A Quermesse

A igreja de São Francisco ficava no alto de uma pequena praça. Um lance de escadaria dava para uma área frontal maior, onde estavam diversas pessoas naquele momento. A construção era antiga e não muito grande. Tinha poucos detalhes acima das três entradas em arcos. O portal do meio, o maior deles, exibia uma escultura em relevo na própria construção do santo padroeiro, com suas vestimentas bem simples e uma pomba pousada em seu ombro esquerdo.

Quando o grupo chegou na frente da igreja, Olívia já havia dado todas as indicações sobre o que fazer e o que não fazer durante a missa. O grupo foi recebido pelo Padre José e Jorge com muita alegria. Estavam ali todas as figuras importantes da cidade. E então Olívia ficou sabendo que no dia do padroeiro, a cidade fazia feriado para acompanhar os festejos. Depois da missa haveria almoço e dança no salão da igreja. Ao lado do salão já estavam armadas as tendas para venda de produtos locais. Todo o dinheiro arrecadado iria para as obras sociais que a igreja mantinha, entre elas a creche e a escola de educação pré-escolar que abrigava diariamente quase duzentas crianças de famílias mais pobres. As crianças ficavam o dia todo e isto demandava pagar professores e assistente e dar as refeições.

Antes de entrarem na igreja, Lália conversou um pouco com Otávio, que naquele dia estava à paisana, o que significava que não estava ali como o ajudante do Delegado Lopes. O grupo foi orientado a sentar no primeiro banco. E assim que sentaram, Lália contou que eles seriam homenageados durante a cerimônia, por isso o Padre havia insistido para que eles estivessem presentes.

Olívia ficou um pouco apreensiva com a situação e recomendou cautela frente a possíveis surpresas. Os alunos do Programa de Estudos Humanos prestaram muita atenção ao que o Padre dizia e a todo o ritual da missa. Estava claro para Olívia que eles não entendiam quase nada do que estava sendo dito, mesmo assim ficaram pacientes e atentos. O Padre José fez um belo sermão com trechos de escritos do Santo padroeiro dos animais. Depois do sermão, ele então anunciou a homenagem, ao lado dele, Julia e Sofia estavam sorridentes, com flores nas mãos.

– Nesta semana tivemos a intervenção divina entre nós. Como todos vocês já devem saber, um grupo de estudantes estrangeiros prestou um grande serviço à cidade evitando um desastre ambiental. Ao evitarem isto, eles salvaram a vida de muitos animais. Nada mais justo que a cidade os receba de braços abertos e que sejam eles abençoados por São Francisco, nosso padroeiro. – o Padre virou para o grupo tangen e continuou: – Professora Olívia... Alunos... Eu gostaria de agradecer em nome de todos cidadãos e em nome de nossos animais pelo bem que vocês nós fizeram. Por favor, levantem para receber esta homenagem simples, mas de coração.

Todos olharam discretamente para Olívia, esperando que ela agisse primeiro. Ela levantou sorrindo e os seus cinco alunos também. Julia desceu o degrau do altar, deu um buquê de flores à Olívia e mostrando uma corrente prateada com uma medalhinha que estava em sua mão, fez com que Olívia percebesse que ela iria presenteá-la com um colar. Olívia inclinou levemente a cabeça para que Julia colocasse a corrente pendurada em seu pescoço. Depois lhe deu um abraço. Ela sorriu agradecida. Assim ela fez com Lália e Aurosa, enquanto Sofia presenteou Turio e Noro, deixando Naitan por último. Todos notaram que Naitan recebeu além do abraço, um beijo no rosto, fazendo-o corar. Após todos receberem a homenagem, o público aplaudiu em pé.

O Padre finalizou a missa, logo em seguida. Muitas pessoas foram até o grupo agradecer pessoalmente. Um dos últimos a aparecer foi o velho Fabiano, que agradeceu de forma especial por eles terem salvo a vida de seu filho. Todos eles ficaram comovidos pelo agradecimento, e por ver o carinho que o pai sentia pelos filhos, coisa que os tangens não tinham oportunidade de sentir.

