Capítulo 8
CAPÍTULO 8
Mais um dia começava. Bem cedo, a oficina de Gorum já estava movimentada.
- Não é emocionante, Kyle? Nós vamos fazer uma viagem importante, na qual provavelmente viveremos muitas aventuras e... - Kiorina foi interrompida por Kyle.
- Claro, claro. Puxa, Kiorina, não dá para parar com essas suas idéias fantasiosas? Provavelmente vai ser somente uma viagem chata e cansativa... - dizia Kyle, quando foi interrompido por um tapa de Archibald.
- É, meu amigo, espero que não haja mesmo nenhum problema. Mas não se desanime: provavelmente vai ser útil e até muito interessante. - Archibald já estava mais acostumado com a idéia de viajar.
- Isso mesmo, Archie, e pode ser também que encontremos algum silfo quando passarmos por Shind. - disse a ruiva, que vestia botas de couro marrom, uma calça com tecido desgastado e uma camisa comum, roupas bem diferentes das que costumava vestir.
- Eu espero que não; dizem que eles são pouco receptivos, para não dizer antipáticos, orgulhosos e...
- Calma, Kyle, você não pode ir falando assim sobre algo que não conhece.
- Isso mesmo, Archie, eu já estudei bastante sobre os silfos, e eles são uma raça muito bonita e tímida. - disse Kiorina, que terminava de colocar suas coisas nas costas da mula.
- Também, pudera! Dizem que eles já foram milhares; organizavam-se em centenas de clãs, por toda a região, mas, hoje, não passam de duzentos os que vivem na floresta de Shind. - explicou Archibald.
- Só? - exclamou Kyle, largando sua mochila. - Mas isso não muda tudo o que Gorum me falou sobre esses sujeitos serem mais difíceis de lidar do que a própria família real, e eles nem moram em casas!
- A maioria morreu há muitos e muitos anos, na época das grandes guerras. - disse Kiorina, fazendo uma careta para Kyle.
- É, isso foi há tanto tempo, que não existem escritos detalhando como e nem por que essas guerras começaram ou acabaram. - Archibald repetia um pouco do que ouvira no mosteiro.
- Puxa! Com vocês dois falando assim, fico até sem jeito para conversar, depois de tantos estudos...
- Ah... o que é? Agora o grande cavaleiro vai ficar resmungando? - disse Archibald e deu um soco nas costas de Kyle.
- Ah é? Kyle devolveu o soco com um na barriga de Archibald.
- Na barriga é sujeira!
- E nas costas é o quê?
Kiorina já estava encostada na parede, preparada para rever uma daquelas briguinhas tolas. Lembrou-se de quando eram garotos e pensou: "Eles se reencontraram há tão pouco e já estão se comportando como nos velhos tempos!"
Logo, ambos estavam rolando no chão, agarrados.
- Ei, ei, é isso que eles ensinam a um monge Naomir lá no mosteiro? - Kiorina chamou-lhes a atenção; só então perceberam o que faziam.
- Não, quero dizer... - Archibald levantou-se e tentou se recompor.
Kyle não se levantou; começou a rir bem alto no chão e disse:
- Ha, Ha, Ha! Agora a "mocinha" nem pode mais com uma briguinha de nada!
Archibald limitou-se a olhar para o outro lado e para cima, enquanto batia na roupa para tirar a poeira.
- Ótimo! - disse Kiorina. - Agora que vocês já acertaram suas divergências, nós podemos terminar de carregar a mula e partir!
- Que barulho foi esse? - A voz trovejante de Gorum chegava ali, vinda de fora.
Archibald soltou a corda que prendia o portão, para Gorum entrar.
- Garoto, o que você está fazendo deitado no chão? - perguntou Gorum, surpreso.
- Sabe, Gorum, nós estávamos conversando sobre os silfos e me parece que o Kyle não agüentou muito bem o peso da conversa. - disse Kiorina, ironicamente.
- Ah, os silfos! - disse Gorum, esboçando um largo sorriso.
Archibald e Kiorina se olharam ao mesmo tempo, levantando os ombros e as sobrancelhas.
- É... silfos. - resmungou Kyle, enquanto se levantava.
- Puxa, fazia tempo que não pensava neles... - disse Gorum, que olhou para cima, ainda com um sorriso enorme na boca, e acrescentou: - Se vocês virem o Roubert, mandem lembranças a ele. Digam que foi Gorum, o grande, quem falou!
- Gorum, o grande? - disse Kyle, quase indignado. - E toda aquela conversa sobre como os silfos são antipáticos?
- Ah, sim, é verdade, mas é só pompa; depois, quando você se acostuma com eles, até que são muito divertidos!
- Divertidos? - o jovem repetiu várias vezes, cada uma mais baixo: - Divertidos...
- Espere um pouco, você não foi o primeiro a me falar que os silfos não são nada divertidos. Na verdade, não são eles uns demônios, segundo dizem? - disse Kyle, nervoso. - Agora você vem com essa conversa de divertidos?
- Eu sabia que deveria ter levado você mais para outras bandas... em vez de deixá-lo toda a vida aqui, em Kamanesh... Você está confundindo os silfos de Shind com os silfos do mar!
- Não sabia dessa conversa de silfos daqui ou silfos dali...
- Provavelmente porque você escutou as estórias dos marinheiros no porto, justamente sobre os silfos do mar! - disse Gorum, um pouco mais sério.
- É? E qual a diferença?
