Capítulo 4: Conhecendo os alunos

Olívia acabara de sair do banho matinal quando ouviu:

– Aurosa acaba de chegar!

– Abrir a porta da frente! – Disse Olívia, e poucos segundos depois Aurosa entrava na casa.

– Vim para te ajudar na maquiagem e na vestimenta – falou, estendendo uma caixa aberta com uma túnica, que Olívia já conhecia como sendo o uniforme da escola.

Depois de muitas recomendações que deixaram Olívia bastante nervosa, assistente e professora saíram rumo ao refeitório da escola, distante quatro quadras. O salão já estava cheio. Pela primeira vez Olívia viu tantos tangens reunidos. O que espantou a humana foi o silêncio do refeitório. A grande maioria tomava seu café sem companhia e sem conversas paralelas. Isto pareceu um pouco triste, pois mesmo sem muitos amigos na Terra, Olívia sempre tivera alguém para acompanhá-la nas refeições.

– Nós, dos estudos humanos, costumamos sentar mais à esquerda do salão. – Disse Aurosa. – Mas isto não é regra! Mesmo por que não ficamos falando muito entre nós. – Enquanto as duas caminhavam até o local indicado, a assistente comentou: – Já estou vendo alguns de nossos colegas ali... – Disse isto franzindo o nariz para o lado, e pareceu a Olívia que aquela expressão significava cumplicidade na mentira de serem colegas, como uma piscadela de um olho. Olívia chegou às mesas próximas dos colegas rindo da careta; mesmo baixinho, ela que deveria entrar sem ser notada, acabou provocando olhares discretos. Não era um bom começo.

As mesas eram de dois lugares com um intervalo de uns trinta centímetros para as outras mesas. As duas sentaram-se juntas; frente a frente. Ao seu lado esquerdo, uma menina comia enquanto mexia em um aparelho desconhecido para Olívia. Ao lado esquerdo de Aurosa, um aluno olhava concentrado a comida que acabara de lhe ser servida. Olívia olhou o cardápio e pediu um líquido mais grosso, que poderia ser uma vitamina de alguma fruta e optou pelo mesmo que o menino pedira – aparentemente era um pote cheio de pedaços de frutas coloridas cortadas em pequenos cubos de tamanhos exatos. Não demorou a chegar o que ela havia pedido. O líquido era um tipo de iogurte misturado com um pó colorido e doce. E o pote realmente era de frutas – muitas das quais ela não fazia ideia do que fossem. A única que ela reconheceu pelo sabor foi uva e pensou que teria que pedir informações para Aurosa, pois incomodava estar comendo coisas sem saber o que eram.

O menino em sua diagonal acabara de comer outra coisa e começou a examinar bem o conteúdo de seu pote de frutas. Com a colher, ele separou pedaços de uma fruta vermelha, colocando-os em um pires. Olívia provou a fruta vermelha e gostou. Não gostou da verde. Teve a mesma atitude do menino, colocou-as no pires. Ao acabar de fazer isto, os dois se olharam rapidamente e deram um sorriso discreto. Foi Olívia que propôs com um gesto que eles trocassem as frutas e ele concordou. Eles trocaram os pratinhos, enquanto Aurosa estampava uma expressão de reprovação e previa o total desastre na farsa das "colegas tangens", pois um tangen sem conhecer o outro, nunca proporia uma troca daquelas. Fisicamente a única coisa que denunciaria Olívia em ser humana era sua estatura abaixo da média, porém todos os gestos e atitudes da professora eram claros em sua humanidade. A sorte é que aqueles jovens nunca desconfiariam do plano traçado por Mirus, pois não faria sentido para eles ter uma aluna humana cursando estudos humanos.

Ao saírem do refeitório, Olívia soube que aquele aluno chamava-se Noro, e vinha da escola do Mestre dos Elementos – com quem estudou principalmente química. Noro tinha o sorriso doce e o olhar de alguém que olhava e se importava com que ou quem estava vendo. O fato de ser negro fez Olívia pensar sobre a origem do povo tangen enquanto ainda estavam na Terra. "Teria a civilização tangen iniciado próximo à África?" Porém, nestes poucos dias, Olívia já havia reparado em muitas outras diferenças étnicas em Tangen.

Segundo Aurosa, que havia lido todas as fichas de inscrições do programa, Noro gostava mesmo era de pesquisas sobre geologia.

– Em uma das aulas na semana passada, ele levou umas pedras e começou a falar o que sabia sobre a composição do solo na Terra... Ninguém pareceu gostar do que ele falava, mas era bem interessante... – Contou Aurosa, demonstrando que gostava mesmo de assuntos da natureza.