Logo em seguida o grupo foi conduzido por Julia para o salão paroquial. Uma mesa bem em frente ao palco estava reservada para eles. O almoço foi um pouco problemático, já que era um galeto e o grupo não comia carnes de nenhuma espécie. Acabaram comendo polenta e verduras.

– É muito estranho que na festa que homenageia os animais, eles sirvam um animal para todos comerem... – Falou Aurosa indignada com a escolha do cardápio.

– E esta medalha? Nós vamos ter que ficar usando para sempre? – Perguntou Noro que estava um pouco incomodado em usar o colar.

– Não, Noro! É só uma lembrança. Mas por agora, deixa no pescoço para não parecer indelicado.

Assim que começou a música, Otávio veio tirar Lália para dançar. Aurosa e Noro levantaram logo em seguida querendo ver se conseguiriam aprender os passos daquela dança. E, como era de se esperar, Sofia e mais algumas meninas, vendo três cadeiras vagas na mesa, vieram sentar para conversar com Naitan.

Turio olhou para Olívia e a viu triste. Ela já havia bebido além do que costumava: estava com as bochechas vermelhas e com a fala arrastada. Ela falou só para ele ouvir:

– Parece que os esquisitões ficaram sozinhos... – Referindo-se a eles dois.

– Nós não estamos sozinhos! Eu estou com a melhor professora de todos os mundos. E você, com o cara mais inteligente deste salão.

Achando graça da descrição pretensiosa e pouco modesta de Turio, ela disse – Então vamos dançar! – enquanto acabava de beber o resto de vinho do copo. Turio percebendo que ela já estava bêbada optou por dançar de um jeito mais calmo e sem muito agito. Em um momento, ela deitou a cabeça em seu ombro, fechou os olhos e deixou que ele a levasse. Ela falou:

– Parece que eu estou voando com o meu anjo...

Para logo em seguida dizer:

– Acho que eu vou vomitar!

Ele conseguiu sair com ela pela porta lateral do salão, tão rápido que ela nem sentiu a passagem do tempo, e evitando um vexame horrível; assim que alcançaram um canto vazio da rua, ela abaixou a cabeça e vomitou tudo que havia comido no dia. Sujou seu vestido e sandália, mas ninguém viu o que acabara de ocorrer. Então Turio a levou para dentro da igreja e eles sentaram no banco mais escondido que encontraram.

Ele pensou o que deveria fazer para que ninguém a visse naquele estado. Antes de decidir, alguém parou ao lado deles. Olívia reconheceu o Mestre dos Movimentos e disse embriagada:

– Tuolock, meu Mestre querido!

Ela levantou com dificuldade e deu um abraço no Mestre, dizendo com a língua enrolada para Turio:

– Este aqui é meu amigo de verdade! Igual a você!

E caiu sentada no colo de Turio. O Mestre franziu a cara e falou:

– Quando eu soube que Renus estava em Tangen, imaginei que você estaria metida em alguma encrenca.

Olívia lembrou de Renus e ficou triste.

– Por que Renus não gosta de mim, Mestre? – Disse ela, já começando a chorar.

Tuolock olhou para Turio, que ainda estava em choque com a aparição, e falou:

– Porque é um idiota!

Turio concordou em silêncio.

– Ele me deu um beijo, Mestre, e depois me chamou de menina burra...

Aquele beijo escondido teria sido surpresa para qualquer outro, mas não foi nem para Tuolock e nem para Turio. Os dois já haviam ficado sabendo; cada um do seu jeito. O Mestre voltou a olhar Turio e perguntou:

– Você é um dos alunos?

– Sim, senhor. Turio, o que não é idiota.

O Mestre gostou de Turio de imediato.

– Você fez bem em escondê-la aqui.

– O senhor acha melhor levá-la para casa?

– Avise os outros que você e ela irão dar uma volta. – Disse o Mestre já com alguma ideia.

