A Festa de Despedida
Olívia chegou sozinha no prédio do Conselho. Desceu da esfera móvel que havia utilizado, já mostrando saber como andar em Tangen. Mirus e os alunos estavam todos no saguão de entrada esperando por ela – entrariam todos juntos. Mirus não conteve um comentário sobre o quanto ela estava elegante, e os alunos todos concordaram. Ele fez questão de entrar na frente e de braços dados com ela. Logo atrás entraram os cinco alunos, todos mais bem vestidos do que costumavam estar no dia a dia.
A entrada provocou olhares e comentários entusiasmados. Os "pirralhos" não estavam parecendo tão pirralhos, arrumados para a confraternização como estavam. E os conselheiros e alguns professores da escola também não pareciam tão sombrios e antissociais como de costume: conversavam enquanto comiam e bebiam e sorriam mais do que o normal. Havia mais de trinta pessoas em uma sala grande, específica para eventos.
Diferentemente da sala de reunião do Conselho, a sala era lindamente decorada. Tinha apenas alguns objetos mais trabalhados, o resto ainda era naquele estilo minimalista. As peças mantinham um padrão de algo transparente, que parecia vidro, mas não era vidro; um material branco que imitava pedra; e outro material que parecia prata, mas não era prata. Os jarros transparentes traziam lindos desenhos florais prateados ou brancos. Colunas com diversas formas e tamanhos, deste material branco, eram encravadas com as transparências e a prata, também nos motivos florais. Estas colunas em diversas alturas serviam de mesas e bancos. Nas paredes, retângulos que iam do chão ao teto tiravam a neutralidade do ambiente. Eram pinturas murais enormes de flores de todas as cores, mas quase todas pintadas sob um fundo preto. Ao lado esquerdo da sala, um pequeno palco com alguns instrumentos musicais estranhos a Olívia fazia crer que em algum momento haveria música na festa. Ao fundo, havia uma grande porta de correr com um vitral, que estava entreaberta, deixando à mostra parte da sacada.
Mirus não largou o braço de Olívia até que tivesse apresentado alguns tangens que ela ainda não conhecia. Para sorte da humana, não foram muitos e nem desenvolveram muito as conversas. O resto do grupo foi se dispersando, cada um encontrando seus conselheiros prediletos, aqueles que estiveram acompanhando estudos e interesses da futura expedição. Os mais entusiasmados eram Aurosa e Noro. Logo que viram Miti, foram chamados para conhecer um tangen que trabalhava no jardim botânico e pediu-lhes amostras de plantas terrestres. Lália ficou conhecendo alguns dos antigos colegas de Líneo, do Conselho da Cidade. Todos eles, sabendo que o grupo iria para uma cidade pequena e sem muita estrutura, pediram que a aluna prestasse atenção em detalhes de organização. Lália aproveitou para exibir os números que ela já havia estudado. Olita e Niela falavam com Naitan sobre compor um álbum de imagens arquitetônicas, pois Mirus havia lhe falado que em suas idas recentes à Terra, tudo estava diferente daquilo que eles conheciam. Turio parecia o único deslocado. Mas isto não era novidade. Naitan logo o chamou para resolver o problema sobre o melhor procedimento para coletar as imagens.
De repente, Olívia se viu sozinha, em um lado do salão. Olhou com atenção as flores das paredes e percebeu que não eram pintadas. Eram feitas em outro processo, que ela não soube identificar, mas que dava às flores uma impressão maior de realidade. Mais ao fundo do salão, ela viu o Conselheiro Renus e a amiga que estava com ele no outro dia, sentados em dois bancos-blocos.
Ela tentou retornar o olhar e sair como se não os tivesse visto, porém a amiga de Renus fez sinal para ela se aproximar. Ela parecia feliz em reencontrar Olívia e disse:
– Ah, você é o motivo para eu estar aqui, Olívia! Queria te conhecer melhor. Lembra de mim?
– Sim, – disse Olívia encabulada – a senhora me ajudou no dia que me senti mal na rua. Não tive oportunidade de lhe agradecer...
– Não precisa agradecer nada! E por favor, em hipótese alguma me chame de senhora. Nunca! – Disse ela com um tom entre tentando ser simpática e sendo, ao mesmo tempo, autoritária, algo que Olívia não reparou na primeira vez que se viram.
– Você sabe quem eu sou? Renus não lhe falou? – Perguntou ela querendo insinuar que era alguém importante. Olívia achou melhor não arriscar e dizer que ela deveria ser a namorada do Conselheiro.
