A sexta-feira chegou. Embora os tangens em Tangen não tivessem finais de semana, os tangens na Terra, já haviam entendido que todos ficavam mais alegres na véspera do sábado. E assim, eles estavam.

O telefone de Olívia tocou logo depois do café da manhã. Era Jorge perguntando se os alunos haviam tido alguma novidade nas pesquisas, pois outras duas vacas apresentaram vestígios da doença. Ele estava muito preocupado, pois, como eram vacas leiteiras, ele estava suspendendo a produção de leite e laticínios, com medo de uma doença contagiosa, e a perda de dinheiro seria enorme.

Olívia ficou bastante tempo com ele ao telefone, e ao desligar confessou:

– Eu esqueci completamente de Jorge e das vacas!

Mas Aurosa não havia esquecido. Naquela manhã mesmo, Mirus chegou com os resultados dos exames. Noro e Aurosa se fecharam no escritório para estudar o caso, enquanto os outros ficaram conversando.

– Olívia, você não tem ideia da surpresa do Conselho ao ler o relatório da missão agora de manhã! – Disse Mirus.

Ela levou um susto momentâneo, pois da forma que ele falou parecia que o Conselho havia percebido algum furo na história que eles reescreveram sem os detalhes das visões.

– O que eles acharam? – Perguntou ela com certo medo.

– Eles querem você lá hoje à tarde! Irão te falar pessoalmente... Mas posso te adiantar que não esperavam uma investigação tão boa, minuciosa e inteligente... Perceber que Evelien tinha um irmão e que ele teria mais de oitenta anos... Procurar pelos velhos da escola... Muito bom! Muito bom mesmo! – Falou Mirus enfatizando palavras no elogio.

– Será que agora eles irão deixar de pensar que eu sou uma humana burra? – perguntou Olívia para provocar Renus.

Mirus compreendeu a provocação e disse:

– Eles nunca acharam isto de você! E eu, que convivo mais com você, tenho certeza, que se alguém falar isto de você, é por que não te conhece direito.

Olívia sentiu certa culpa por omitir a história das visões do Conselheiro, que pensava tão bem dela. Mas nisso, Renus tinha razão: Mirus não conseguia guardar segredos por muito tempo.

– O Conselho também pediu que você chegasse um pouco mais cedo, Renus... – disse Mirus já justificando: – nós, conselheiros, queremos saber se é melhor você continuar aqui ou voltar para o Conselho; o que você acha e o que você quer...

Renus não se pronunciou. Apenas olhou muito disfarçadamente para todos que estavam ali, querendo ver suas reações à possibilidade dele deixar o sítio. Olívia teria defendido sua permanência, não fosse a sua conversa no mercado de tulipas. Ele havia trazido segurança ao grupo e ajudado muito durante toda a semana na investigação, mas não demonstrava confiar em seu trabalho com os alunos e nem parecia estar feliz onde estava. E isto ela não achava certo. Entretanto, ele estava feliz, a seu modo. O problema era que demonstrar felicidade não estava em seus hábitos. Em sua vida, ele havia tido a experiência de convívio feliz com os outros em duas oportunidades: quando era um menino livre em Campos Belos e quando foi promovido ao cargo de Comandante em Deserto Plano. Nas duas vezes, ele precisou deixar para trás a felicidade e aprendera a não mais se envolver. No fundo, nem ele e nem Olívia sabiam mais se seria melhor ele ficar ou partir. Lália simplificou as opiniões quando disse:

– Mas o Conselheiro disse que me ensinaria a lutar... Se o senhor for embora...

Turio, que estava conferindo mensagens e notícias da semana em Tangen, interrompeu:

– Acho que vocês deveriam ler o que acaba de ser publicado em Tangen...

Tangen não tinha uma imprensa tal qual existia na Terra. Eles tinham uma agência de informação livre com vários contribuintes; alguns mais confiáveis e lidos do que os outros. Isto funcionava para notas escritas e para todos os tipos de mensagens e informativos das mais diversas mídias. Alguns canais eram mais populares, como os de músicas e o de assuntos específicos. E eram muitos os assuntos específicos nas mais diversas áreas que se imaginasse. Dado o grau de estudos e de conhecimentos dos tangens, nenhum destes informativos era superficial. Inclusive, alguns deles eram pesquisas aprofundadas em detalhes e com ligações para várias outras histórias equivalentes.

 Na evolução do conhecimento e da vida, os tangens deixaram de perder tempo com bobagens e mentiras: em Tangen não existia o senso comum. Se um tangen queria desenvolver habilidade em tipo de estudo como matemática, ele focava na matemática e pouco se metia em outros assuntos. Até podia se interessar por ler e ouvir sobre esporte, por exemplo. Porém dificilmente ele daria opinião publicamente sobre preparo físico, técnicas de jogo etc. Somente se fosse chamado para calcular algo. Isto evitava grandes problemas de opiniões leigas, que logo cedo os primeiros tangens perceberam que atrapalhava toda a evolução.

Contudo, esta nota que Turio mostrou estava em um dos canais sobre os tangens mais famosos, como os Conselheiros e Mestres e já havia muitos comentários de leitores. Não era um canal de fofoca de celebridades; era mais um informativo sobre agendas e atividades. Nestes casos, o tom e estilo de cada nota eram dados por quem escrevia e bastante parcial, pois os tangens sabiam bem o que eram ideias subjetivas e que era impossível e desnecessário dissimular os pensamentos.

Uma vez comandante... Sempre comandante.

A todos aqueles que falaram mal do Conselheiro Renus na semana passada, fiquem sabendo que ele e sua nova parceira, (que é humana, sim! Como nossos ancestrais já foram um dia), juntamente com uma equipe maravilhosa de jovens investigadores, acabam de descobrir e desvendar um crime terrível do passado. Segundo uma fonte bastante confiável, o crime envolve crianças roubadas na Terra e em Tangen por uma quadrilha de tangens. Os agentes da ATI ainda não quiseram falar nada. Sempre tão sigilosos estes agentes...

Mas eu afirmo: finalmente estou vendo nascer uma equipe inteligente para reparar erros do passado, aqui e no mundo de nossos ancestrais, que poucos tangens respeitam.

Mas, como sempre, Sheda V. está de olho!

Um olho na notícia; e agora, outro olho no grande Comandante Renus!

Conselheiro, Comandante e Detetive! Ele é simplesmente o melhor!

Ele não toma partido de anjos e nem de humanos; ele toma partido do que é justo.

A nota era assinada por Sheda V.; e Turio mesmo explicou que ela costumava escrever sempre questionando as atividades de alguns Mestres e alguns dos Conselheiros. Geralmente ela era direta e acertava em seus julgamentos.

– Parece que o Conselheiro Renus tem uma admiradora declarada. – Disse Naitan, desprezando o vazamento das informações que deveriam permanecer em segredo e valorizando o que mais o irritaria.

Ao contrário, Renus não ficou irritado, mas Olívia, sim. Os outros demonstraram preocupação quanto às informações tão recentes já terem sido descobertas, mas a Professora reagiu como que embalada pelo ciúme. Um ciúme duplo, para os bons entendedores.

– Parece que a presença do Conselheiro no grupo está chamando demais a atenção. Talvez seja melhor o Conselheiro voltar para o Conselho! – disse ela.

Renus ficou visivelmente contrariado pelas palavras de Olívia.

– Não dê importância para esta fofoqueira, Liv! – Disse Lália, que agora defendia a permanência de Renus no sítio, explicitamente para ter aulas de lutas.

– Esta Sheda V. é uma tangen que se mete a falar de tudo e todos. – Disse Mirus.