Deserto Plano
Antes de dormir, Olívia escreveu um bilhete e colocou por baixo da porta de Renus: "Eu gostaria muito que você fosse com o grupo. Mesmo que você não queira treinar com Tuolock, nós precisamos de você. Não apenas para proteção. Sairemos amanhã às 11 horas. Olívia".
Na manhã do dia seguinte, Olívia levantou para o café da manhã e encontrou a porta do quarto de Renus aberta. Todas as suas coisas haviam sumido. Ela foi até a janela da sala. Naitan e Aurosa já estavam lá. Pela janela aberta, ela viu que ele não estava treinando como sempre fazia naquele horário. Os dois alunos perceberam a tristeza de Olívia.
– Ele foi embora, Olívia! – Disse Naitan.
Seus olhos se encheram de lágrimas, sem que os alunos percebessem.
Eles fecharam toda a casa e avisaram Jorge e Julia que iriam viajar por uma semana. Julia ainda ofereceu para levá-los à Rodoviária, mas ela falou que já havia conseguido uma carona.
Turio segurou Olívia e Aurosa e teleportou-se com elas. Aurosa havia sido honesta e era a única de todos eles que não havia aprendido a se transportar no espaço. Os outros vieram em seguida. O grupo chegou às 11 horas e 15 minutos à frente de uma grande entrada que dava acesso a Escola de Deserto Plano.
A escola parecia um grande forte no meio do deserto. A cerca que rodeava a escola era alta e ocupava mais de dois quilômetros de cada lado do portão principal, única entrada para o interior. Uma guarita envidraçada deixava a mostra pelo menos quatro guardas. Assim que o grupo chegou mais perto, uma pequena porta encaixada em outra muita maior se abriu. O grupo foi recebido sem formalidades por um dos guardas.
– O Mestre está aguardando vocês.
O lado de dentro da escola parecia mais uma cidade, do que todas as outras escolas que Olívia havia conhecido. Havia uma sequência de pequenas casinhas como na cidade. Porém elas eram coladas umas nas outras e tinham um terço do tamanho. Eram apenas dormitórios com banheiros para cada aluno. Entre estas casas se via algumas construções maiores: uma que era um grande ginásio, outra que era o refeitório e outra onde estavam salas de aulas e escritórios. Depois destas construções havia várias outras que serviam para as mais diversas atividades que o campus precisava ter para treinar seus alunos, principalmente para salvamentos. Entre estas áreas e atividades estavam: piscinas para natação e mergulho, uma mata para arborismo, uma montanha que servia para escaladas e, quando congelada artificialmente, para esportes na neve. O que justificava uma área tão grande vista de fora. Bem na entrada, à esquerda, ficava uma construção maior que servia como escritório do Mestre. Atrás dela, ficava a casa do Mestre. Eles foram levados para este escritório.
Nem haviam chegado à varanda da casa, quando Tuolock abriu a porta. O Mestre estava bastante diferente do que costumava ser.
– Sejam bem-vindos! – Saudou ele.
Por mais que ele quisesse passar outra impressão, os alunos conheciam bem sua fama de cruel. Todos ficaram bastante ressabiados com a recepção. Olívia tomou a dianteira dos alunos e foi cumprimentá-lo.
–– O Conselheiro Renus não quis vir... – Disse ela triste.
O Mestre sorriu e falou:
– Renus já está aqui, minha querida!
Olívia não conteve a alegria ao ver Renus parado na porta do escritório. O Mestre, vendo que ela estava radiante com a notícia, tentou disfarçar fazendo-a virar de costas para o Conselheiro e dando um novo rumo ao grupo:
– Quero mostrar onde vocês irão ficar!
Ele os levou ao outro lado do que parecia uma rua de areia e entrou em uma pequena viela com vários dormitórios de cada lado. Ao final, um galpão bem maior, fechava a via, transformando-a em um beco sem saída.
– Vocês terão cada um o seu dormitório e o galpão eu mandei preparar do jeito que achei que o grupo gostaria.