– O Conselheiro e eu... nós não nos falamos muito... – Disse Olívia, já querendo se esquivar caso a namorada estivesse imaginando algo entre eles.
– Ele nunca foi bom com as palavras... – Disse ela dando um soco leve no braço de Renus, mostrando intimidade entre eles. – Eu sou Tila. Sou a Chefe da Patrulha da cidade. Conheço Renus desde que ele foi para Deserto Plano. Estudamos juntos...
Olívia entendeu melhor o relacionamento dos dois, pois somente alguém que conhecera o Conselheiro antes de ele se tornar assim tão desagradável o aguentaria. Porém ela lembrou também que Tila, sendo companheira de Renus e chefe da polícia, muito provavelmente tinha ficado sabendo da história dos cravos. E ao lembrar de tudo o que aconteceu e que eles deram cabo às flores e ao caso, ela sentiu certa vergonha. Com certeza, Renus não faria segredo disso com ela. E completamente constrangida balbuciou um "– Muito prazer".
– Então, vocês já partem amanhã. Estive tão ocupada nestes últimos dias... Acho uma pena não ter te conhecido melhor. – Disse Tila parecendo sincera.
Era engraçada a situação, Tila buscava conhecer melhor Olívia, e Olívia tentava se esquivar de qualquer contato com ela. Até que ela disse algo:
– E como você está linda hoje! Naquele dia em que nos encontramos, nem ao menos consegui vê-la direito. Agora estou vendo, e você não é nenhuma "menina", como Renus insiste em dizer... – Disse isto virando o rosto para o Conselheiro e fazendo uma expressão de desdém.
Renus parecia querer matar Tila com os olhos. Ela falava demais e sem pensar, constrangendo os dois. Ele não chegou a falar nada, até que Olívia conseguiu uma desculpa para sair dali.
Livre do casal, Olívia deu uma volta pelo salão sem ser notada e pensou em pegar um pouco de ar, saindo pela porta que dava para a sacada. Ela queria ficar só e esquecer aquela conversa: "Que casal estranho! Totalmente sem jeito para tratar as pessoas".
A porta estava aberta apenas por uma pequena fresta. Olívia não precisou ampliar a passagem para alcançar a sacada. Caminhou até a murada de grade para ver a cidade, que ainda estava clara. Porém já começava a soprar o vento leve e fresco que sempre anunciava a noite. O balcão era de frente; ficava na fachada, no primeiro andar, bem no canto direito. Assim ela conseguiu ver a praça maior e várias ruas que saíam dela, o Templo do outro lado e vários outros prédios menores. Lembrou quando esteve pela primeira vez em Tangen, teleportada por Mirus. Ela não saberia dizer para que prédio eles foram, pois a vista era de outro ângulo, totalmente diferente daquele, e ela não prestou muita atenção pelo nervosismo que estava passando. Agora sim, ela via que era uma cidade bonita e que tivera tão pouco tempo para conhecer. Estava envolvida nos pensamentos e não reparou que alguém, sentindo o vento esfriar o salão, resolveu fechar a porta da sacada. Quando tentou retornar ao salão, Olívia se viu presa pelo lado de fora.
Ela esperou alguns minutos grudada à porta, na esperança de que alguém passasse perto e a visse. Porém, ela começou a escutar o som dos instrumentos e imaginou que estavam todos mais próximos ao palco. Pensou em chamar alguém pelo comunicador, mas sentiu-se muito envergonhada pela situação. Olhou a altura do prédio e viu que era perfeitamente possível pular a grade, apoiar o pé em uma pilastra um pouco mais abaixo do balcão e saltar no chão, sem se machucar – assim ela entraria novamente no prédio e na sala, sem que ninguém percebesse a situação vergonhosa em que se metera. Ela planejou a descida cuidadosamente, passou uma e depois a outra perna por sobre a grade, ficando pendurada pelo lado de fora. Então esticou o máximo a perna esquerda até a parte superior da pilastra e quando se preparava para trocar todo o peso do corpo para lá, percebeu que o planejado não era assim tão fácil de executar. Em um momento de pânico, decidiu voltar para a sacada, quando ouviu Naitan dizendo:
– O que você está fazendo, Liv? Está fugindo da festa?
– Não me pergunta e me tira daqui, por favor! – Disse ela feliz de ver o amigo.
