Amigo Imaginário
Faltavam ainda alguns minutos para a hora combinada da visita à velha Evelien. E a dúvida era se eles ainda deveriam fazer esta visita, pois precisavam repassar toda a história contada pela menina, além de tentar entender o que havia se passado entre ela e Olívia. Renus e os alunos conseguiam ver que apesar de Olívia se manter forte ao que acabara de passar, ela estava visivelmente abalada. Cada um deles tinha muitas coisas para falar, mas preferiam esperar um melhor momento. O bom senso era a melhor qualidade dos tangens.
– Se você achar melhor, nós abortamos a missão. – Disse finalmente Renus.
Ela ficou pensativa e Turio que desde o começo deixou de se importar com a missão para centrar foco em desvendar o mistério da aparição, disse para eles:
– Existe uma possibilidade de não ter sido uma projeção como eu disse e... – tomando fôlego continuou: – Evelien já estar morta... Dentro de casa.
Ninguém havia pensado nesta hipótese, de ter sido mesmo uma assombração, pois haviam falado com ela um dia antes. Porém ela era uma velhinha frágil e doente e isto poderia estar acontecendo mesmo. Lália e Aurosa deram-se os braços instintivamente ao imaginar que o encontro seria para atestar o óbito da velha senhora.
Renus muito mais cético e objetivo resumiu a questão com uma palavra direcionada para Turio:
– Bobagem!
Apegada à ideia de que havia falado com uma menina normal e cheia de vida, bem diferente da ideia que ela fazia de uma assombração, Olívia decidiu:
– Vamos entrar e descobrir isto logo!
Evelien abriu a porta sorrindo e bem viva para o alívio e alegria dos quatro falsos funcionários do hospital municipal.
Olívia se apresentou como assistente social e, logo em seguida, apresentou Renus como o fisioterapeuta, Aurosa e Turio como seus assistentes. Enquanto a velha senhora fazia sinal para que eles entrassem, falou:
– Se eu soubesse que vinham tantos, eu teria feito um bolo maior!
Na mesa da sala havia um bolo de cenoura, que não era assim tão pequeno. Evelien era adorável: meiga e solitária e fez da visita um evento em sua vida monótona. Suas maneiras, sua fala, sua casa em nada apresentavam quaisquer indícios daquela menina assustada que Olívia acabara de ver. Assim que puderam, eles começaram uma pequena entrevista: Olívia fazia as perguntas já previstas anteriormente e Turio fingia preencher os dados em um telefone móvel. Sempre que ele podia, tirava fotos da casa e de objetos com o mesmo aparelho celular, sem que Evelien percebesse. Olívia acrescentou algumas perguntas quando chegou no item "família".
– Você tem irmãos?
– Infelizmente, não! – Disse ela com certeza.
Aquela resposta surpreendeu aos quatro, pois deixava sem sentido a visão que Olívia tivera antes.
– Primos ou outros parentes com mais ou menos a sua idade? – Perguntou Aurosa, já pensando que se os graus de parentescos na Terra eram confusos para os tangens, talvez também fossem para os humanos.
– Por parte de mãe, eu tive uma prima. Mas ela morava em outra cidade... Já morreu.
– Sinto muito! – interrompeu Turio, e aproveitou a interrupção para uma observação e pergunta pessoal: – Mas a senhora teve ter tido muitos amigos na infância... E muitas vezes, alguns amigos são como irmãos...
– Não, jovem! Eu era uma criança bem solitária. Só depois, na adolescência, que fiz mais amizades.
Antes da aparição da criança, a maioria das perguntas que eles haviam formulado tinha foco numa fase mais adulta de Evelien, pois estavam baseadas na hipótese do tangen da escola ter sido um conhecido mais recente e não estar ligado a algo da infância. Agora os fatos e as questões estavam bem confusas para eles. Eles iam tentando envolver Evelien na conversa de vida pessoal, ao mesmo tempo em que pensavam em novas possibilidades.
Renus, que estava parado em pé próximo a uma prateleira cheia de objetos, perguntou:
– Esta é a senhora quando criança? – levando, para a mesa onde estavam todos sentados, um porta-retrato com a foto de uma senhora com uma criança no colo.
– Sou eu, sim! E a minha avó! – Disse ela sorrindo. – Foi tirada logo depois que vim morar aqui.
Renus virou a fotografia para que Olívia olhasse e ela confirmou com a cabeça uma pergunta que não precisou ser feita, mas que todos queriam saber.
Aurosa fez o comentário cheio de delicadeza:
– Ah, uma linda menina! A senhora ainda tem os traços da infância. Mas parece muito mais feliz agora do que na foto.
– Obrigada, minha querida! A verdade é que esta época da infância foi muito difícil para mim. Eu tinha perdido papai e mamãe. Hoje, se não fosse uma fotografia que tenho deles, eu nem me lembraria mais de seus rostos.
– E este período de adaptação com a sua avó foi difícil, Evelien? – Perguntou Olívia.
– Eu não lembro! Mas vovó costumava contar que eu fugia de casa, me escondia pelas ruas, nos cantos... Criei até um amigo imaginário... – Disse a velha sorrindo.
– Ah, isto é tão fofo... A imaginação das crianças – disse Turio. – Eu quando era criança também tive um amigo imaginário. O nome dele era Mirus... Eu escrevia cartas para Mirus; um monte de rabiscos ininteligíveis. Imaginei que ele havia ido morar longe...
