O anjo do Templo
O anjo do Templo
Turio ficou ressabiado com aquela intromissão, mas tentou não demonstrar medo ou apreensão, mesmo percebendo que estava falando com um anjo.
O anjo olhou fixo e com um sorriso singelo para Olívia, que parecia distraída tentando reparar nos detalhes das esculturas. Pelo interesse do anjo por sua professora, o aluno nerd compreendeu que o velho anjo sabia de sua condição humana.
– E o senhor, qual o senhor prefere? – Perguntou Turio.
– Ah! Eu sei da importância de todos. Mas se fosse para escolher um, eu escolheria o guerreiro que planta. – Disse ele apontando para a escultura de um anjo levemente curvado que fazia um movimento com a mão semeando o chão.
Turio relaxou vendo que a escolha do anjo era pelo anjo que semeia e mata a fome. E então Olívia achou o seu preferido:
– São todos lindos! Eu estou encantada... Mas este aqui, este é o que eu gosto mais. – Disse ela.
Turio e o anjo precisaram virar para ver que Olívia escolhera uma escultura do anjo que fora esculpido em um movimento de rodopio com um anjinho criança em seus braços. Os pés mal tocavam o chão e o movimento de seu corpo se percebia pelo impulso que jogava a criança pelo ar. Além disso, ele tinha outro anjinho sentado em seus ombros, despenteando seus cabelos. Todos felizes, inclusive o anjo adulto. Ela completou o pensamento:
– Só não faz muito sentido... Lutar com crianças... como armas. – Disse ela rindo.
Para tranquilidade de Turio, que estava um pouco preocupado com a possibilidade de Olívia arrumar alguma encrenca falando espontaneamente sobre anjos, o velho também achou engraçado:
– Se eles resolverem chorar juntos, talvez seja uma arma poderosa. – Disse o velho dando muita risada da própria piada. E continuou:
– A alegria inocente das crianças é também considerada uma arma, ou até mesmo uma armadura, contra a infelicidade. Quem é feliz não odeia, não faz guerras... Vocês não acham?
– É, sim. – Disse Olívia, lembrando das muitas vezes em que conseguiu fazer sua mãe sorrir apenas por lhe ver brincando feliz, e também das crianças com quem conviveu, que muitas vezes eram tristes pelos mais diversos motivos, mas quando resolviam os problemas e voltavam a agir como crianças, curiosas e com pensamentos simples, ricas em fantasia e imaginação, isto acabava com seu mau humor. Vê-las feliz era contagiante, e, na verdade, Olívia sabia que seu trabalho com aquelas crianças era algo muito mais benéfico para ela do que para as próprias crianças.
– Parece-me que vocês dois já escolheram suas guerras e suas armas. E eu fico contente em ver assegurada uma geração de jovens que você irá tirar da ignorância, menino – disse o velho, olhando para Turio – e contente em saber que você, menina, lutará pela alegria das crianças. – Concluiu o velho sorrindo para Olívia. – Bela dupla, vocês dois! – Disse já de partida, virando-se e deixando os dois verem suas asas recolhidas às costas.
Olívia e Turio saíram do Templo em silêncio e tão rápido quanto entraram. Só já bem longe é que voltaram a falar.
– E então? Satisfeita? – Disse Turio. – Vai parar de pedir para ver anjos, agora?
– Feliz! Muito feliz, Turio! E você viu? Encontramos um anjo bem legal... Nada de anjo mau... Não vamos contar aos outros, certo?
– Agora somos cúmplices... "Bela dupla, vocês dois!" – Disse ele, imitando o velho e fazendo-a rir.
Os dois ainda estavam rindo muito, quando Mirus e Renus surgiram a sua frente. Ao contrário deles, os dois conselheiros pareciam estar tratando de algum assunto sério. Mirus, vendo que estavam felizes, disse:
– Pela felicidade dos dois, deve estar tudo certo para a viagem!
– Sim, Mirus! – Confirmou Olívia, espiando discretamente a reação do Conselheiro Renus ao vê-lo pela primeira vez depois do episódio dos cravos.
Ele olhava fixo para Turio, como que querendo ver além.
– Vocês estavam fazendo o quê? – Perguntou Mirus, adivinhando o que Renus queria saber.
– Estávamos indo para o refeitório encontrar os outros, Conselheiro. – Respondeu sabiamente Turio, pois sabia que Olívia iria se enrolar numa resposta e entregar que eles estavam vindo do Templo.