Turio mandou mensagem pelo celular para todos:

Eu e Olívia não estamos gostando da festa e vamos dar uma volta pela cidade. Daqui à uma hora estaremos de volta.

O Mestre pegou Olívia no colo e Turio pelo braço e teleportou-se para sua casa. Turio olhou pela janela e reconheceu Deserto Plano.

– Eu achei que ninguém podia teleportar-se aqui para dentro... – Disse Turio.

– Somente eu!

Olívia dormia feito um bebê nos braços de Tuolock. Ele chamou alguém pelo seu comunicador e pediu que trouxessem com urgência algo para cortar o efeito do álcool.

– Já que você se acha inteligente, pode me explicar o motivo desta bebedeira? – Perguntou Tuolock.

Turio ficou um pouco na dúvida se respondia, mas sabia que o Mestre já descobrira a verdade, então falou abertamente:

– O senhor já ouviu... O Conselheiro Renus. Parece que ela está apaixonada por ele.

O Mestre olhou para o alto, como se algum pensamento estivesse sobrevoando a sala e ele tentasse compreender a situação.

– Vocês leram as notícias de hoje cedo? – Perguntou Tuolock.

– Eu li. Achei melhor não mostrar para ela.

– É. Você não é idiota mesmo.

Tuolock levou Olívia para o seu quarto e deitou-a na cama. Enquanto tirava sua bolsa, vestido e sandália, uma voz anunciou que havia alguém na porta.

– Abrir! – Disse ele. Segundos depois, Olívia recebia um adesivo no braço que iria acabar com a embriaguez.

Tuolock deu as vestimentas de Olívia para o secretário e pediu pressa na lavagem. Fez sinal para que Turio o seguisse. Abriu a porta de outro quarto da casa. Na cama estava Renus dormindo em sono profundo.

– A bebedeira dele foi pior. Quando me avisaram que ele estava caindo pelas ruas de Tangen, tive que ir buscá-lo também. Mas ele vai ter muita dor de cabeça para deixar de ser tão estúpido...

– O problema é que muitos viram... – Disse Turio. – Não sei se consigo esconder as notícias de Olívia.

– Consegue, sim! Você vai dar um jeito... – Falou o Mestre com segurança. – Mas não quero, de jeito nenhum, que alguém fique sabendo sobre a menina... Você também vai dar jeito nisto.

Ele concordou. Tuolock estava com a bolsa de Olívia na mão e devolveu para Turio, dizendo:

– Eu sempre quis saber o que os humanos carregam nestas bolsinhas...

– Aqui tem dinheiro, cartão de crédito, chaves, celular, remédio para dor de cabeça, álcool gel, uma caneta e um canivete suíço. – Disse Turio com uma certeza, que chamou a atenção de Tuolock do quanto o aluno sabia sobre sua professora.

– O que é um canivete suíço? – Perguntou o Mestre.

Turio abriu a bolsa e tirou o canivete de dentro. A expressão do Mestre, quando Turio mostrou o objeto e as possibilidades que ele oferecia, foi de alegria; não só pela descoberta do objeto, mas por ficar sabendo que Olívia carregava uma arma.

– Uma pequena guerreira! – Disse ele para Turio.

– Na verdade, Mestre, até hoje só a vi usando a tesoura para cortar uma unha quebrada. – Falou Turio.

Eles ficaram conversando durante mais um tempo, até que alguém trouxe o vestido limpo. Tuolock levou os dois novamente para o exato lugar em que os encontrou: o banco da igreja e desapareceu. Turio ficou com Olívia deitada no banco da igreja por mais dez minutos. De repente, ela acordou como quem acorda de um sono qualquer. Não lembrava de nada após ter levantado para dançar e achar que estava voando. Ele contou que ela havia vomitado e ele a trouxera para dentro da igreja para dormir.

– Mas eu não estou sentindo nada de bebedeira. – Disse ela estranhando a falta de ressaca.

– Talvez você não estivesse tão bêbada... Só enjoada com a comida... E dormiu...

Ela não se convenceu com a explicação, porém não iria reclamar porque não estava de ressaca.

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