A história de Evelin


Teleportados por Renus, o grupo saiu pela manhã do sítio, mas por causa do fuso horário, acabou chegando em Amsterdam no meio da tarde. Como na ida à Londres, eles optaram por chegar por uma rua bastante deserta na cidade e já com um plano de ação. Eles teriam que andar a pé até a casa de Evelien, a senhora do colar. Eles já sabiam que Evelien havia ficado órfã com quatro anos de idade e fora morar com sua avó. A avó trabalhava como balconista de uma loja próxima a sua casa; quando a menina precisou morar com ela, ela se aposentou e passou a viver da pensão. Evelien acabou seus estudos e trabalhou como secretária em vários lugares diferentes, durante toda a sua vida. Foi noiva durante um tempo, mas nunca casou. Cuidou de sua avó até ela morrer. As duas moraram a vida toda na mesma casa e Evelien estava agora com 87 anos.

Turio invadiu o banco de dados do hospital que ela consultava, e viu que em sua ficha médica, ela era descrita com alguns problemas da idade como artroses e infecções urinárias crônicas; além de alguns problemas de locomoção, momentos de confusões mentais e perdas de memória simples. Nada grave e que a impedisse de morar sozinha pelo conselho tutelar dos idosos. Ela saía muito pouco de casa com auxílio de uma bengala: ia a casa de poucas amigas ainda vivas, a feira e a fisioterapia pelo menos uma vez por semana.

Como parte do plano, Evelien havia recebido uma ligação no dia anterior, perguntando se ela estava disposta a receber a visita de um fisioterapeuta no dia seguinte. Ele iria fazer uma nova avaliação de seu problema e verificar se ela precisava entrar para um programa de fisioterapia domiciliar que o hospital estava desenvolvendo. Ela havia combinado a visita para às quatro da tarde.

Ainda eram três horas, quando o grupo andava tranquilamente pelas ruas de Amsterdam rumo à casa de Evelien. O dia estava frio e poucas pessoas estavam na rua. Turio havia levado sua câmera e aproveitava para tirar várias fotos das construções locais juntamente com Naitan, que havia prometido este tipo de imagem para Niela. Com os canais e as construções em estilo muito diferente das outras cidades que os tangens tinham documentadas, os dois alunos estavam eufóricos com as imagens.

Aurosa estava empolgada com a ideia de após a conversa, eles irem ao mercado de tulipas. Ela reparou que em algumas casas, as janelas-vitrines exibiam alguns vasos com as flores. Lália estava grudada no mapa de seu celular, conferindo as ruas por onde eles passavam, sempre comentando com Olívia e Renus que caminhavam lado a lado. E, um pouco mais a sua frente, Noro vinha quieto, pressentindo o que aconteceria a seguir.

Assim que eles cruzaram uma pequena ponte sobre um dos canais da cidade, Noro parou. Lália que vinha logo atrás olhando para o celular, bateu nele e percebeu que ele estava branco e paralisado perguntou:

– Que foi, Noro?

– Liv! Lembra do sonho que te contei? Eu estou dentro dele... Está é exatamente a rua do meu pesadelo...

Olívia olhou em volta e percebeu que realmente o local era igual ao que ele havia descrito. Todos repararam que havia algo errado e esperaram que Olívia falasse algo. Ela disse:

– Ainda temos tempo! Se você quiser, podemos conferir o local e ver se achamos a construção abandonada.

Mal ela disse isto, Naitan apontou uma construção antiga e comentou:

– Há uma ali! Parece ter sido uma fábrica...

– Eu quero ir até lá, Liv! – pediu Noro. – Este sonho tem me incomodado muito.

Renus balbuciou algo sobre estarem desviando da missão, mas Naitan lhe falou:

– Você chegou agora e não sabe o quanto este sonho tem angustiado Noro e todos nós, que o vemos perambulando pela casa à noite.

Olívia, vendo que Noro estava curioso, porém apreensivo, fez o trajeto até o prédio da fábrica bem ao lado dele. Aquilo não podia ser uma coincidência, pensava ela, quando chegaram a uma grande porta fechada com um cadeado enferrujado.

– Deveria estar aberta. – Disse Noro.

