Novas Identidades
Os dias seguintes acabaram unindo o grupo. Olívia demonstrava liderança nos assuntos humanos, porém também aprendia muito com todos eles sobre os assuntos de Tangen.
Lália acabou substituindo Aurosa no cargo de assistente, ou melhor, ela assumiu a posição de monitora da turma. Tudo o que Olívia precisava, ela tratava de conseguir. Sugeria melhor aproveitamento das horas, dos estudos, distribuía material e equipamentos. A ponto de Turio, o responsável por toda a parafernália tecnológica, dirigir-se diretamente a ela para pedir qualquer peça de reposição do equipamento; e de Aurosa pedir-lhe a providência de uma dieta especial, reforçada em certas vitaminas para a equipe – coisa que ela conseguiu, sem problemas, junto aos cozinheiros da escola.
Então, a partir de certo momento, a equipe recebeu novos lugares no refeitório e um cardápio adaptado às necessidades. Quando iam para o refeitório, sentavam todos juntos, comiam quase as mesmas coisas e conversavam muito, para espanto dos outros alunos da escola, sempre silenciosos.
Certa vez, no café da manhã, Noro e Aurosa entraram juntos no refeitório e ouviram alguém dizer: "Chegaram os humanos!". Acharam graça, mesmo que a intenção tenha sido de ofensa. Isto fez Olívia pensar em algo que a preocupava: – Será que eles querem mesmo se parecer com humanos? – Primeiramente isto exigiria deles uma mudança na aparência e, depois, uma mais profunda: no jeito de pensar, agir e reagir. A escola não havia até aquele momento preparado os alunos para aquelas mudanças, ela precisaria fazer isto.
Olívia pensou em começar pela aparência. Ao falar com Mirus, eles resolveram que voltariam à Terra juntos para as primeiras compras. Mirus vestiu-se adequadamente, ou quase assim; enquanto Olívia pensava onde iriam. Ela apontou uma rua central de Madrid no mapa da Terra e disse:
– É aqui que vamos!
Mirus pegou a sua mão e no momento seguinte estavam os dois na Espanha, em frente a uma grande loja de departamentos. Foi a primeira experiência que Olívia teve com a "fonte" de dinheiro que Mirus lhe garantiu: um cartão de crédito em seu nome e com muito dinheiro disponível. Antes de irem às compras, ela quis testar o cartão, ou melhor, a honestidade dos tangens nos negócios:
– Primeiro vamos tomar um café! – Ela disse, lembrando o desejo que ele confessou no primeiro encontro que tiveram.
Ele ficou tão feliz com o convite; sentiu-se como personagem importante dos livros de ficção que havia lido. E mais satisfeito ao saber que café era servido quente, igual à bebida que ainda tomava o povo de uma região de Tangen. Ao saírem, o cartão funcionou perfeitamente. A senha escolhida por ele era a data terrestre em que eles se conheceram.
– Quando você me disse que era um tangen, uma das coisas que me fizeram acreditar foi seu jeito de se vestir tentando parecer humano. Eu imagino que você estudou muito o seu "figurino", porém você mistura roupas de estilos e de épocas que não têm nada a ver. Hoje eu vou escolher roupas e acessórios para você e para os alunos, dentro daquilo que parece representar melhor o estilo humano de cada um.
Ela pegava roupas dos cabides e usava Mirus como parâmetro das alturas e larguras de seus alunos. Ele se divertia com tudo; mesmo quando ela aproximava e conferia nele o comprimento de vestidos ainda com cabides.
Mirus saiu da loja vestido elegantemente com um terno, camisa e calça combinando, uma gravata vermelha e uma capa de gabardine por cima de tudo, parecendo um alto executivo internacional. Quando ela falou que ele estava lindo – ele ficou muito mais sem jeito do que já era. Os tangens não sabiam reagir a elogios.
No outro dia, quando Olívia entrou na sala de aula carregando cinco sacolas enormes e disse: – Vamos brincar de desfile de moda! –, a turma reagiu como se fossem crianças. Ficaram eufóricos. Ela não imaginava que fosse causar tamanha alegria – mas eles estavam mesmo ansiosos para saber o que ela havia pensado de cada um para compor as roupas.
Naquele dia, ela descobriu outra coisa sobre os tangens: eles não tinham pudor de nudez. Trocaram as roupas uns na frente dos outros, como se estivesse nos bastidores de um grupo teatral ou no vestiário de uma equipe de esporte.
Distribuídas as sacolas, ela precisou se virar em cinco para explicar como abrir e fechar, amarrar, abotoar as roupas; qual era a frente e quais eram as costas das peças, além de outras dificuldades que crianças têm quando começam a aprender a se vestir.