Quando eles entraram no galpão viram que o Mestre havia planejado muito bem a estadia deles. O galpão não tinha divisórias, mas havia quatro ambientes bem delimitados: uma cozinha ao fundo; um ambiente com uma grande mesa e cadeiras; outro espaço com mesas de trabalho e equipamentos e outro ambiente com tapetes e almofadas pelo chão, sofás e poltronas muito confortáveis.
– Espero que vocês gostem! – Disse o Mestre.
O grupo todo desconfiou que Tuolock estava sendo generoso demais. Somente Olívia de modo ingênuo comentou:
– Parece tanto mimo, que depois será difícil ir embora...
– Por mim, vocês podem ficar o tempo que quiserem aqui.
Antes dos alunos irem escolher seus dormitórios, Olívia achou melhor apresentá-los ao Mestre. Sem muita formalidade, ela apenas disse o nome de cada um, tentando passar rápido por Naitan.
– Fiquem a vontade. Daqui a pouco, venho buscar vocês para o almoço! – Disse ele.
Quando o Mestre virou as costas, todos saltaram para perto de Olívia com a mesma sensação de que havia algo por trás daquela gentileza toda. Turio foi quem conseguiu ser mais direto:
– Eu disse que quando soubessem do dom de Olívia, todos iam querer ela por perto.
– Eu vou deixar bem claro para ele que será apenas uma semana. Não se preocupem.
Ela pediu que todos ligassem seus comunicadores e aproveitassem as regalias para o que precisavam, principalmente para que não parassem as pesquisas, pois ela não queria dar motivo ao Conselho para reclamações depois de sua decisão. Eles todos concordaram.
Passado do meio dia, Tuolock apareceu novamente, acompanhado de Renus. O coração de Olívia bateu mais forte. Ela queria uma oportunidade para dizer a ele que estava feliz por ele estar ali, mas o Mestre não a deixava sozinha.
Antes de entrarem no grande refeitório, Tuolock deu o braço direito à Olívia na intenção que ela entrasse junto com ele. Renus ficou para trás, junto com o grupo. Na porta da entrada havia duas frases um pouco apagadas que Olívia tentou ler. O Mestre falou para ela:
– É o lema da escola:
O bom lutador é aquele que já venceu a si mesmo.
Vencermos a nós mesmos evita muitas batalhas.
Assim que eles entraram, as conversas cessaram e todos, alunos e professores, levantaram. Eles sentiram como estivessem em um desfile caminhando através do longo corredor principal entre as mesas. Quando chegaram perto das últimas mesas ao fim do corredor, Tuolock apontou para o grupo o lugar deles: duas mesas grandes unidas que estavam vazias. Olívia ia se desprender do braço do Mestre, quando ele falou:
– Não. Você irá sentar ao meu lado, na minha mesa.
As últimas mesas do refeitório eram destinadas aos professores. Eram mesas com quatro cadeiras, que os professores, a fim de ficarem de frente para todos os alunos, sentavam em grupo de dois ou três. Havia uma mesa central para o Mestre e seus convidados. Tuolock puxou a cadeira para Olívia em um lado da mesa. Só então, Olívia percebeu que Renus havia se sentado com seus alunos.
– O Conselheiro não ficará conosco? – perguntou ela.
– Não! – Disse o Mestre friamente.
Olívia permaneceu em pé por alguns instantes até o Mestre compreender que estava criando uma situação contrária a que ele queria: recebê-la sem brigas.
– Renus, – disse ele alto o suficiente para ser ouvido pelo Conselheiro – venha sentar-se conosco!
Renus, que já havia sentado, ficou um pouco ressabiado com o convite, mas também não quis contrariar o Mestre, que se fazia ouvir por todos que estavam em volta.
O Mestre sentou entre Olívia e Renus.
Como em outros lugares de Tangen que Olívia já havia estado, ela era o centro das atrações. Todos os alunos e professores a olhavam sem muita discrição.
