Capitulo 2 - Olívia aos 20 anos - O novo emprego
Olívia desceu do ônibus dois pontos antes do que deveria descer. Tinha tempo para chegar à entrevista de emprego e queria caminhar o percurso pensando em perguntas que fariam e respostas que ela daria.
Quatro semanas antes, ela acabara seu curso de formação profissionalizante e precisava arrumar rapidamente um emprego melhor. Desde que sua mãe havia casado novamente e mudado para o interior com seu padrasto, Olívia tornou-se independente e responsável por suas despesas. Claro que ela sempre poderia contar com a mãe, contudo, e mais do que tudo, ela queria provar que era capaz de se virar sozinha. Ela quis permanecer na cidade estudando e trabalhando para isto. Aos dezoito anos, seu primeiro trabalho foi numa creche com crianças pequenas e logo nos primeiros meses de trabalho ela demonstrou talento com crianças que apresentavam problemas de socialização. Ela compreendia tão bem aquelas crianças, e isto chamou a atenção de seus superiores. Já havia passado dois anos neste trabalho, porém agora, com o diploma nas mãos, ela poderia almejar cargos mais específicos e um pouco mais bem remunerados.
Na escola de formação indicaram uma agência de empregos que sempre buscava professores iniciantes. Olívia preencheu toda a papelada pela internet e foi chamada diretamente por uma escola para a entrevista. Eles não foram muito específicos no cargo, mas tratava-se de uma organização não governamental que procurava professores para trabalhar com jovens que precisavam se adaptar em outro lugar, outra cultura – com possibilidades de viagens para outros países. Olívia sabia que um dos principais problemas enfrentados pelos adolescentes era justamente ter que aceitar mudanças, principalmente mudanças de vida como separação dos pais, troca de escolas, perda de algo valioso psicologicamente e outros casos, até aparentemente bobos, que ela sempre tratou com respeito e importância. Ela não sabia exatamente qual seria seu trabalho, mas pareceu-lhe que era para trabalhar com jovens em processo de imigração da família ou de adoção por pais de outros países. Ela gostou da ideia e pensou que seria bem mais simples do que o trabalho com crianças pequenas e seria um desafio que precisava enfrentar.
Aos vinte anos, Olívia, nervosa e cheia de expectativa, caminhava pelas ruas do centro da cidade, sem imaginar que a organização já a havia escolhido previamente ao analisar toda sua vida: suas qualificações e disposição para assumir o cargo.
No elevador, ela se olhou no espelho para conferir sua imagem. Tinha a aparência ainda mais jovem, além de ser mais baixa que as outras meninas de sua idade, e ela estava com medo que eles percebessem isto. Queria parecer mais velha e analisando tudo, trançou rapidamente o cabelo e resolveu abotoar o último botão da camisa, fechando um pouco mais o decote. Pouco antes de a porta abrir no 12º andar, ela sentiu vontade de voltar: não estava assim tão certa de que queria enfrentar novos desafios. E quando a mulher, que já a esperava para a entrevista, mandou-a entrar na sala e sentar, ela adivinhou a primeira pergunta:
– Seja bem vinda, Olívia! Você tem certeza de que está preparada para enfrentar novos desafios?
– Sim, senhora! – Mentiu Olívia, sentindo-se um pouco culpada.
Após a entrevista, que correu muito acima das expectativas, Olívia descobriria que a mulher também mentia.
– A entrevista foi cansativa? – Perguntou simpaticamente o homem que entrara no elevador no 12º andar com Olívia. Olívia apertou o botão do térreo e disse:
– Acho que me saí bem! Algumas perguntas não faziam muito sentido, mas acho que consegui responder de acordo.
– Com certeza! Você tem justamente o perfil que procuram.
Olívia percebeu que o homem estava bem informado sobre o emprego e perguntou:
– O senhor também está tentando vaga?
O homem riu. Não foi um riso espontâneo, mas um que se dá a uma piada ruim.
– Desculpa, Olívia, – disse ele, – na verdade, eu sou o responsável pela organização.
Olívia enrubesceu.
– O senhor sabe meu nome?
– Eu estava ouvindo toda a sua entrevista, e já posso te dizer que, se você quiser, o emprego é seu. Porém, será preciso explicar melhor o tipo de trabalho que esperamos de você. – Ao falar isto, ele apertou o botão do elevador no 2º andar. Quando a porta abriu neste andar, ele disse: – se você quiser saber, me acompanhe!
O controle da impulsividade sempre fora o ponto fraco de Olívia. Ao colocar os dois pés no segundo andar, ela percebeu que havia sido inconsequente em acreditar naquele homem que conhecera dez andares antes.
O segundo andar tinha uma pequena recepção que estava vazia e apenas uma porta de vidro fosco, aberta para uma grande sala com muitos computadores e aparelhos eletrônicos já ultrapassados. O lugar parecia um centro tecnológico abandonado. A poucos passos da porta, havia uma mesa pequena com alguns livros. O homem arrastou uma cadeira para junto da mesa e fez sinal para que Olívia sentasse. Ele circulou a mesa e sentou do outro lado, mantendo a formalidade de mais uma entrevista.
– Desculpe a bagunça – disse ele tentando organizar uma pilha de livros espalhados sob a mesa. – Este escritório não é meu. Estou usando emprestado temporariamente e fazendo umas pesquisas.
Olívia rapidamente percorreu com os olhos os títulos dos livros para tentar saber a que tipo de pesquisa ele se referia. Os títulos não faziam qualquer sentido para uma pesquisa: iam de livros sobre receitas culinárias, moda, literatura, filosofia, até um sobre instalação de caixas de água. Ela ficou com medo, porém o homem não aparentava de jeito algum ser um louco ou ter segundas intenções em tê-la sozinha ali. Ao contrário, ele tinha certa formalidade e expressão de professor. Ela também não tinha mais a opção de sair correndo e resolveu confiar.