Mirus não percebeu que a resposta havia sido para escamotear algo, mas Renus desconfiou. E teve certeza quando olhou diretamente para Olívia e ela desviou o olhar, retomando a caminhada lentamente, não querendo continuar a conversa. Mesmo assim Mirus ainda falou antes de deixá-los apressar o passo:
– Não esqueçam que Niela e Olita estão preparando uma festa de despedida para vocês amanhã...
No outro dia, Noro chegou um pouco mais cedo na sala de aula e encontrou Naitan concentrado em algo. Enquanto ele espalhava alguns livros pela mesa, dando a entender que ficaria pesquisando sobre tipos de argilas, ele falou:
– À tarde teremos a despedida do Conselho. – Querendo puxar algum assunto. Não sei se a Olívia e os outros estão lembrando...
– Estão sim. Eles falaram sobre isto na janta ontem. Acho que você chegou depois. – Falou Naitan sem tirar os olhos da tela e daquilo que o mantinha entretido.
– É, eu cheguei depois de todos, pois aconteceu uma coisa... e eu quis conferir... – Disse ele, como que querendo contar algo, mas com receio de iniciar o assunto. Naitan entendeu e perguntou:
– O quê?
Sem saber se era correto contar, ele falou:
– Não sei se deveria comentar isto, mas é que não sei se devo me preocupar. E desde ontem estou pensando...
– Fala logo! Pode confiar em mim para dar uma opinião. – Falou Naitan, seguro de que era bom para resolver dúvidas.
– Está bem! Veja o que você acha. Ontem eu vinha pela rua e vi a minha frente Olívia e Turio chegando juntos. Eles vieram um bom pedaço rindo e conversando. Eu ia dar uma corrida para alcançá-los, mas notei que eles estavam muito próximos, falavam baixo... Senti algo diferente no jeito deles... – Ao falar isto, Noro também deu uma baixada na voz e diminuiu o ritmo da fala. Naitan tirou os olhos da tela para olhar o colega. Noro continuou:
– Quando eles chegaram aqui no refeitório, Olívia entrou direto, e Turio ficou esperando parado no pátio. Ele procurou o lugar mais escuro com intenção de se esconder. Eu me mantive a distância e fiquei observando. Ele ficou encostado em uma árvore, olhando as estrelas, por uns dez minutos. E então, entrou pela mesma porta que Olívia entrara. Tive a nítida impressão de que isto só aconteceu por que os dois não queriam chegar juntos ao refeitório.
– Se tivessem chegado juntos, talvez nós tivéssemos perguntado onde eles estavam e fazendo o quê... – Disse Naitan. – Eles não quiseram isto.
– Exatamente! E por quê? Parece que estão escondendo algo, não? – Quis saber Noro.
– Sim. E estavam... – afirmou o amigo com toda certeza. – Se eu te falar que sei o porquê deles agirem assim e que não é nada importante, coisa até sem graça... Você ficaria mais tranquilo?
– Sim... Eles te contaram? E eu não posso saber também? – Perguntou Noro, achando que ele era o único que tinha ficado de fora de algum segredo.
– Não, Noro. Eles não me contaram. Eu desconfiei também... – Falou Naitan, achando que já estava dando detalhes demais sobre como descobrira que Olívia e Turio haviam estado no Templo. – Vou te contar outro segredo... Quer saber?
– Sim. – Disse Noro.
– Eu sou bom em descobrir segredos! – Disse Naitan num tom de brincadeira, porém completou num tom mais sério: – Não tente esconder algo de mim. – Deixando Noro na dúvida se ele estava apenas se gabando ou insinuando algo.
– Todos nós temos segredos. – Disse Noro na defensiva.
– Claro que temos! E eu acho que devemos manter estes segredo para não prejudicar os outros, para não expor um amigo, para não prejudicar o Projeto e por muitos outros motivos. E você já deve ter percebido que Turio e Olívia são de confiança. Então deixa de lado, pois o que eles fizeram é algo realmente bobo. – Aconselhou Naitan, fazendo Noro realmente ficar mais tranquilo sobre o assunto.
– O que tem Olívia? O que é bobo? – perguntou Lália que entrava na sala sem entender o final da conversa, somente captando as últimas palavras.
– Estávamos falando da festa de hoje... – Disse Noro.
– Quero mostrar algo bobo... que pensei em fazermos para Olívia... – completou Naitan.
Lália e Noro chegaram perto da tela em que Naitan estivera trabalhando e gostaram do que viram:
– Eu desenhei uma roupa tangen de festa para ela... Para darmos a ela... para a festa de hoje. Você imprime, Lália? – Disse Naitan.
– Me passa, e já vou providenciar... – Respondeu Lália eficiente, como sempre.
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