Capítulo 3 - Tangen: A cidade e a escola


Duas semanas depois, Olívia foi levada por Mirus para conhecer a cidade em que iria morar e trabalhar. Ele recomendou que ela não levasse muitas coisas que poderiam ser reconhecidas como sendo humanas. A proposta era que ele mesmo arrumasse tudo para este período de adaptação, como roupas, moradia, aparelhos tecnológicos e tudo mais.

"– O que você sabe sobre as necessidades de uma humana, Mirus?" foi o que um dos conselheiros perguntou quando ele se prontificou a providenciar tudo para Olívia. As mulheres humanas não deviam ser assim tão diferentes das tangenianas, ele pensou. Só depois, ele percebeu que também não sabia muito sobre as mulheres de Tangen. Porém Mirus era determinado e tinha muitas colegas que o ajudaram nesta missão.

Em primeiro lugar, ele quis mostrar a nova casa para Olívia. Os membros do Programa de Estudos Humanos, PEH, planejaram também este período de inserção de Olívia em Tangen e forneceriam sem limites tudo o que fosse necessário para que ela gostasse e quisesse permanecer no Programa. Isto foi dito abertamente: ela receberia tudo do bom e do melhor para não desistir.

Ao entrar na casa, ela estranhou, pois era uma casa bastante simples: por fora era baixa, retangular, amarela. Mirus explicou que eram casas móveis, que podiam ser transportadas de um lugar para outro por veículos próprios para isto. Quase todas as casas de Tangen eram assim, algumas ganhavam outras formas que ampliavam os cômodos em número, dependendo geralmente da profissão do morador ou de necessidades especiais. Todos moravam sozinhos. Obviamente cada morador colocava móveis e decorava do jeito que queria.

Olívia encontrou o interior completamente branco, e aquilo causou má impressão, pois lembrava muito mais uma clínica médica do que uma casa.

– Vou colorir tudo o máximo que puder. – Disse ela a Mirus.

Ele concordou que à primeira vista não parecia muito aconchegante, porém os equipamentos e móveis ali tinham sido projetados por anos para o melhor conforto dos moradores. As casas em Tangen eram para descanso depois de um dia de trabalho ou outras atividades. Aos poucos ela foi compreendendo que, por exemplo, não precisava de um fogão, pois não iria cozinhar. Ela teria todas as refeições na escola ou se preferisse, ela só precisava encomendar, e eles entregavam em casa tudo o que ela quisesse – pratos feitos que só precisavam ser reaquecidos.

– E se eu quiser cozinhar?

– Há duas opções: você vai até as cozinhas coletivas, que poucos usam, ou você encomenda os alimentos crus e o os prepara aqui. – Disse ele apontando para um botão na parede. Ao ser acionado, esse botão fez surgir uma panela cuja tampa trazia vários outros botões, um para cada tipo de cozimento, como Mirus explicou. Ela ficou curiosíssima com o aparelho, mas percebeu a dificuldade que seria este começo de vida em Tangen se ela quisesse experimentar todos os outros botões que viu na parede. Alguns destes botões eram de apertar, como em um teclado; outros rodavam, como botões de aumentar volume de som ou de luz. Dois deles eram alavancas pequenas. Tudo ali tinha um propósito bem objetivo e prático.

– Você não terá muitos problemas para conseguir as coisas. Aqui em Tangen sempre damos jeito de providenciar o que alguém quer. Temos um correio de pedidos – balcão de pedidos... Nós ligamos e pedimos o que precisamos, e eles entregam em casa. Você não poderá usar isto por enquanto, pois pode cometer algum engano e pedir algo humano. Como você não pode correr este risco de ser descoberta como humana, por enquanto, eu pensei em te apresentar uma... como vocês diriam... uma ajudante. Ela saberá que você é humana. Hoje à tarde você a conhecerá na escola. Então tudo o que você precisar, peça a ela. Ela a levará para obter alguns produtos básicos hoje também. À noite você terá tudo o que precisa nesta moradia.

Mirus explicou o funcionamento da casa e deixou Olívia encantada com a tecnologia autossustentável que ainda estava muito no início na Terra: não havia ligação, nem encanamentos e nem fiação, para o exterior da casa. Toda energia consumida era gerada pela própria casa e a água era tratada e redistribuída ali mesmo. Havia duas fontes de captação: uma captava energia solar e outra captava água da chuva. Quando acontecia, muito raramente, da casa consumir mais do que havia sido tratado ou captado, o sistema de controle da casa emitia um pedido de abastecimento para o departamento de água e energia da cidade. Uma equipe era enviada para abastecer a casa e o morador nem tomava conhecimento.