– O que eu vou contar a você hoje, quero te preparar, é algo que você irá achar fantástico. Conhecendo você, vimos que você é capaz de enfrentar situações aparentemente estranhas com sabedoria. Estou falando de adversidades que você enfrentou desde sua infância, de alguns momentos em que você vivenciou eventos ininteligíveis para uma criança, porém não desesperou.
– Eu não sei bem sobre o que o senhor está falando... – disse Olívia sabendo que, com certeza, não havia preenchido no formulário de emprego e nem falado na entrevista sobre qualquer coisa de sua infância.
– Ah, nós pesquisamos sua vida. Temos muitas fontes de informações... – Disse ele, reparando que ela com um simples franzir de testa, achou aquilo suspeito. – Bem, eu tentarei ir reto ao ponto para que você compreenda que sabemos muito sobre você e por que gostaríamos que você aceitasse o emprego.
E então ele começou a conversa mais difícil que ambos já haviam tido na vida.
– Meu nome é Mirus. Eu faço parte de um projeto que estuda os seres humanos. Um projeto de um outro mundo, não-humano.
Neste momento, Olívia tremeu. Ela rapidamente pensou em três possibilidades: ou estava diante de um louco, ou diante de um real extraterrestre ou de uma pegadinha televisiva. Nenhuma das três opções era boa. Ela percorreu os olhos pela sala para ver se encontrava a câmera oculta. Apoiou-se na ideia da pegadinha, já que para as outras duas ela não teria qualquer solução naquele momento. Resolveu fingir e participar do show aparentando calma, porém seu coração, caso fosse auscultado, a denunciaria.
– Então, o senhor quer que eu acredite que existe um outro mundo? O senhor me parece tão humano... – Disse Olívia, fingindo bom senso.
– Estou parecendo bem humano? – Disse o homem vibrando com o que ele achava ser um elogio.
Ao ver que ela não respondeu e que ela estava séria e desgostosa com a situação, ele disse:
– Eu tenho diversas formas de te provar isto: que existem outros mundos e que não sou humano. Porém acredito que a melhor forma é você ver o meu mundo, na hora certa, com seus próprios olhos, se aceitar o trabalho.
– Senhor Mirus, – disse Olívia tentando manter o respeito. – O senhor há de concordar que apenas uma pessoa irresponsável iria entrar em uma nave espacial com alguém que não conhece, rumo a outro mundo para trabalhar com extraterrestres.
Mirus deu aquela risada sem graça novamente, depois ficou pensativo por um momento e concordou com a cabeça. Sendo ele realmente um ser extraterrestre, ele pouco conhecia dos seres humanos e, deste pouco, ele conhecia os humanos de livros escritos séculos atrás, época que nem havia alusão a transportes interplanetários. A sua missão era mais complicada do que ele havia previsto.
– Nós não somos, na verdade, seres que precisam se locomover com naves. – Ao dizer isto, ele pegou a mão de Olívia, e antes que ela tivesse tido a chance de recolhê-la, eles já estavam em outro local que não a sala com computadores.
– Eu não devia ter feito isto – disse Mirus sentindo a dúvida de sua ação.
Olívia ficou paralisada, e ele reparou que era tarde demais para voltar atrás; precisava tranquilizá-la e explicar a situação. Os dois haviam atravessado a fronteira entre dois mundos e estavam no alto de um prédio, de uma cidade que podia ser vista, em parte, dali. A cidade era muito bem planejada e perfeitamente simétrica. Tinha prédios não muito altos e sem maiores sofisticações. Dali se viam duas praças pequenas, arborizadas e com bancos individuais. Destas praças saíam várias ruas com casas pequenas, retangulares e de um piso, que pareciam contêineres, mas de forma e de material mais aconchegante. Algumas eram arredondadas no teto, tinham janelinhas coloridas e pequenos jardins na frente. O conjunto destas construções dava a impressão de ser um lugar sem a desigualdade entre mansões e casebres. Uma das praças era maior, com o tamanho de seis das outras. No entorno dela ficavam os prédios com mais movimento de entrada e saída de pessoas – ou melhor, de seres que vistos de cima não diferiam em nada de pessoas. Dois prédios eram bem mais antigos e tinham um estilo completamente diferente da arquitetura da cidade. Pelas ruas, algumas poucas esferas transparentes rolavam como bolas de boliche. Eram meios de transportes individuais.
– Este é o centro administrativo de meu mundo! – Disse ele com certo orgulho nacionalista totalmente fora de momento perto do terror que Olívia estava sentindo. – Se você quiser trabalhar conosco, você irá trabalhar naquele prédio ali.
Ele disse isto apontando para algum lugar que pouco importou a Olívia. Só então ele percebeu a total falta de tato que estava tendo ao tratar do assunto:
– Não fique tão assustada, por favor! Eu te levarei de volta assim que você concordar que não precisamos de naves como transportes no espaço.
– Eu concordo! – Disse Olívia reagindo rapidamente e de forma positiva, como aprendeu em suas aulas de psicologia ao tratar com pessoas com distúrbios. – Eu acredito em você.
– Vou te levar para outro lugar para que possamos conversar melhor! – Disse ele, e no momento seguinte, eles estavam em uma sala diferente da primeira. Olívia reconheceu o lugar: era a sua casa! A sua sala de estar!
Desta vez, Mirus havia acertado na escolha, levando Olívia para um lugar que lhe desse segurança. Estava em casa... Com um estranho não humano, mas em sua própria casa.
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