– Eles também nunca viram humanos? – Perguntou ela.
– Muitos já viram em missões rápidas... Mas nunca uma humana sentada ao meu lado... – Disse ele explicando melhor a situação. – Mas se eles estiverem te incomodando... – falou ele, completando o pensamento com um simples olhar ameaçador para os alunos, fazendo todos os curiosos virarem a cara e os olhares para seus próprios pratos.
Olívia também estava curiosa quanto aos alunos e a escola. Diferente das outras escolas que ela conheceu, o refeitório era dividido por agrupamentos de mesas. Cada grupo correspondia a uma turma, algumas com muitos alunos, outras com menos. A divisão se dava quase sempre por faixa etária, mas algumas turmas com maioria de alunos mais velhos tinha um ou dois alunos fora da idade média. O Mestre explicou que esses alunos já estavam mais adiantados e seria um desperdício mantê-los nas turmas originais. Além disso, havia turmas especiais. Um grupo chamou a atenção de Olívia por ser o mais barulhento.
– Eles são o nosso maior problema aqui. São bons com os instrumentos de combate e defesa, mas com a disciplina, eles são terríveis. Mas darão bons salvadores.
A Escola de Deserto Plano formava em sua grande maioria tangens para equipes de salvamentos. Outras duas grandes turmas eram formadas pelos que já saiam em missões mais perigosas. Eles já eram mais velhos e nem mais considerados alunos. Alguns já treinavam os menores como monitores e eram designados para serviços extras em cidades de Tangen. Quando Tuolock explicou isto para Olívia, ela lembrou da Escola dos Pequenos e disse:
– O Senhor sabia que nos estivemos na Escola dos Pequenos e lá quem ensina luta é um professor de cálculo? Um absurdo...
Renus percebeu e ficou impressionado com a estratégia de Olívia. Até largou a comida para olhar para o Mestre e para ela, como que querendo aproveitar ao máximo a negociação que se seguiria.
– Não me admira... Com aquela diretora incompetente. – Disse o Mestre, que já desconfiava que o assunto não havia surgido de forma casual.
– O Senhor podia ajudar aquelas crianças a terem uma boa formação...
Ela nem chegou a acabar a frase e ele interrompeu cortando qualquer esperança:
– Foi Lotie quem pediu para você falar comigo?
– Não. Quando estivemos lá, eu nem o conhecia. – Defendeu-se Olívia.
– Então não se meta neste assunto, pois eu não vou mandar nenhum dos meus alunos para ser subordinado daquela bruxa, que não faz outra coisa além de falar mentiras sobre mim pelas costas.
Olívia viu que este assunto era mais complicado do que parecia e deixou a conversa por ali mesmo. A certa altura do almoço, o Mestre se levantou e, sem precisar chamar a atenção de ninguém, todos se calaram, já sabendo que ele iria dizer alguma coisa:
– Alunos e Professores. Nós estamos tendo a honra de receber em nossa casa uma ilustre convidada, a Professora Olívia. Ela e sua equipe já nos deram provas de bravura e coragem suficientes para recebê-los como nossos irmãos. Vamos acolhê-los da melhor forma possível, para que eles se sintam membros da nossa escola. Um brinde aos nossos convidados!
Dito isto, quase mil tangens – alunos, professores e comandantes –, levantaram seus copos e começaram a cantar o hino da escola. Olívia e Renus levantaram também. Olívia estava completamente sem jeito, mas pior do que ela estava Renus.
Durante todo o almoço, Tuolock ignorou Renus, conversando apenas com Olívia. Quando ela tentava colocar o Conselheiro na conversa, ele mesmo se reprimia e limitava-se a emitir aqueles sons grunhidos que pouco significavam.
Tuolock repetiu o gesto da entrada, ao sair do refeitório: levando Olívia pelo braço. Todos os alunos levantaram novamente. Ela iria ver isto muitas vezes na semana: assim que o Mestre aparecia, todos levantavam e faziam silêncio; em todas as situações.
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