Na sala de consulta
A segunda aula era na "sala de consulta". Enquanto Olívia caminhava até lá, Aurosa ia explicando como proceder nesta aula: elas sentariam em mesas de quatro lugares, receberiam um assunto para pesquisa em grupo. Ao final da aula, cada grupo deveria entregar sua pesquisa. Aurosa fez o mesmo procedimento da aula anterior: ao entrar na sala, foi até a mesa em que estava a professora e apresentou Olívia. Desta vez, a professora somente deu um "seja bem-vinda" e pediu que as alunas escolhessem os grupos. Porém, antes de as duas se sentarem, ela anunciou:
– Bom dia, estudantes! Antes de começar a aula, eu gostaria de apresentá-los a nova estudante, Olívia. – E, direcionando o olhar para a humana que estava ainda em pé, seguindo Aurosa rumo a uma mesa, disse: – por favor, Olívia, apresente-se a turma!
Nem Aurosa, nem Mirus havia previsto esta situação tão precoce, de Olívia ter que ficar no centro das atenções de todos os alunos. A assistente, que tinha o rosto muito claro, ficou ainda mais pálida. Olívia, ao contrário, ficou completamente ruborizada – a mentira de ser aluna havia sido tão incorporada, que ela sentiu-se na pré-adolescência diante dos colegas.
– Meu nome é Olívia. Os meus amigos me chamam de Liv. – Disse ela, lembrando as apresentações sem graça das aulas de idiomas. – Eu fui aluna do Mestre da Natureza. Fui colega de Aurosa. Eu me inscrevi no programa, pois gostaria de estudar a infância na Terra... – Ela não encontrou mais nada para falar e nem precisava. Para a professora e a turma, ela só precisava ter dito seu nome e dado um bom dia. Ela comentou com Aurosa depois, que havia sido meio idiota, mas a assistente querendo mostrar solidariedade, disse não concordar: – você foi bem, dentro das circunstâncias...
Ao procurarem lugar para sentar, as duas tiveram uma nova surpresa: todos os alunos já estavam sentados em grupos de quatro. Apenas duas mesas estavam com lugares vagos, porém elas teriam que sentar separadas. Não deveriam causar problemas pedindo para que algum colega trocasse de lugar. Enquanto Aurosa travou frente ao impasse, Olívia mostrou liderança pela primeira vez e foi sentar-se junto ao grupo em que estava Noro. Ao aproximar-se da mesa, ela sentiu no olhar do colega uma ponta de meiguice pela escolha. Junto de Noro, estavam uma aluna que parecia bem mais nova, chamada Meira, e um aluno que, ao contrário, parecia mais velho do que Olívia. Foi ele quem falou primeiro:
– Seja bem vinda, Liv! Eu sou Naitan. Estes são Noro e Meira. – Olívia sorriu levemente para todos.
Meira olhou fixo para a humana, sem demonstrar muita emoção em recebê-la no grupo. Ela tinha cílios e as sobrancelhas azuis que combinavam com uma fita cintilante de dez centímetros que ela usava como um lenço no pescoço. Olívia reparou que ela tinha gestos meio afetados e parecia que cada fio de cabelo estava no exato lugar em que a estudante queria que estivesse.
Naitan era o oposto: relaxado nos gestos e jeito de olhar e falar. Ele era ruivo e, de tempos em tempos, passava os dedos por entre os cabelos na tentativa de arrumar as mechas, dando a impressão que esta era a maneira que ele se penteava. Assim como todos os outros, ele usava o uniforme da escola, porém não parecia estar muito à vontade com aquela vestimenta, que, assim como a de Olívia, era pelo menos um número maior do que o aluno deveria usar.
Poucos minutos depois, a professora aproximou-se do grupo e perguntou:
– Esportes ou meios de transporte?
Ao que Noro e Olívia responderam juntos e sincronizados:
– Esportes! – A professora assentiu com a cabeça e foi para outra mesa, enquanto Olívia pensava que Noro poderia ser o seu primeiro escolhido; não fosse ele mesmo criar uma situação tensa para ela quando falou:
– Ah! Qual esporte você pratica, Olívia? – E então ela reparou que Noro tinha porte de atleta. Ela gostava de bicicleta e de corrida, mas não tinha a menor ideia se em Tangen havia bicicleta ou se corrida era considerado um esporte. Não sabia o que responder.
– Deixe eu adivinhar! – Disse Naitan, para sorte da humana. Ele olhou Olívia de cima a baixo, examinando seu porte e falou: – Pernas mais fortes que os braços... Você deve correr bastante... Então você gosta de corrida longa!
