu a convidei para ter a certeza sobre algo que era apenas suspeita. Todos os seus gestos, o seu olhar, o seu tamanho, o cheiro de medo que você emana e até a dificuldade que você teve ao puxar a cadeira para sentar, tudo isto serviu para comprovar que você não passa de uma menina fraca e que nunca deveria ter sido trazida para Tangen.
Olívia ia interromper, mas ele se apressou em continuar:
– Foi um erro do Conselho e agora eu sei o porquê do guarda-costas ser esse aí. Por que o Conselho funciona assim: eles preferem viver pulando os buracos que eles cavam do que ter a coragem de tapá-los de vez.
A metáfora usada não foi algo compreensível para Olívia. Mas a parte do erro dela estar em Tangen, ela entendeu. Então querendo mostrar que também tinha alguma astúcia falou:
– Acho também que cometi um erro vindo a este encontro. Mas eu vim para conhecê-lo e com outro propósito também. – Houve um silêncio entre eles, Ela continuou: – Queria entender por que o Conselheiro Renus abandonou a sua Escola?
– Ele foi convidado a se retirar! – Explicou o Mestre rapidamente.
E então Olívia dirigiu a conversa para um caminho inesperado:
– Pois eu tenho um pedido a lhe fazer! – Disse ela. E para surpresa de todos, ela improvisou o pedido na hora: – Eu gostaria que o senhor voltasse a treinar o Conselheiro Renus em Deserto Plano! Pois eu acho que o senhor já percebeu que "se precipitou em expulsá-lo".
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