O caso dos Cravos

Renus não levou 20 segundos para surgir em sua frente. Ela permanecia parada na porta com o mesmo ar de assombro. E antes que ele perguntasse algo, ela abriu a porta, dizendo:

– Desligaram o sistema de segurança e entraram na minha casa...

Ele tomou a dianteira, entrou na casa e teve a mesma surpresa que ela ao chegar. Havia cravos de todas as cores, por todas as partes da pequena casa. Cerca de vinte pequenos buquês lindamente compostos misturando as três cores da flor: branco, vermelho e rosa. Com certeza todas as flores furtadas mais cedo no depósito da floricultura central estavam lá.

– Alguma ideia de quem fez isto? – Perguntou ele com alguma esperança de resolver o mistério.

– Nenhuma! – Ela disse, enquanto uma confusão de pensamentos simultâneos passava por sua cabeça. O que predominou foi que ela agora estava envolvida em um roubo, mesmo que não fosse nem a ladra e nem a vítima, o fruto do roubo estava em sua casa.

Renus permaneceu em silêncio por algum tempo, circulando lentamente à procura de algo além dos cravos. Ela quis dizer algo, e ele rapidamente mandou que ela não falasse. Foi até a porta e verificou algo no sistema de segurança, religando-o. Deu outra volta na sala, desta vez olhando os pertences de Olívia. Abriu armários, e ela teve a leve impressão de que aquela segunda volta pela casa era mais uma atitude bisbilhoteira do que parte da investigação. Ele parou diante da poltrona e, pegando um livro muito antigo da História de Tangen, volume I, perguntou:

– Ainda não passou do volume I?

Ela fez que sim com a cabeça, fazendo de conta que não havia entendido a provocação, pois sabia que a edição completa contava de doze volumes.

– Olhe por aí e me diga se tem algo faltando. – Disse ele.

Ela olhou muito rápido, pois não tinha muitas coisas. Estava tudo como havia deixado antes de sair de casa. Quem entrou, apenas se preocupou em colocar as flores espalhadas da maneira mais bonita para causar boa impressão quando ela entrasse.

– E então? O que o senhor acha? – disse Olívia bastante preocupada com a situação.

Vendo que Olívia estava nervosa, ele pediu que ela sentasse na poltrona. Ele retirou um dos buquês que estava ocupando uma das cadeiras e sentou também, dando a entender que a conversa seria longa:

– Eu acho que você tem um admirador em Tangen.

Olívia nunca tivera um admirador em toda a sua vida; não era popular, não despertava atenção, embora fosse bonita e inteligente. Os dois únicos namorados que teve, terminaram com ela. Um por seu "gênio forte"; outro por não entender direito as coisas sobre as quais ela falava. Ela acostumara-se a ser sozinha e a evitar relacionamentos. Por isto, ela nem sabia como reagir a tal afirmação. Ficou encabulada e quis encontrar outra alternativa, explicando:

– O senhor me perdoe, mas eu não sou o tipo que desperta tanta admiração...

Renus não conseguiu conter o sorriso. Ela achou que ele estava concordando com ela, porém ele pensava em outras coisas: no jeito franco como ela disse aquilo e em quanto eles tinham algo em comum, pois aquela afirmação caberia para ele próprio. Ela completou o pensamento:

– O senhor não acha que alguém possa estar querendo me incriminar? Afinal faltam apenas dois dias para minha equipe partir, e envolver-me num crime não é coisa muito inteligente... de alguém que me admira.

– Eu disse que acho que você tem um admirador. Não disse que ele seja muito inteligente...

Ela quis rir, mas a risada se transformou em um choro nervoso. As lágrimas explodiam dos olhos e corriam pelas faces. Era a expressão de medo, ansiedade, dúvida, tristeza e insegurança, que ela tentara esconder dele momentos antes no prédio do Conselho. Ele não entendia direito o que estava acontecendo, e como qualquer outro tangen, não sabia como agir diante do que eles acreditavam ser demonstração de fraqueza – por isto aprendiam a conter e evitar, até mesmo presenciar, este transbordamento de emoções. Para alguns tangens esta seria uma cena insuportável; para o Conselheiro Renus, era a comprovação de que Olívia era frágil e emotiva demais para aguentar a responsabilidade que estavam lhe dando.

– Eu vou esperar você se acalmar para poder conversar. – Disse ele sem demonstrar muita sensibilidade. Porém ele estava comovido e sem saber direito o que fazer. Tentando aparentar calma, ele levantou e buscou um copo de água para ela. Ao final de toda a água, Olívia estava mais calma.

– Desculpa! – Disse ela dando a deixa para continuarem o assunto que o trouxe ali.

– Eu vou explicar o meu ponto de vista sobre este furto. A princípio, ao ver a porta aberta, nós pensamos que entraram em sua casa desligando o sistema de segurança... O sistema ainda guardou na memória a hora do desligamento. Foi um pouco antes de você chegar para a reunião do Conselho. Só que o sistema deveria ter gravado na memória quem esteve à porta, quem chegou antes de ele ser desligado. Pois você sabe, ele sempre anuncia quem chega dois metros perto de sua casa. Acontece que não existe memória disso. Verifiquei e ninguém se aproximou de sua casa neste horário. O que me leva a crer que não entraram pela porta – desligaram já dentro da casa. Então quem entrou aqui, muito provavelmente transportou-se diretamente para dentro de sua casa e depois desligou o sistema. A outra possibilidade é que tenha sido alguém que saiba como apagar a memória no sistema. Alguém que saiba muito sobre esta tecnologia, que é bem guardada pelos agentes de segurança de Tangen. Compreende?