Ela conheceu toda a casa em poucos minutos. A maioria dos móveis era retrátil às paredes: cama, mesas de jantar e de escritório; as estantes possuíam portas automáticas que as deixavam embutidas. Uma cadeira muito confortável saía do chão. Mirus ia mostrando onde ela devia abrir cada um destes móveis e não foi fechando nenhum deles, ao final da apresentação era quase impossível se locomover pela sala. Ao projetar a casa, eles pensaram em aproveitar cada centímetro do espaço, do chão e das paredes, e até mesmo do teto, do qual desciam divisórias, caso o inquilino quisesse separar os cômodos. Foi então que Olívia percebeu que a única porta visível era a que abria o que Mirus chamou de quarto de higiene – o banheiro. A sala, que não era apenas uma sala, podia ser dividida em quarto, escritório e sala. Olívia baixou apenas uma divisória que serviria de parede entre o quarto e o resto da casa, deixando um pequeno escritório na parte de fora. Assim, ela manteve o padrão de seu apartamento na Terra. Então, quem entrava na casa pela porta da frente primeiro via a sala com a poltrona do lado esquerdo, a mesa com duas cadeiras mais ao meio e, perto da parede, os armários que guardariam mantimentos e outras coisas. Ao fundo ficaram a mesa de escritório, estantes que ela deixaria expostas e a cama por trás da divisória com armário para roupas, além da portinha que levava ao quarto da higiene. Com esta montagem, que levou menos de 20 minutos para ser pensada e efetuada, ela e Mirus concordaram que a casa estava prática e cômoda. Na verdade, ambos estavam se divertindo com a situação. Ao abrir a porta do armário, ela percebeu que já havia ali algumas peças de roupas. Ela foi ao quarto da higiene e quando saiu vestida, Mirus riu e disse:

– Achei que você fosse maior! – Dando a entender que ele mesmo havia escolhido aquelas roupas, pelo menos dois números maiores que os de Olívia.

Naquele dia, eles foram almoçar no refeitório da escola. A distância entre a sua casa e a escola que recebia os alunos do PEH era de poucas quadras. A cidade não era muito diferente das cidades da Terra. As casas eram muito próximas e suas áreas externas eram padronizadas em tamanho e com quintais na frente das casas, abertos para o caminho de pedestres. Poucas casas tinham árvores na frente, porém neste curto caminho até a escola, Olívia viu pelo menos duas praças bem arborizadas, com flores, pequenos bancos individuais e uma coluna de metal que Mirus explicou tratar-se de um comunicador para urgências, denúncias ou para obter algumas informações da cidade. Mirus mostrou para ela como funcionava. Ele apenas chegou perto da coluna e perguntou qual era o refeitório mais próximo e como chegar. A resposta foi dada por uma voz suave, em uma linguagem que Olívia não entendeu. Ao comentar com o tangen que talvez ela tivesse problemas com a língua Tangen, ele falou para ela não se preocupar; que ela começaria a entender sem nem perceber.

Nesta praça havia também quatro grandes bolas transparentes, que a humana já havia visto transitando na rua.

– Estes são um dos tipos de automóveis de Tangen. Ninguém em Tangen precisa ter carros, pois estes são de uso coletivo. – Explicou Mirus, que vendo a curiosidade da humana, resolveu fazer o resto do trajeto em um deles.

Estes automóveis eram grandes bolas com diâmetro de dois metros, de um material transparente que parecia borracha. O banco tinha o assento como uma tábua retangular com apoio nas costas e também nos pés. Era único, cabendo no máximo duas pessoas, e não muito confortável, pois aquele não era um meio de transporte para longas distâncias. A ideia deste banco era parecida com as dos assentos de roda gigante, pois conforme a esfera se movia, os passageiros permaneciam sentados olhando de frente para a estrada, enquanto todo o resto girava. Também não havia controle de direção. Mirus abriu uma das esferas, entrou mostrando para a humana como sentar. Logo em seguida falou "– Escola Preparatória. Rua 25". A esfera fechou sozinha e começou a rolar pela rua. Ele adorou ver a cara de felicidade da humana ao experimentar algo tão banal para os tangens.

– Sempre que você precisar ir a lugares que não conhece ou que são muito longe para ir caminhando, você pode utilizar estes transportes. – Disse ele, já apontando para o prédio da escola. – Já chegamos!

O prédio era azul escuro, com um andar superior, com algumas janelas, que estavam todas fechadas naquele momento. Havia uma entrada independente que dava diretamente ao pátio interno. Neste pátio havia dois caminhos: um para as salas de aulas e outro para o salão onde todos ali comiam. Mirus e Olívia esperaram um pouco para que a porta do refeitório abrisse, pois ainda era cedo para o almoço. Mirus tirou do bolso uma caixa de balas e aconselhou Olívia a provar uma delas, dizendo ser uma pastilha que ajudaria na digestão, caso ela tivesse intolerância a algum dos alimentos que iria ingerir.

Quando entraram, eles foram seguidos por poucos alunos que também estavam à espera do horário da refeição. Eles entraram cuidadosamente sem serem notados, para que Olívia soubesse como proceder ao se servir. Ao sentarem à mesa, Mirus puxou por debaixo da mesa, como se abrisse uma gaveta, o cardápio digital com o menu do dia, por escrito e com imagens das comidas. Olívia pediu uma sopa verde, que parecia de ervilha, pão e outro prato de arroz com pedaços de algo cor de laranja. Obviamente quando a comida veio, a sopa não era de ervilha, e os pequenos cubos cor de laranja eram saborosos, mas completamente desconhecidos de Olívia. Ela nem perguntou o que estava comendo, pois achou que já estava exagerando na quantidade de perguntas.

Antes de terminarem o almoço, uma menina veio sentar-se com eles.

– Esta é Aurosa! A sua ajudante. – Disse ele.

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