O mais engraçado foi a reação às etiquetas das roupas. Noro insistia em colocar uma camiseta pelo avesso, pois achou que a etiqueta deveria ser colocada para fora. Ele veio com uma teoria de que a etiqueta servia para pendurar alguma coisa na roupa. Olívia teve que parar a prova do figurino para dar uma rápida aula sobre indústria e confecções, grifes e mercado da moda.
Todos prontos, eles começaram o desfile.
Ela narrou:
– Escolhi para Lália roupas modernas e práticas. Por isto, ela está usando calça curta; blusa com estampa de banda de rock e tênis. Uma jaqueta de couro sintético com detalhes em tom de rosa claro, para contrastar com seus cabelos claros.
– Turio, sempre discreto e minucioso aos detalhes, usa calça jeans desbotada dobrada na barra; blusa básica e camisa xadrez por cima, tênis de botinha. E para dar um toque intelectual: óculos de aro preto.
– Noro, o nosso esportista, veste calça e moleton combinando, camisa básica e tênis de corrida. Se ele for fazer esportes ao sol: um boné. Por baixo de tudo, sunga de natação.
Noro abaixou a calça para mostrar a sunga azul escura.
– Aurosa, delicada e clássica, usa vestido com estampa discretamente florida. Afinal, ela é nossa botânica também! Ela usa sapatilhas baixas para não ganhar mais altura. E por cima do vestido, um delicado casaco de linha.
– E por último, Naitan, nosso historiador e músico despojado das convenções, usa jeans tradicional, sapato-tênis de couro, camiseta escura e um casaco preto comprido.
Todos acharam que suas caracterizações estavam, dentro dos limites, corretas. Mas estranharam os tecidos, principalmente por que as roupas que eles usavam eram muito confortáveis. Algum tipo de tecnologia em Tangen conseguia um resultado maravilhoso para materiais de vestimentas. Turio havia sugerido que eles confeccionassem suas próprias roupas, a partir daquelas ideias. Mostrou a Olívia como eles faziam quando queriam algo fora dos padrões disponibilizados pelas escolas e centros de distribuições. Com um equipamento, eles desenhavam o que queriam, e a roupa era estampada e impressa em minutos. A própria máquina cortava e colava os modelos – pois não havia a necessidade de costuras com linhas. Porém o material era muito diferente de um tecido, e Olívia convenceu a todos de que aquilo poderia causar problemas, caso caísse na mão de algum humano que quisesse saber de onde vinha tal material. Eles foram instruídos, assim como Olívia fora também, a não levar nada de uso pessoal de Tangen para a Terra. Ficou combinado que eles levariam apenas equipamentos de pesquisa necessários, e que isto ficaria restrito a uma sala trancada a sete chaves, para que nenhum humano tivesse acesso.
Aquelas eram apenas as primeiras roupas do grupo. Todos ganharam peças básicas de calças jeans, camisetas, pijamas etc para os primeiros dias. Cada um ganhou também uma pequena mala. Chegariam na Terra como viajantes comuns, com mala, celular, carteira com algum dinheiro e passaporte. E esta foi outra parte importante. Eles precisavam de identidades. Inventar estas identidades foi outra diversão, já que eles não tinham sobrenomes. Mirus e Olívia optaram por colocar como sobrenome de cada um o local de suas escolas em idiomas terrestres. Então Aurosa passou a ser Aurosa Campos; Turio Bergman, Naitan Gardener; Lália Montes e Noro Rivier.
Olívia levou três dias para decidir que sobrenome iria usar, já que não queria voltar a Terra com o mesmo nome, pois se alguma coisa desse errado, ela poderia resgatar sua verdadeira identidade para seguir a vida. O nome surgiu de uma conversa enquanto voltava para a sua casa com Lália e Aurosa. Ela havia visto uma flor que lembrava a dália terrestre, com tantas cores contrastantes que a planta chamava a atenção em um pequeno jardim. Logo em seguida, havia uma casa com rosas vermelhas muito pequeninhas.
– Quantas flores diferentes vocês têm em Tangen!
Aurosa ficou contente em saber que a professora gostava de flores e Lália sabia exatamente o número de espécimes.
– A vegetação de Tangen não era muito variada quando os ancestrais chegaram aqui... Com o tempo, os Mestres da Natureza conseguiram multiplicar as espécies e hoje o número de flores é quase setenta por cento maior do que o número das plantas nativas.
– Eu adoro flores! Quero conhecer melhor as que existem aqui. – Falou a professora. – E se possível, encher o jardim de minha casa com flores de Tangen.
Lália comentou que ela não poderia levar flores para a Terra, e ela sorriu dizendo:
– Estava pensando na minha casa aqui em Tangen...
Olívia já era "de Tangen". E este foi o sobrenome que adotou: Olívia Tangen.
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