FOGO!
Fogo!
No segundo e no terceiro dia, Olívia passou por experiências muito parecidas com as do primeiro. Em alguns momentos, ela tinha vontade de desistir da farsa da "aluna" e em outros ela achava muita graça nos enganos e confusões dos tangens sobre os humanos. A maioria dos professores sabia tão pouco sobre os humanos. Apenas um deles já havia estado na Terra quando mais jovem, em um destes projetos fracassados que Mirus havia mencionado. Por não ter feito parte de algo bem sucedido, ele dava a impressão de que as novas tentativas também seriam frustradas – de supor que era impossível compreender os humanos. Ele ensinava algo que misturava economia, política, história, direito, geografia e moda. Falava da economia medieval como se fosse contemporânea, de textos românticos como se fossem textos jurídicos. Contudo o que Olívia achou mais graça foi quando ele quis explicar que os humanos confundiam religião com economia; para isto leu um texto sagrado que dizia como os humanos imaginam poder chegar ao paraíso. O tal texto era a letra de "Stairway to heaven", do Led Zeppelin. Ali ele via comprovada sua tese de que os humanos achavam possível comprar uma vida além-Terra, ainda que jamais algum deles tenha tido confirmação de tal lugar-paraíso. Na verdade, ele defendia a total falta de pensamento lógico nos humanos.
No quarto dia, Olívia presenciou algo que a fez se interessar por mais um dos alunos. Ela e Aurosa haviam acabado de encontrar Mirus em uma sala na própria escola. Ele queria saber como elas estavam se dando, se o plano estava funcionando e se Olívia já havia feito alguma escolha, pois o Conselho estava querendo conhecer a professora humana, com certa urgência. Olívia sentiu a pressão, mas demonstrou cautela e usou o ditado "quem tem pressa come cru". Após escutar a explicação daquilo, Mirus soltou aquela risada teatral, porém Olívia percebeu que, mesmo estranha, a risada era sincera. Foi pensando sobre sinceridade que a professora humana iniciou um diálogo com a assistente tangen ao sair pelo corredor que as levaria até o refeitório:
– Sabe, Aurosa, nós lemos todas as fichas dos alunos. De todas, eu descartei dois em que os motivos estão completamente errados. E dois alunos cujos motivos são completamente desimportantes para um projeto de tal porte e expectativa.
– Eu ainda acho que pesquisar as penas das aves e os pelos dos animais na Terra é bem importante. – Falou a assistente tentando ainda defender um colega que gostava de zoologia.
– Pode ser importante, mas em outras circunstâncias. Para um grupo inicial como o nosso, eu preciso pensar mais objetivamente nos interesses do Conselho. E algo me faz pensar que Mirus não está sendo totalmente sincero comigo quanto aos interesses.
Ao ouvir isto, Aurosa deu uma pequena parada, olhou fixamente Olívia e disse:
– Liv, um Conselheiro nunca mente! Nem diga isto.
– Nunca mente, mas pode omitir informações, não? – perguntou à assistente. – Eu realmente gostaria de saber mais sobre as expectativas do Conselho.
– Sim... Mas ele não deve estar mentindo ou omitindo...
Ao falar isto, as duas meninas ouviram um barulho de explosão vindo do andar superior. A reação foi de se jogarem ao chão, como se estivessem sofrendo um bombardeio. Porém, alguém veio logo em seguida dizendo:
– Saíam rápido daqui!
Só então elas viram que era uma de suas colegas: uma aluna que sempre estava ocupada com alguma coisa, sempre muito concentrada, e que em alguns momentos pareceu para Olívia, ter um problema de hiperatividade. Olívia reconheceu a voz, pois Lália, como era seu nome, estava sempre perguntando coisas sem muita importância para os professores.
– O que está acontecendo? – perguntou Olívia, sentindo que a colega usava as duas mãos para puxar Aurosa e ela do chão. Enquanto as três corriam até o final do corredor, Lália falou:
– O som veio do laboratório! Algum experimento que não deu muito certo... – concluiu a menina.