Olívia confirmou com a cabeça e um sorriso em seus lábios, ao que o colega respondeu com ar de vitória a um desafio. Neste momento a professora pediu que começassem a pesquisa. Noro e Meira abriram rapidamente suas telas. Naitan foi mais lento. Primeiro chegou sua cadeira mais perto da mesa, apertou um botão com um símbolo em triângulo – que fez a tela surgir na mesa – e com o dedo indicador, ele rodou outro botão – que fez a tela inclinar levemente para sua melhor visualização. Sem que ninguém percebesse, Olívia copiou cada gesto. Eles pegaram as canetas com microfones que ela já conhecia e começaram a fazer algo que a humana não conseguiu entender. Aurosa, do outro lado da sala, olhava para ela desesperada. Não tinha como ajudar sem despertar suspeitas. Olívia começou a suar e percebeu que aquela tinha sido uma péssima ideia. Ela não fazia a menor ideia em como pesquisar algo com aquele equipamento: todas as telas da sala que ela conseguia visualizar estavam com texto e imagens; apenas a dela continuava em branco. Todos moviam as canetas no ar, o que a fez imaginar que a caneta funcionava como um "mouse" do computador, mas como e o que fazer? Neste momento, Naitan pegou a caneta de sua mão e disse:
– Quais esportes você achou? – E ao perguntar isto, ele ligou todo o equipamento para ela e fez surgir na tela uma lista que dizia "esportes olímpicos humanos". Assim, ele ajudou em todos os outros momentos da aula até o envio da pesquisa à professora. Ela então teve certeza de que ele sabia que ela estava mentindo sobre algo.
Antes de entregar sua parte da pesquisa, Noro quis saber se algum dos colegas entendia o que o animal "borboleta" tinha a ver com o esporte de nadar.
– Aqui diz "nadar borboleta" – o que fez Olívia rir silenciosamente e Naitan soltar uma risada alta. Meira franziu a cara e disse:
– Existem borboletas nadadoras de onde você vem, Naitan? – disse isto repreendendo de forma arrogante o colega. Sua expressão era de superioridade, pelo que percebeu Olívia. Naitan recolheu o sorriso e entristeceu ao dizer:
– Não, Meira! Apenas ri ao pensar que os humanos usam asas artificiais para nadar.
– Também pensei que era isto – disse Noro, – mas não faz sentido. Eles têm um objeto para nadar que não tem a ver com borboleta. – Ele abaixou a tela, rente à mesa, e dela puxou uma imagem em três dimensões para que os colegas pudessem visualizar uma prancha de surfe. Naitan concordou que aquele objeto não lembrava em nada uma borboleta. Meira, com o mesmo ar superior, fez uma observação sobre o assunto:
– Eu não duvido de que os humanos pensem que isto seja uma borboleta!
Meira estava eliminada da disputa por uma vaga no Programa, pensou Olívia.
Ao final da aula, Noro e Meira saíram rapidamente. Olívia viu a professora explicando algo para o grupo de Aurosa e permaneceu na mesa esperando a assistente, enquanto Naitan desligava calmamente seu equipamento e arrumava algo em uma bolsa que já havia colocado atravessada ao peito.
– De onde você vem, Liv? – Perguntou ele, para desespero dela.
– Da escola de Campos Belos. – respondeu ela, confirmando que ele sabia que tinha alguma mentira naquela história, pois ela já havia se apresentado como aluna do Mestre da Natureza.
– Sim, mas antes disso? Você é da zona rural, não?
– Ah, sim! – Disse Olívia querendo sair correndo daquela conversa. Não teria jeito, a professora ainda estava lá em frente a Aurosa. E o colega, que gostava de adivinhar as coisas, queria uma explicação por ela não saber usar os equipamentos de sala.
– Eu percebi - disse ele. – Na minha antiga escola, nós não tínhamos este equipamento também. Eu passei por constrangimentos ao vir para a cidade. Ainda passo quando reparam que não estudei em nenhuma grande escola... Você ouviu o que Meira falou? – Disse ele com aquela mesma expressão triste no rosto.
Então Olívia compreendeu o diálogo anterior e o porquê de o estudante ajudá-la com o equipamento. Ele não percebeu que ela era humana; apenas achou que ela fosse alguém que não teve uma boa formação. Assim, ele ainda aconselhou a colega a não deixar que os outros percebessem que ela tinha esta origem menos intelectualizada. Antes de Aurosa chegar perto deles, ele disse:
– Eu tenho quase certeza de que não serei selecionado no programa, por esta minha origem. Eles irão preferir os alunos das cidades, dos grandes Mestres... Você ainda tem chances por ter estudado com o Mestre da Natureza.
Nos dias seguintes, Olívia notaria que vários colegas olhavam para ele com diferença. Faziam que não ouviam o que ele dizia ou interrompiam sua fala com outra atravessada, como se não estivessem interessados no que ele falava. Por sua ficha de inscrição no programa, ela também soube que ele estudou até idade avançada numa pequena escola rural, sem cuidados de um mestre. Porém havia passado num exame bastante difícil sobre história dos mundos e entrado numa escola preparatória no último ano; e gostaria de estudar manifestações artísticas dos humanos, principalmente música e literatura.
– Ele toca algo parecido com o que vocês chamam de violão – explicou Aurosa, enquanto lia a ficha de inscrição do colega. – Ah... Agora entendi a história que você me contou... – Disse ela com cara de grande investigadora – A Meira toca instrumentos também... Deve haver aí alguma disputa...
Meira já estava fora. Naitan e Noro eram fortes candidatos!
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