O caso das vacas
Turio e Renus preferiram ficar no sítio, mas todos os outros quiseram aproveitar o domingo para passear. Jorge e Julia receberam o grupo com a alegria de sempre. Eles haviam acabado de chegar da missa dominical. Com eles, estava o padre da igreja local, Padre José, o veterinário Pedro e Sofia.
Julia convidou a todos para sentarem numa grande mesa redonda na varanda. Logo em seguida ela e Sofia vieram de dentro da casa com bandejas cheias de petiscos e jarras de suco de uva. Olívia foi quem iniciou o assunto da pesquisa. Mesmo não sendo a especialista, ela achou que iria expor o assunto de maneira mais simples e descomplicada, já que Noro e Aurosa tinham vícios de linguagem científica, além, é claro, conhecimentos muito além da ciência terrestre atual. Eles poderiam citar algo que levantaria suspeitas. Então ela tentou simplificar as explicações. Todos ouviram e ficaram maravilhados com o resultado e as soluções. Para surpresa do grupo, ao final da explicação, Jorge falou:
– Dos males, o menor! Não é, Padre? – Disse ele, procurando cumplicidade no padre: – não vou perder minhas vaquinhas... E graças a estes anjos que caíram do céu aqui na minha fazenda!
Jorge, que quase sempre tinha frustrada suas tentativas de ser engraçado, não esperava que o grupo risse de suas palavras para o padre. Para eles era impossível não pensar o quão perto da verdade o fazendeiro chegou. Apenas Aurosa sentiu-se visivelmente ofendida por ser confundida com um anjo, mas conteve qualquer comentário.
Pedro estava sério e nem prestou atenção ao que o amigo falou. Ele que estivera lendo o resultado da pesquisa, se fechou em algum pensamento e não demorou a chamar Jorge para uma conversa particular. Jorge voltou pensativo para a varanda. Naitan foi o único que percebeu e assim que pode perguntou quase num sussurro para Jorge:
– Algum problema, Jorge?
O fazendeiro abatido, mas como sempre franco e direto, disse:
– Meninos, eu sei que isto não é um problema de vocês, mas eu gostaria de lhes mostrar algo.
Todos, incluindo o padre, os seguiram por um longo caminho entre a varanda e um depósito. Pedro destrancou um cadeado e abriu uma enorme porta. Entrou seguido de todos, indo ao fundo do galpão. Empilhados em dois metros quadrados, estavam cerca de 30 sacos de fertilizante.
Noro puxou um deles e Aurosa leu a embalagem e falou:
– Fiquem tranquilos, não é o mesmo composto que poluiu o terreno.
O silêncio foi geral. Naitan foi quem explicou:
– Mas foi este o fertilizante usado, não foi, Jorge?
Jorge confirmou. E Lália não perdeu a oportunidade de dizer mais uma vez a Aurosa:
– Você precisa parar de acreditar em tudo que lê!
O padre José virou para Pedro e perguntou:
– Este não é o fertilizante que os filhos do Fabiano estão vendendo?
– Sim. – Confirmou Pedro. – E eles estão vendendo para várias fazendas locais.
– Estes malandros estão vendendo gato por lebre! – falou Jorge realmente bravo.
Não levou meia hora para o Delegado Lopes chegar à fazenda. O assunto era delicado e Olívia e seus alunos pensaram em ir embora, já que não haviam previsto algo daquela dimensão quando se ofereceram para tratar vacas doentes. Porém Jorge pediu que eles ficassem. Olívia e Naitan não puderam deixar de achar a situação engraçada ao verem o delegado Lopes e Noro conversando seriamente sobre produtos químicos. Naquele dia de bebedeira de Noro, eles nunca iriam imaginar uma possível parceria entre os dois. O delegado pediu que Noro os acompanhasse até a casa do velho Fabiano, onde seus filhos mantinham a fábrica de fertilizantes. Olívia não quis deixá-lo sozinho nesta situação, e disse:
– Se vai um, vão todos, Delegado! Sou responsável por eles.
– Não haverá perigo, professora! Os filhos de Fabiano podem ser desmiolados, mas não são violentos. – Falou o padre.
O padre José não fazia ideia de quem eram e no que estavam metidos os três filhos do Fabiano. O próprio Fabiano, já um homem velho e cansado, conhecido na comunidade pelo jeito ermitão de vida, há muito tempo deixara de intervir nas atividades de seus filhos.
Quando o Delegado Lopes, Pedro, Jorge e o grupo de alunos de Olívia chegaram ao sítio do velho, eles não foram muito bem recebidos. O velho estranhou a visita e o delegado falou:
– Nós só queremos dar uma olhada no sítio e na fábrica de fertilizantes.
– Por quê? – perguntou Fabiano.
– Houve uma denúncia sobre seus filhos estarem lidando com produtos tóxicos... – Tentou explicar sinceramente o delegado.
O velho fechou a cara e falou olhando para Jorge:
– Esta denúncia veio de algum fazendeiro rico? Eu sou só um velho sitiante. Meus filhos me ajudam na lavoura... São bons meninos.
Nem acabou de falar, todos viram uma nuvem de fumaça saindo de uma pequena cabana que ficava a cem metros da casa.
Naitan falou para Olívia:
– Eles estão tentando queimar as provas!