Alguns segundos depois, Noro juntou-se às meninas no pátio e falou:
– Pelo cheiro foi combustão de M3 com F1! – informação que não serviu em nada para Olívia e nem para Lália. Porém Aurosa expressou preocupação e disse para o grupo, que agora tinha mais alguns colegas próximos:
– Se for isto mesmo, Noro... E se tiver mais alguém lá dentro, a fumaça pode até matar...
– Vocês sabem onde tem máscaras? – Perguntou Naitan para Lália e Noro. Lália fez não saber com a cabeça, e Noro puxou o colega pelo braço, entrando novamente no prédio.
Olívia e Lália seguiram os dois. Aurosa ainda tentou segurar Olívia, mas não conseguiu.
Noro entrou na segunda porta do corredor e a fechou depois que todos os quatro passaram, pois estava invadindo um lugar em que não deveria entrar. Ele parou em frente a um armário fechado com um cadeado de um tipo que Olívia nunca vira. – Fechado! – Disse ele.
Lália olhou para os colegas um pouco receosa, mas teve a atitude de tomar a frente. Ela chegou bem perto do cadeado, examinando o objeto que era retangular e grudado à porta, e com alguns movimentos rápidos e sincronizados, abriu a tranca.
No armário havia várias roupas e equipamentos de mergulho. Mais tarde, Olívia iria saber que a escola tinha uma piscina onde Noro nadava. Ali também, eles treinavam mergulhadores e equipes de exploração e salvamento.
Os quatro alunos colocaram as máscaras – sonho de qualquer mergulhador humano, pois ela filtrava o ar ou a água, dispensando o cilindro de ar comprimido – e correram até a escada que levava ao andar superior, porém ao chegarem lá foram barrados por um professor que disse:
– Voltem daqui! O Conselheiro Renus já está lá em cima!
Ao ouvir isto, Olívia viu descer um grupo de quatro alunos, carregando outros. No alto da escada, um vulto preto envolto em fumaça branca certificava-se de que os alunos estavam saindo. Era o Conselheiro Renus, que num piscar de olhos desapareceu para conter a fumaça. Noro, Naitan e Lália pegaram os alunos desmaiados e seguiram rumo à porta dos fundos da escola. Mirus e outros professores já estavam no pátio, e junto deles uma equipe médica de salvamento.
Pouco tempo depois, os quatro amigos ficaram sabendo que estava tudo bem. Ninguém havia ficado mal, e a explosão não havia causado nenhum dano ao prédio. Apenas uma voz anunciou que, por motivos de segurança, as aulas estavam suspensas e não haveria almoço naquele dia.
Como teria o dia livre, Olívia decidiu que ficaria em casa para estudar os perfis dos alunos e resolver outros assuntos. Aurosa compreendeu que a professora queria mesmo era ficar sozinha e descansar, depois da manhã tensa. Ela acompanhou Olívia até em casa e, na porta, a professora fez a pergunta:
– Você se lembra do motivo de Lália participar do Programa?
– Não. Não consigo lembrar. Ela vem da Escola dos Números.
– Matemática? – perguntou Olívia com certa satisfação.
– Deve ser boa com números... – Disse Aurosa com certa preocupação no olhar; e completando: – não sei para que isto serviria ao Programa...
Ao falar espontaneamente percebeu o olhar de reprovação de sua superiora, que captou uma ponta de maldade na observação da assistente. Na verdade, Olívia já havia percebido que em momento algum deu a entender que uma das escolhidas seria Aurosa e sabia que a assistente já estava vendo nomes e funções sendo definidas. Achava engraçada a impaciência discreta da assistente, que tentava de todas as maneiras disfarçar a ansiedade.
– É. Eu não devo me antecipar na escolha, somente por Lália ter demonstrado coragem e iniciativa em prestar socorro...
Aurosa partiu sentindo tristeza e arrependimento por ter ficado parada no pátio enquanto os colegas agiram rapidamente para ajudar os outros; ela não percebeu que a observação da professora humana fora proposital para ver a sua reação.
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