Renus olhou para os lados e num movimento rápido e preciso quebrou o cadeado. Olívia ainda teve tempo para pensar que aquele gesto fora feito muito mais para ele exibir a habilidade, do que por necessidade, já que muitas das janelas da fábrica estavam quebradas e poderiam ser transpassadas sem problemas.

O grupo todo entrou no grande galpão abandonado, do que parecia ter sido um dia uma fábrica de linhas. Em vários lugares ainda estavam carretéis de linhas apodrecidos pelo tempo. O lugar havia sido invadido recentemente, pois havia restos de comida pelo chão, garrafas de cerveja e também cheiro de urina. Além disso, havia algumas pichações com letras e nomes.

Eles andaram pelo galpão durante um tempo, e Noro falou:

– Não há nada aqui que pareça com um lugar para crianças brincar. Nenhum indício de crianças...

Eles ficaram quietos e concordaram com Noro. Foi então que Olívia ouviu um barulho de alguém se movendo por trás dela em direção a um canto da fábrica.

– Vocês ouviram isto? – perguntou Olívia.

– Isto o quê? – quis saber Naitan, olhando tudo rapidamente. – Eu não ouvi nada.

Ela olhou para o canto da fábrica e disse:

– Acho que tem alguém ali.

Todos foram com ela até o canto. E não viram nada.

– Deve ter sido um gato... – disse Lália. – Li que Amsterdam tem muitos gatos de rua.

Não era um gato. Olívia estava vendo uma criança: uma menina agachada e encolhida há poucos metros dela. Ela virou para Noro e falou:

– Não é gato! É uma menina!

E, quando ela ia dar um passo a frente, Renus a segurou pelo braço e disse:

– Não há ninguém ali!

– Como não há? – falou Olívia irritada com a afirmação. Porém ao olhar para Renus, Naitan e Noro, que estavam ao seu lado, ela percebeu que eles estavam confusos e atônitos.

– Vocês não estão vendo uma menininha ali? – reformulou Olívia.

Para eles não havia nada além do piso de concreto, lixo e restos de materiais da fábrica. Não havia gato, muito menos criança. Naitan percebeu que algo além de explicações lógicas estava acontecendo ali:

– Não, Liv. Não estamos vendo. – E tentando ajudar a professora a compreender falou: – Não se assuste, pois pode ser algum tipo de manifestação que só você esteja vendo.

Uma manifestação de tal natureza que fez Olívia pensar que estava diante de um fantasma; e não querendo demonstrar o medo ao grupo, tentou amenizar:

– Eu não estou assustada, pois é só uma menina. Ela tem uns cinco anos ou menos e está encolhida ali no canto. Ela parece triste e está segurando alguma coisa contra o peito.

Foi uma descrição simples, mas precisa. Todos perceberam que não era uma alucinação e que Olívia estava tendo uma visão clara e sincera.

– Eu vou falar com ela. – Decidiu Olívia.

Renus tornou a segurar Olívia e falou baixinho

– Eu não posso te proteger de algo que não vejo.

Mesmo assim, ela não desistiu: deu alguns passos até a menina e, quando chegou perto, a menina interagiu, olhando para Olívia. Era uma criança bonita, com rosto rosado, como ficam as crianças bem aquecidas em dias frios. Não parecia perigosa, não parecia ser uma assombração. Era algo muito real: uma criança triste, como qualquer outra que acaba de se machucar ou levar uma bronca de um adulto. Com o coração acelerado, Olívia se aproximou e perguntou:

– O que aconteceu, menina? Por que você está triste?

A menina mostrou-se tímida ao primeiro contato com a estranha, mas parecia precisar de ajuda.

– Eu tenho que voltar para casa, mas não sei como ir... – Disse ela.

– Eu posso te ajudar. – Ofereceu Olívia.

Renus e o resto do grupo se olharam entre si, pois para eles, Olívia estava falando sozinha.

– Eu não sei voltar! – Repetiu a menina para Olívia.

– E você lembra como chegou aqui?

– Mais ou menos. – Respondeu a criança.

Noro então perguntou para Olívia:

– Ela está falando? O que ela está dizendo?

Olívia relatou a conversa até ali. Renus, mesmo descrente, tratou o assunto como faria com qualquer criança perdida e sugeriu:

– Pergunte se ela veio caminhando... Como ela veio para cá?