Aurosa ouviu e falou imediatamente:
– Estes químicos podem causar um grande dano ao ambiente.
Mas ninguém pensou em danos ao ambiente, quando um dos filhos de Fabiano apareceu gritando:
– O Luciano está preso lá dentro!
As diferenças foram deixadas de lado e todos saíram correndo tentando pegar baldes, panelas, mangueiras e o que fosse possível para apagar o fogo. Pedro e o Delegado tentaram abrir a porta, mas Luciano havia a trancada por dentro. Eles chamaram por seu nome, mas ele não respondia. O cheiro de plástico queimado e a fumaça densa atrapalhavam a operação de resgate.
Olívia lamentou não ter aquelas máscaras dos tangens. Porém mesmo se as tivesse, ela não poderia usar na frente de todos. Ela acabou lembrando daquele dia em que viu Renus pela primeira vez no alto da escada da escola tirando os alunos da fumaça tóxica. Num impulso, ela correu até a caminhonete e já dentro do carro, ligou para Renus.
– Conselheiro, peça a Turio para dar as minhas coordenadas e tente vir o mais rápido, por favor!
Em menos de um minuto, Renus estava na caminhonete com Olívia.
– Tem um homem lá dentro... O senhor saberia tirá-lo de lá sem ser visto?
Renus analisou a cena, pegou o extintor de incêndio do carro e deu à Olívia, agarrou a sua mão e no mesmo instante, os dois estavam atrás da cabana.
Com um movimento preciso das pernas, ele pulou e quebrou duas tábuas da cabana e arrancou-as com as mãos. Tirou o extintor de Olívia e num piscar de olhos escorregou pela abertura, espalhando espuma para apagar o fogo mais próximo.
– Puxe! – Disse ele, ao passar meio corpo do homem pela abertura.
Ela fez como ele pediu e, enganchando as mãos nas axilas do homem, o puxou para fora da cabana. Renus saiu logo depois, somente para olhar para Olívia. Desta vez, não com aquela expressão de reprovação, mas com outra bastante diferente: de cumplicidade e satisfação. Ele desapareceu no mesmo momento que Lália e Naitan dobraram a esquina da cabana, desconfiados que Olívia tivesse ido para lá. Eles olharam o homem inconsciente caído no chão sem entender. Olívia disse:
– Renus!
E eles entenderam.
Ninguém perguntou como eles tiraram o homem de lá quando viram Naitan o trazendo nas costas.
Pedro e Aurosa cuidaram do homem desacordado. Ele ficaria bem. Estava com algumas queimaduras nos braços e havia inalado muita fumaça: alguns dias em tratamento e ele estaria recuperado.
– Acho que Jorge tem certa razão quando os compara a anjos... – Disse o padre José à Olívia e Naitan, que desta vez não riram. – Luciano tem dois filhos pequenos. Vocês evitaram que eles ficassem órfãos.
Olívia voltou ao sítio pensando que a importância que o padre dera ao salvamento era totalmente pertinente a tudo que ela havia passado na semana: tudo o que ela fizera nos últimos dias tinha alguma relação final com a felicidade das crianças.
Assim que ela sentou no sofá, retirou as botas e relaxou o corpo. Os outros fizeram o mesmo. Estavam todos exaustos. Turio já esperava para saber o desfecho da história. Ela contou tudo o que havia acontecido desde que eles chegaram à fazenda. E concluiu:
– Estes três filhos de Fabiano, eles acabaram confessando que compraram um lote de fertilizante que havia sido retirado do mercado por ser altamente tóxico. Eles compraram por um quarto do valor e estavam reembalando o mesmo produto, com outro nome e com as indicações falsas dos componentes na embalagem.
– Qual a pena para este delito na Terra? – Perguntou Naitan.
– Acho que multa e talvez reclusão de poucos anos. Mas, pelo que entendi, o único fazendeiro que aplicou o fertilizante foi Jorge. Os outros estavam esperando fazer a colheita deste ano para depois preparar o solo. Se Jorge não prestar queixa, e parece que ele não o fará, o delegado Lopes talvez libere os três. Parece que eles não tinham muita noção do que estavam fazendo e, como o padre falou, são mais desmiolados do que criminosos. – Explicou Olívia.
"Mais sorte do que juízo", Olívia lembrou as palavras de Renus. O Conselheiro atravessou a sala rumo à porta para a rua. Olívia saltou do sofá e o alcançou na varanda.
– Conselheiro! – Chamou ela. – O senhor soube do desfecho da história?
– Eu ouvi você contar. – Respondeu ele, querendo se desvencilhar do que viria a seguir.
– Eu queria lhe agradecer... O senhor salvou aquele homem... O padre disse que ele tem filhos para criar...
– Você fez bem em me chamar. Eu achei que você e os pirralhos estavam em perigo, como sempre...
Olívia não quis brigar desta vez. Ele havia sido um herói.
– Eu só queria lhe dizer que hoje você foi um herói. Eu e os pirralhos sabemos que o senhor é bom. Bom, não. O melhor! Obrigada por estar aqui com o grupo.
Renus a olhou como quem já estivesse cansando dos elogios.
– O senhor está indo aonde? – Perguntou ela.
– Caminhar sozinho! – Disse ele, cortando toda possibilidade de companhia.
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