Olívia fez que sim com a cabeça. Ele continuou:

– Eu afirmo que não se trata de uma sabotagem ou alguém que queira prejudicá-la, pois existiriam muitos outros meios de colocá-la em situações terríveis... E furto de flores... Não. Não. Ninguém seria tão idiota. Acho que foi algo espontâneo, sem pensar, de um admirador. E ele quer permanecer secreto, pois não deixou nenhum rastro ao pegar as flores no depósito e nem aqui. E o mais importante, não deixou qualquer cartão ou algo escrito para você saber quem ele seja. Definitivamente, ele quer permanecer secreto.

Desta vez, ele nem precisou perguntar se ela compreendia, para que ela concordasse com a cabeça, compactuando com a linha de raciocínio que o Conselheiro estava seguindo.

– Porém ele lhe deixou uma mensagem...

– Mensagem? – Perguntou ela desconfiada.

– Estas flores, os cravos, são flores muito antigas em nosso mundo. Se você tivesse chegado ao volume II da história de nosso mundo, você saberia que os primeiros Mestres eram peregrinos e percorriam as pequenas vilas e cidades selecionando seus alunos e ensinando. Com o tempo, esta prática foi proibida, e lhes foram dados lugares específicos para construir e fixar suas escolas. Todos os Mestres vieram para a cidade para uma grande reunião, registraram suas escolas e escolheram seus novos lares. No dia em que os Mestres partiram, a cidade toda se reuniu para a despedida, e todos os viajantes, mestres e alunos foram presenteados com... Será que você consegue adivinhar?

– Cravos?

– Exatamente! Os cravos ficaram, assim, como símbolo de "boa sorte". Quem fez esta brincadeira também conhece esta história. E, penso eu, achou uma forma divertida e inconsequente de te desejar boa sorte na expedição a Terra. – Disse isto de um jeito incomum, deixando Olívia na dúvida se isto era um elogio ou uma crítica negativa ao ato. – Então se você achar importante entrar no jogo de adivinhação de seu admirador, você deve pensar em alguém que conhece história e que esteja feliz com a ideia do Programa, sabe desativar sistemas ou conhece muito bem sistemas de segurança e que talvez consiga transportar-se no espaço. E que não estava com você neste horário. Você conhece alguém assim?

– Acho que poucos tangens que eu conheci nestes últimos dias poderiam caber nesta descrição. Mas como eu já disse ao senhor, não creio ter despertado admiração por nenhum deles. – Disse isto e baixou os olhos para ele não perceber que, para ela, quem melhor se encaixava neste perfil era ele mesmo.

– E poderia ser alguém que você não conhece... E também alguém que não seja de Tangen...

– O que o senhor quer dizer com isto? – perguntou ela sem entender.

– Poderia ser um anjo, menina! – disse ele como quem estivesse pensando nisto desde o princípio e apenas esperava a hora certa para introduzir o pensamento quase conclusivo. – Ou você já esqueceu do seu amigo "árvore" do outro dia?

Ela falou:

– O senhor não acha que a minha vida já está complicada demais sem anjos? Eu realmente preciso me preocupar com um ser onipresente, brincando de esconde-esconde?

Ele não sabia o que era esconde-esconde, mas deduziu pela situação. Olívia começava a tremer novamente, e ele percebeu que logo, logo ela voltaria a explodir. E embora Renus fosse, na maioria das vezes, um tangen rude, ele estava sentindo pena da humana. Ela fora submetida a tantas mudanças e a tantas situações diferentes em tão pouco tempo... Para tranquilizá-la, ele disse:

– Não. Não se preocupe, pois seja lá quem te mandou estas flores, é com certeza, alguém que gosta de você.

– Mas que me causou um grande problema... – disse ela pensando em toda a energia que teria que gastar para explicar a situação aos Conselheiros. – Depois desta brincadeira, os Conselheiros não vão me deixar partir... Com certeza...

– E você quer muito ir? – perguntou ele.

– Eu não tenho mais para onde ir, Conselheiro! O senhor não entenderia... Como voltar a ter uma vida normal como humana, depois de ter conhecido o seu mundo?

O Conselheiro Renus conseguiu entender perfeitamente e, para surpresa de Olívia, ele falou:

– Se você concordar, nós iremos dar fim a todas estas flores e ninguém irá saber que elas vieram parar aqui!

Quando o Conselheiro foi embora – após triturarem algumas flores para serem lançadas no lixo e colocarem outras tantas em dois grandes sacos que ele iria levar para um lugar deserto – Olívia ficou pensando que estava certa em seu julgamento: ele era bom. Não muito simpático, mas bom.

Ele partiu prevendo que aquela humana ainda teria muitos outros problemas. E embora não admitisse, ele gostava de ajudar quem estava com problemas. Era para isto que servia a escola de Deserto Plano: formar os alunos para salvar, defender e ajudar quem estivesse em perigo.

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