Medalhas

Sem sentir, ela havia repetido as próprias palavras do Mestre que foram sopradas pela criança que estava por ali. Tila e Tuolock tiveram certeza que Olívia descobrira um dos motivos do encontro, pois não seria apenas uma coincidência que ela estivesse ido até lá com o mesmo propósito que o Mestre e estivesse citando as mesmas palavras ditas minutos antes por ele para Tila. Ele se colocou pensativo sobre isto, porém Renus não entendendo, protestou:

– Quem disse que eu quero isto! Menina estúpida...

Olívia olhou para Renus com raiva, mas conteve-se. Tila que não havia pronunciado nenhuma palavra até agora, achou que era o momento propício para dar a sua opinião:

– Espere, Renus! É um pedido justo e uma boa ideia...

Renus ia começar uma discussão, quando Tuolock olhando fixo para Olívia, falou:

– Quem é você, menina?

Embora aquele pedido realmente fosse importante para ele, a maneira como reagiu, ignorando completamente Renus e Tila, causou susto em todos eles. O Mestre não tinha este cargo apenas por ser bom lutador, mas por sua astúcia e inteligência. Ele conseguia ver as coisas com muito mais clareza do que simples tangens, pois havia ascendido neste caminho para poder resolver problemas muito complicados e, muitas vezes, ter que tomar decisões que significariam a vida ou a morte de alguém. Depois de anos, lidando com questões de vida ou morte, ele tornou-se precavido e preciso em antecipar o pior, chegando a parecer paranoico para muitos. Olívia só quis ajudá-lo a chegar ao ponto em que ele queria chegar na reunião, mas ele não pensou assim. Pouco importou o objetivo da reunião, a prioridade agora era descobrir como Olívia conseguira aquela informação. Ela estaria o espionando? E talvez a pior coisa para um tangen como Tuolock era ser espionado. Então, qualquer outra coisa tornou-se menor naquele momento. Ele queria saber quem era Olívia e como ela invadira sua privacidade.

Os olhos azuis de Tuolock mudaram de cor. Ele alimentou uma raiva instantânea, a ponto de chegar com o corpo para frente e dar a entender que iria pular em Olívia para obter a informação que queria, e repetiu a pergunta com a voz alterada:

– Eu perguntei: quem é você?

Renus levantou da cadeira e puxou Olívia para trás dele. Tila também teve a mesma atitude: chegar perto de Olívia para protegê-la. O Mestre vendo que seus dois melhores alunos se posicionaram contra ele para defender a humana ficou ainda mais irado. Para piorar a situação, Tilinha também quis defender a amiga humana. Gritou do sofá algo que só Olívia ouviu: 

"– Velho mau!". 

Olívia olhou para trás em tempo de ver a menina pegar um grande bibelô que estava na mesa de centro e jogar em Tuolock. Renus e Tila só viram o objeto quando ele passou rapidamente por eles. O Mestre, num movimento simples, desviou o objeto para o lado antes de atingi-lo.

– Quem é ela, Renus? – ele gritou mais uma vez.

– É só uma menina humana, Mestre! Pode acreditar... – Disse Renus na defensiva.

Olívia continuava atrás de Renus, porém pegara o braço de Tila. Ela, que até aquele momento, queria se igualar a Tuolock na firmeza, estava assustada como uma criança. Ela não havia acreditado que um Mestre tangen poderia lhe fazer mal, mas, naquele momento, se Renus e Tila não estivessem ali, talvez aquele tangen com o dobro de seu tamanho teria lhe agredido fisicamente. Ela tremia, enquanto deixava Renus resolver o que seria melhor dizer.

– Não, seu estúpido! – Disse o Mestre bufando. – Desde quando uma menina humana pode ler pensamentos e praticar telecinese?

– Ela não leu seu pensamento... E nem moveu aquele bibelô, Mestre! Existe outra explicação para tudo isto. – Falou Renus.

Tuolock olhou para Olívia e viu uma menina tão assustada que achou sua atitude bruta ridícula. Para ele foi mais fácil reestabelecer a calma do que para os outros, principalmente para Olívia, que voltou a sentar desta vez arrastando a cadeira com mais dificuldade para próximo da cadeira de Renus. O Conselheiro viu o medo em seus olhos. Pela primeira vez, ele conseguia ver com clareza que Olívia não tivera culpa nenhuma na sequência de mal entendidos de uma situação que poderia ter acabado muito mal. Renus começou a falar desta vez:

– Como o senhor deve saber, esta menina foi trazida para Tangen para ser apenas professora em um Programa do Conselho e da Escola Preparatória. Poucos dias após ela chegar, começaram a acontecer algumas coisas com ela, que percebemos ser uma habilidade...

Olívia percebeu que Renus estava tentando arrumar um jeito de não contar toda a verdade para Tuolock. Ela compreendeu que ele estava deixando de lado todo e qualquer detalhe sobre anjos e dons; e, é claro, ela concordou, já que o Mestre odiava anjos.

– Ler pensamentos não é uma habilidade... – Disse Tuolock indo direto ao ponto.

Olívia interrompeu a explicação de Renus:

– Eu não leio pensamentos, Mestre! É verdade. Eu fico sabendo das coisas de outra maneira...