A grande surpresa de Olívia naquele dia foi com a aula do primeiro período. Ela nem havia desconfiado que houvesse diferença para o que conhecia como "uma aula" com um professor. Esta aula era sobre geografia da Terra. O professor entrou na sala quase ao mesmo tempo em que as duas companheiras entraram. Aurosa pediu um momento de atenção dele e apresentou Olívia como sendo a nova aluna que o Conselheiro Mirus havia pedido para ser aceita no curso. O professor olhou fixamente para Olívia e por um minuto passou pela cabeça das duas que ele desconfiara da mentira e iria falar algo sobre ela ser humana. Contudo, ele falou:

– Você já estudou os mapas e o conteúdo que disponibilizei? – perguntou, demonstrando que estava apenas preocupado em receber alguém que poderia atrasar seus planos de aula. Aurosa ia interceder, mas o professor fez um sinal para que ela não falasse e deixasse a outra responder.

– Professor, eu cheguei na cidade há apenas dois dias. Porém sempre fui boa aluna em mapas terrestres. – Disse isto e reparou que o professor franziu a testa em sinal de estar duvidando sobre aquilo.

– Estudou onde e com quem? – Perguntou ele. Olívia lembrou que Aurosa havia garantido que os tangens não faziam perguntas e não eram curiosos. Ela precisou improvisar.

– Fui aluna do Mestre da Natureza... – e antes que continuasse, o professor veio com outra pergunta:

– E desde quando o Mestre Ravenkar entende de geografia terrestre? – Ele tinha um ar arrogante ao dizer isto.

– Desde que Olívia e eu começamos a nos interessar pelos estudos humanos... ele tentou nos ajudar... – falou Aurosa apressadamente, antes que Olívia dissesse algo que não devia.

O professor fez um som parecido com um rosnado curto como se estivesse convencido. Aurosa sentou ao lado de Olívia e fez movimentos lentos e cuidadosos para que Olívia tivesse tempo de ver cada botão necessário para ligar o equipamento disponível na mesa levemente inclinada, como as mesas de desenhistas. Assim que o aparelho ligou, Olívia viu surgir a sua frente um globo terrestre projetado em três dimensões. Aurosa pegou uma caneta da mesa, levou-a próxima aos lábios e disse "liga!". Olívia copiou a colega. O professor começou a falar:

– Como expliquei na última aula, os humanos não ultrapassaram o estágio que nossos antigos mestres denominaram de "Babel"... Sobre aquela história que contei a vocês na última aula. Eles ainda continuam precisando de artifícios manuais ou eletrônicos para falar e compreender as várias línguas que seus povos inventaram. Os grupos possuem geralmente uma linguagem nativa e usam o que chamam de "dicionário" para traduzir, transformar, uma língua diferente na sua língua nativa. Aqueles de vocês que forem selecionados pelo Programa para contato com humanos não terão dificuldade para entender e falar estas línguas, pois, nosso sistema de transcodificação instantânea pelos genes já foi adaptado para traduzir todas as linguagens humanas também. Para quem não estudou a fundo nosso sistema, nossos ancestrais previram possíveis criações de idiomas estranhos ou secretos. Atualmente são poucos os casos de idiomas que vocês não conseguiriam entender. Contudo, na Terra, vocês precisam saber quais línguas são faladas pelos humanos de um determinado grupo. E isto se dá principalmente pela região onde moram... Espero que vocês tenham estudado esta parte do assunto, pois hoje iremos fazer um exercício sobre isto.

Então o professor começou uma explicação das mais óbvias sobre história das línguas, árvores linguísticas, cometendo vários erros que Olívia não podia questionar. Mas a humana parou para pensar na explicação que acabara de ouvir e compreendeu como havia sido fácil a comunicação entre ela, Mirus e Aurosa. Mais tarde ela veio a saber que, no seu primeiro dia em Tangen, Mirus, com uma simples pastilha, que disse ser para digestão, havia dado a ela o poder da transcodificação das línguas.

Após a explicação, o professor propôs:

– Então vamos ver se vocês leram o material que passei... Olhem o lugar em destaque no globo e digam o nome da região e a respectiva língua nativa. – Dito isto ele sentou em frente a sua mesa e começou a escrever e a apertar botões. Olívia viu surgir no globo de Aurosa uma região em azul, e assim que a amiga reconheceu o país, aproximou novamente a caneta dos lábios e disse:

– Espanha; espanhol!

No mesmo momento, no globo de Olívia uma região foi destacada em amarelo. Ela então sorriu e disse à caneta:

– México; espanhol!

As seguintes foram:

– Itália; italiano! – mais um sorriso. – China; Chinês! – E assim por diante, ela acertou nove questões seguidas. Quando olhou para o lado, Aurosa a olhava com ar de reprovação. Foi quando entendeu que não devia acertar tanto. O professor, tendo acesso às respostas de todos os alunos, também a olhava discretamente. Ela teria que errar. Então surgiu outra região em destaque, e ela respondeu:

– Estados Unidos da América! – e sem pensar duas vezes, ela disse: – Russo! – e riu secretamente da piada que acabara de fazer para seu próprio prazer, pois ninguém ali entenderia a graça nesta resposta.

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