Ele correu até ela e sem dificuldade alguma, passou uma das pernas por cima da grade, e com um dos braços, pegou a humana pela cintura e suspendeu Olívia passando-a por cima da grade. Olívia reparou o quanto ele era forte, ao levantá-la como se estivesse pegando um bebê do chão. A reação dela foi a mesma de um bebê quanto levado ao colo: ela passou os braços pelo pescoço do amigo. Ela achou que ele demorou um pouco mais do que o necessário para colocá-la ao chão.
Ainda abraçados, ele disse meio confuso:
– Eu não acredito no que você estava fazendo!
– Nem eu! – Disse ela rindo meio nervosa.
Do lado de dentro do salão, ouvia-se a música. O Conselheiro Renus também, buscando escapar por um tempo de conversas com os convidados da festa, pensou em sair na sacada. Porém, recuou quando viu Olívia e Naitan abraçados e rindo do lado de fora.
Ele não ouvia o que estava sendo dito e pensou imediatamente em estar presenciando uma cena de amor, algo bastante raro em Tangen, já que os afetos públicos eram muito mal vistos por todos. Ele saiu bastante encabulado para outro lado da sala. Se tivesse ouvido a conversa saberia que Olívia abraçava Naitan em gratidão, explicando o que tinha acontecido.
Naitan surpreendeu novamente Olívia naquela noite, quando subiu no palco minutos depois, para tocar uma música junto com os outros músicos. Ele solou em um instrumento parecido com um violoncelo retangular – ora tocado com o arco, ora dedilhado –, uma música que todos conheciam e cantaram juntos. Ao final, muitos aplausos e elogios à execução. Olívia ficou encantada e pensando que ao menos algo bom havia acontecido naquela festa.
Aurosa, Naitan e Turio acompanharam Olívia até em casa. Ela estava muito cansada e foi logo para a cama. Ao tirar o vestido sentiu tristeza em ter que deixar para trás todas aquelas coisas que já faziam parte de sua vida. Não só as coisas, mas a cidade, a escola, os anjos e os tangens.
Pela manhã do outro dia, a partida foi discreta: somente ela, Mirus e os alunos. Eles combinaram cedo na sala de aula, cada um levando apenas a pequena mala. Aos poucos eles iam chegando já vestidos com suas roupas humanas e uma expectativa enorme. Eles haviam esperado muito tempo por este dia: o dia de executar o que era, até ali, apenas um projeto. Antes da viagem, resolveram ir ao refeitório para uma última refeição reforçada. Ao voltarem para a sala, Olívia viu surgir, de uma das portas laterais, o Conselheiro Renus. Ele parou Mirus para falar-lhe algo enquanto os outros prosseguiram. Quando Mirus retomou o caminho, foi Olívia quem parou e, como que lembrando de algo, voltou poucos passos em direção ao Conselheiro Renus. Os outros a deixaram para trás.
– Senhor, eu não tive oportunidade de me despedir do senhor ontem.
– Isto é bobagem! – Disse ele.
– Não, senhor! Não é. O senhor foi muito gentil comigo, me ajudando com aqueles cravos. Eu não vou esquecer isso... – Disse ela, sem pensar muito que a palavra "gentil" não era bem a correta para aquele tangen. – Se um dia, eu puder retribuir...
– Menina, vá com seus alunos e não faça muitas besteiras. – Falou daquele jeito provocativo, dando a entender que ela iria se me meter em alguma encrenca. E completou: – eu preferiria não ser chamado, mas caso aconteça algo... Algo que você não saiba resolver, como no caso das flores... fale direto comigo. O Mirus é um bom tangen, mas... – ele nem fez questão de completar.
– Nós não poderemos usar nossos comunicadores por lá. A comunicação terá um sistema de segurança, para que os humanos não interceptem mensagens de outro mundo. – Interrompeu ela, sem saber como iria contatar alguém em tangen.
Ele sorriu e, com expressão de quem tudo sabe e tudo resolve, disse:
– O pirralho que te levou ao Templo... Ele sabe tudo sobre burlar sistemas de segurança...
Ela olhou seriamente para ele e, para surpresa dele, ela disse:
– Senhor! Quando eu crescer, eu quero ser igual ao senhor! – Fazendo a despedida ser alegre.
– Simpático e gentil... – balbuciou ele, já de costas para Olívia.
Naitan estava do lado de fora da porta quando ela chegou. Antes de entrarem, ela falou baixinho para ele:
– Eu não queria ir embora...
Mas já era tarde. Mirus já a aguardava na roda formada por todos. Olívia e Naitan entraram lado a lado. Cada um abraçando um colega com o braço esquerdo, enquanto segurava a mala com o direito, partiram deixando a sala de aula vazia.
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