Renus olhou para ela com olhar intimidador que significava "fica quieta!".

– Olívia começou a ter visões de crianças que contam coisas para ela. – Completou Tila.

– Vocês querem que eu acredite em fantasmas? – Retrucou o Mestre.

– Não são fantasmas, Mestre! – Disse Olívia.

Tila se ofereceu para contar a história da faca. Enquanto ela contava, Tilinha sentou no colo de Olívia. Ela tentou manter a postura normal, e Tilinha falou para Olívia:

– Eu também vejo crianças, como você... Atrás do sofá tem um menino... Eu vi! Um chato! Ele não quis brincar comigo. Fica só olhando para uma coisa que ele tem na mão. O nome dele é Tutu.

Tila estava na metade da história, quando Olívia levantou muito lentamente e foi até o sofá. Atrás dele, estava um menino como Tilinha havia descrito. Ele tinha uns seis anos e estava extremamente triste. As roupas estavam rasgadas e sujas e ele tinha um brinquedo na mão que parecia um bumerangue. Olívia conseguiu reconhecer o menino, pois ele tinha pernas e braços finos e compridos. Era Tuolock pequeno. Só então ela percebeu que o menino estava com um corte feio no braço esquerdo. Um rasgo na roupa deixava aparecer o corte que já não mais sangrava, mas que parecia ter sido feito há pouco tempo.

A história sobre a faca desaparecida acabara; Olívia voltou a sentar na cadeira como antes e Tuolock depois de pensar um pouco disse:

– Isto não é uma habilidade! Me cheira mais vidência de charlatão... Ela pega essas informações de outra fonte...

Olívia estava perdendo a paciência, pois estava cansada de ter que provar quem ela era e explicar o que fazia. Desde que chegara a Tangen, ela perdeu a liberdade e a independência que tinha na Terra. Ali estava ela novamente tendo que provar que não era burra, que não era anjo, que não era vidente e nem charlatã. Que não tinha culpa de tudo o que acontecia ao seu redor. Desanimada ela falou:

– O senhor pense o que quiser! Eu já me arrependi de ter vindo aqui...

Tuolock deu um sorriso irônico, pois ainda estava naquele jogo de cansar o adversário com implicância. Ela explodiu vendo aquele sorriso:

– Bem que me falaram que o senhor era insuportável... Eu perdi a minha semana lendo este lixo... – disse ela, tirando do bolso da túnica a biografia do Mestre, que levara para devolver à biblioteca de Tila.

Com raiva, ela jogou o livro na lixeira ao lado na mesa. E continuou:

– Que porcaria de Mestre é o senhor? Desenvolveu uma habilidade de bater nos outros, e por isto acha que pode intimidar todo mundo... Bem que fez Renus em não compactuar com seus métodos...

Renus e Tila fizeram sinal com a cabeça para ela parar de falar, mas Olívia estava com coisa demais engasgada na garganta.

– Eu vim aqui para conhecer um herói de Tangen que valeu cada medalha que recebeu, mas o que eu estou vendo é um tangen arrogante, autoritário e estúpido... Que não sabe nem conter a raiva contra uma simples humana... O senhor é um Mestre de bosta...

Naquele momento, Olívia descobriu algo sobre Tuolock: ele gostava mais de quem o enfrentava do que daqueles que baixavam a cabeça para ele. Desta vez, ele não perdeu a cabeça. Ele simplesmente levantou e desamarrou o cinto que prendia a parte de cima de sua túnica. Tirou a túnica, deixando a parte superior do corpo à mostra. Do umbigo até os ombros, nos dois braços e nas costas, Tuolock tinha mais de vinte cicatrizes. Algumas pequenas; outras com mais de vinte centímetros.

– Estas são as medalhas do Mestre de bosta! – Disse ele.

Olívia estremeceu ao ver o corpo tão aniquilado. Ela sentiu uma pequena parcela da dor de cada cicatriz e teve vontade de pedir desculpas, mas não podia fazer isto. De repente, ela viu o menino do bumerangue se aproximar dela. O menino ficou parado ao seu lado e lhe disse:

– Ele precisa de ajuda, para saber quem fez isto! – Disse ele apontando para o corte no próprio braço.

Olívia olhou para o braço do Mestre e lá estava a cicatriz que o menino apontara. Não era a maior delas, mas aparentava ser a mais antiga das marcas. Ela ficou pálida e triste, contagiada pela presença do menino extremamente infeliz. O sentimento de medo que teve pelo Mestre dos Movimentos transformou-se em pena e dó.

– Mestre, eu preciso lhe falar algo... – Disse Olívia em um tom de voz completamente diferente do anterior.

Depois de presenciar três aparições junto de Olívia, Renus já conseguia reconhecer quando ela estava tendo uma visão e quis interceder antes que fosse tarde.

– Não faça isto agora, menina! O Mestre não está te levando a sério... – Falou ele tentando evitar maiores confusões.

– Ah, teremos um show da vidente humana! – Falou Tuolock com desdém.

Olívia não estava preocupada com o que ele pensava ou dizia. Ela disse para Renus:

– Uma criança está sofrendo...

Renussuspirou diante do inevitável.

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