Olívia repetiu a pergunta e a menina respondeu:

– Eu vim caminhando com meu irmão.

– E onde está o seu irmão?

A criança entristeceu e disse:

– Levaram ele... Uns homens grandes...

Olívia passou a repetir as respostas da menina para os outros:

– Não chore, minha querida! Agora eu estou aqui e vou te ajudar. Então me diga: o que você e seu irmão estavam fazendo aqui?

– Nos viemos brincar. A fábrica estava fechada e a gente sempre vem aqui brincar com os canudos.

Ao falar isto, a menina tornou-se ainda mais comum aos olhos de Olívia, fazendo-a lembrar de momentos da própria infância em que os professores faziam trabalhos manuais com canudos de todos os tipos, dando formas diferentes e transformando materiais que iriam virar lixo em brinquedos.

– Eu também gosto de brincar com canudos... Gosto de desenhar carinhas neles e fazer bonecas... – Disse Olívia sendo sincera, ao mesmo tempo em que tentava descontrair o momento tenso de se sentir perdida. E funcionou, pois a menina olhou de outro jeito para ela, com mais confiança. – E então vocês estavam pegando os canudos... E?

– E dois homens enormes apareceram e levaram ele. E deixaram cair isto aqui... – Disse a menina estendendo a mão para Olívia. Quando Olívia viu o objeto na mão da menina, levou um susto.

Todos perceberam. E após o susto, Olívia virou para eles e disse:

– Ela acaba de me mostrar o que tinha na mão...

De repente, uma nuvem de chuva encobriu a fábrica, deixando o lugar antes iluminado, bastante escuro. Noro relembrou o sonho e falou:

– Algo irá cair!

Neste exato minuto, apenas Olívia viu o objeto cair ao chão de concreto, mas todos ouviram o som metálico. O barulho ressoou por alguns instantes. E se alguns deles ainda não estavam acreditando na manifestação que apenas Olívia conseguia ver, passaram a acreditar.

– Ela está com o medalhão da Escola dos Pequenos...

– Esta menina pode ser a velha senhora que viemos ver! – Disse Naitan, que assim como Noro, embarcou com naturalidade à cena insólita deste o principio.

Olívia abaixou para pegar o medalhão e o devolveu a menina, perguntando:

– Qual o seu nome?

E ela respondeu:

– Evelien!

Olívia olhou para Naitan confirmando:

– É ela!

Enquanto Olívia pensava o que deveria fazer, Turio disse ao grupo:

– Ela pode estar vivendo uma projeção do passado de Evelien...

Renus ouviu isto e, pensando em algo, tomou uma atitude de liderança:

– Olívia, tente tirar dela mais informações: quem eram estes homens, onde levaram o irmão, o nome do irmão...

A menina Evelien contou então que estava com o irmão chamado Martin. A fábrica já havia fechado, mas eles acharam um jeito de entrar escondidos para brincar e pegar alguns carretéis de linhas, pois queriam construir um grande boneco com eles. De repente, dois homens muito grandes apareceram na fábrica e pegaram Martin. Ele tentou se soltar dando chutes e socos, mas não conseguiu. Na briga, o objeto que ela tinha nas mãos caiu do cinto de um dos homens e logo em seguida, eles desapareceram levando o seu irmão.

– Eu preciso encontrar Martin! – Disse a pequena Evelien chorando. – A vovó irá brigar se eu voltar sem ele...

Olívia achou que já era o suficiente. Assombração ou não, a menina estava sofrendo e ela não iria deixá-la assim. Então decidiu:

– Eu vou te levar em casa! Talvez Martin já esteja lá...

Ela disse isto e estendeu a sua mão para que a menina a pegasse. Olívia saiu de mãos dadas com Evelien da fábrica e todos os outros a seguiram. As ruas estavam umedecidas por uma chuva fina que caía. Lália deu as coordenadas até a casa de Evelien.

Assim que chegaram perto da casa, a menina reconheceu o lugar; parou e disse para Olívia:

– É aqui, moça! Obrigada por me trazer... – E após dar um abraço nas pernas de Olívia, ela desapareceu.

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