Até Renus riu da escolha do nome do amigo. E Evelien também gostou da cumplicidade na confidência:
– Então eu acho que Mirus devia ser amigo de Martin... Este era o nome de meu amigo. Ele também foi para longe. Vovó disse que um dia eu voltei para casa, dizendo que Martin havia me abandonado. Eu fiquei triste durante muito tempo. Ela me disse que um amigo que abandona o outro, não é amigo. Então eu deixei de lado a história do meu amigo e demorei a ter outros.
Mais tarde, Aurosa fez um comentário sobre o colar que ela usava e Evelien não sabia direito de onde havia vindo, mas que fora a sua avó que havia lhe dado.
– Não é uma joia, mas vovó não costumava me dar muitos presentes assim. Eram mais presentes de utilidade: roupas, cadernos. No máximo, alguns doces e biscoitos. Então, quando ela morreu, eu decidi arrumar uma corrente nova para ele e usar sempre como recordação.
Todos estavam se perguntando a mesma coisa: afinal Martin era um amigo imaginário ou era um irmão? Em quem acreditar: numa menina assombração ou numa velha senhora com a memória fraca?
Renus e Aurosa começaram a sessão de fisioterapia, que foi realmente até mais do que uma fisioterapia. Com certeza, vendo a cara de satisfação da velha senhora ao ser massageada, o tratamento de Renus valeu pela mentira que eles contaram.
Assim que saíram da casa de Evelien e encontraram os outros, todos quiseram voltar para o sítio o mais rápido possível. Estavam todos exaustos, menos Aurosa, que ainda tinha esperanças em comprar tulipas.
O assunto principal da missão, saber a história de Evelien, ficou esquecida naquela noite; todos só falavam na aparição da menina e na mediunidade de Olívia.
– Eu já ouvi falar que o sexto Mestre dos Tempos e Espaços conseguiu algo como uma viagem ao passado dele mesmo e mudou algo. O Conselheiro conhece esta história? – perguntou Noro a Renus.
– O sexto Mestre foi considerado um charlatão, por outras histórias que contou... – resumiu o que pensava Renus.
– Então o senhor acha mais provável que ela tenha visto um fantasma? – perguntou Lália.
– "Provável" não é a palavra certa para este caso! Por isto aconselho a todos manter esta história em segredo. Nada de contar para mais ninguém, até que possamos provar algo. Ou a humana, além de ser considerada burra, aparecerá como louca. – Falou ele cruelmente, mesmo que no fundo demonstrasse preocupação com Olívia.
– Eu não sei o que pensar – disse Noro. – Talvez eu tenha envolvido Olívia no meu sonho ao contar para ela. Foi a única para quem eu contei...
– Mas o teu sonho parecia mais premonitório, Noro. – Disse Aurosa tentando organizar um pensamento enquanto falava. – Você sonhou com algo que iria acontecer com você em Amsterdam... na fábrica. Aí, sim, nós já ouvimos falar de casos de pessoas que conseguem prever coisas do futuro. O que aconteceu a Olívia é muito diferente. Ela não teve uma premonição. Foi como se ela estivesse num momento de memória passada por outra pessoa... Ela teve um flashback de outra pessoa, pois ela falou com uma menina do passado, no presente. É muito complicado...
– E é mais complicado se pensarmos que ela não falou com um fantasma – uma forma de energia já desencarnada. Ela falou com o fantasma de alguém que está vivo... – Acrescentou Naitan, que defendia a aparição como algo sobrenatural e não efeito de uma prática de projeção espiritual.
Olívia entrou na sala com os cabelos molhados do banho recém-tomado, e o silêncio que se seguiu denunciou que estavam falando dela. Ela quis parecer forte e manter a aparência de tranquilidade para eles, por isto falou:
– Hoje eu vou fazer o jantar! O Conselheiro me ajuda?
Enquanto Renus descascava batatas e cenouras, ela cortava tomates e cebola:
– Eu não devia pedir para o Conselheiro me ajudar na cozinha, mas eu queria ficar a sós com o senhor e poder lhe falar... – disse Olívia. – O que aconteceu comigo? Como eu pude ver aquela criança?
– Eu queria muito ter uma resposta, mas também não sei.– Disse ele lamentando. – Os pirralhos levantaram algumas possibilidades...
– O senhor viu que eles não são tão pirralhos assim? – Disse ela orgulhosa dos alunos, mudando de assunto e querendo que Renus admitisse que seus alunos eram competentes. Ele somente deu aquele resmungo e não emitiu nenhuma opinião.
– Eu gostei de ver que eles já estão conversando com o senhor.
– Eles estão preocupados com você. – Confessou Renus, o que Olívia já sabia.
Porém ele acrescentou algo que fez Olívia tremer mais do que quando viu a criança:
– Eu também estou preocupado com você!
Ela tentou rapidamente remover do pensamento que aquela preocupação teria alguma ligação mais pessoal. Ela não queria se enganar e achou melhor pensar que ele estava apenas cumprindo sua tarefa de cuidar dela e disse:
– Não se preocupe... Eu tenho a melhor babá e melhor lutador de Tangen!
Ele sorriu pela primeira vez em muito tempo e falou:
– Deixa o Mestre Tuolock te ouvir falando isto! Aí sim, você vai ter com que se preocupar...
E ela lembrou que, por uma coincidência, ele já havia ouvido.
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