- A diferença está na história! Dizem que havia uma grande prisão, na qual os criminosos perigosos da República Sílfica eram mantidos. Durante a guerra, a cidadela do caos, como era conhecida, foi destruída, e os prisioneiros escaparam para o mar. Sendo assim, hoje os silfos do mar são os descendentes diretos dos maiores criminosos da época da república sílfica. - explicou Archibald.
- Como você sabe disso? - perguntou Kiorina, assustada.
- Ah, foi o velho Ourivart que me contou.
- Ourivart?
- É. Ele é um monge muito velho, que mora no mosteiro. - disse Kyle.
- E como ele soube?
- Na biblioteca existem alguns pergaminhos daquela época, mas eu não sei ler as línguas antigas. - Archibald parou por um momento. - Mas, segundo Ourivart, não é muita coisa, dá para saber realmente pouco através desses pergaminhos. Como eu disse, nem são conhecidos com certeza os motivos das grandes guerras.
- Muito interessante. - disse Gorum. - Às vezes eu ficava me perguntando com é que os silfos de Shind e os silfos do mar podiam ser tão parecidos e tão diferentes...
- Então você já encontrou silfos do mar? - perguntou Kiorina.
- Não, Forlon me deu a graça de nunca cruzar com um deles, mas se metade do que escutei for verdade... - Gorum não terminou. Seu sorriso havia desaparecido por completo de seu rosto. Logo ele voltou a sorrir e disse: - Vamos, animem-se, não é sempre que alguém faz uma viagem sob tantas recomendações: o bispo, o duque, um grande mago...
- Viu, Kyle, essa é uma viagem realmente especial! - disse Kiorina.
- É... - Kyle não tinha como negar. - Tudo bem, então, vamos logo com isso!
- Certo! Vamos até a Alta Escola pegar o envelope com as recomendações e os mapas agora mesmo! - disse Kiorina, irradiando animação.
- Podem ir na frente, eu vou passar na Feira da Meia-Lua e comprar umas ervas especiais para fazer chá. - disse Archibald.
**********
A Praça da Meia-Lua estava mais cheia que o normal. Naquele momento, muitas pessoas passavam daqui para ali, gritavam e acenavam com os braços. Tudo aquilo porque haviam chegado naquela manhã três navios cheios de mercadorias. Um deles havia vindo do reino de Dacs; outro, da cidade de Grey, e um, cheio de frutas, vindo do reino de Homenase. Uma tremenda coincidência.
Archibald já havia comprado suas ervas, na realidade, três pequenos frascos, contendo pó extraído de várias ervas. Estava de saída, quando escutou sobre o navio vindo de Homenase, trazendo frutas. Homenase, um reino vizinho de Lacoresh, é famoso pela beleza de sua arquitetura, por seus lindos campos e pomares e principalmente pela qualidade realmente extraordinária de suas frutas. Dizem que isso se deve ao fato de as terras em Homenase serem muito férteis e também a um sistema de irrigação sem igual.
Archibald desceu os degraus da praça com dificuldade. Havia uma grande carroça com o brasão do duque sendo carregada com muitas dessas frutas. Passou por ela e chegou até uma das barracas que as vendia. Mal havia enchido seu cesto, foi abordado por um desconhecido.
- Você é Archibald DeReifos? - perguntou-lhe um homem baixo, um pouco feio, vestido com uma roupa composta por tiras de couro e com um barrete na cabeça.
- Sim, mas... - antes que pudesse falar, o homem o pegou pelo braço e disse: - Venha comigo.
- Hei, espera aí!
O homem se virou para Archibald, encarou-o dentro dos olhos, colocou o dedo indicador sobre os lábios e disse baixinho: - Shh... o Sr. Atir deseja vê-lo.
- Atir? - lembrou-se do Sr. Atir, chefe da casa comercial Atir, um homem, no mínimo, intrigante.
Atravessaram a Praça da Meia-Lua e entraram em um porta pequena, que ficava no lado oeste da praça.
Ao entrar, passaram rápido por uma sala sem porta. Dentro, vários homens discutiam fervorosamente alguma coisa sobre preços, ao redor de uma mesa. Um deles era Alonzo, o acompanhante de Atir na pequena viagem que haviam feito juntos. Subiram dois andares de escadas muito estreitas e escuras, até ver a luz do sol novamente. Estavam no terraço.
Atir estava de costas, observando, do alto, a movimentação na Praça. Quando escutou os passos, virou-se e viu que seu enviado havia conseguido trazer o jovem monge Naomir. Ele fez um sinal com a mão para indicar a seu subordinado que desejava ficar sozinho com o monge.
- Seja bem-vindo! - disse Atir, estendendo a mão.
- Que Forlon esteja contigo! - respondeu Archibald ao cumprimentar a velho comerciante.
- Como vai, jovem Archibald?
- Muito bem. O senhor está precisando de alguma coisa?
- Sim, mas venha, venha olhar! Hoje as coisas estão muito movimentadas. - disse Atir, indicando a feira.
- Nossa, eu nunca tinha visto a feira deste ângulo! - fez uma pausa. - É realmente muito interessante!
- Sim, você disse tudo!
- Como assim?
- Tudo depende do nosso ponto de vista. A Feira, por exemplo: olhando-a de dentro, nós a sentimos, participamos dela, mas não somos capazes de perceber alguns detalhes apenas perceptíveis se estivermos do lado de fora.
- Entendo, isso faz sentido, mas onde o senhor quer chegar? - perguntou Archibald, desconfiado.
- Observe aqueles dois garotos...
Dois garotos vestidos com farrapos chegaram em frente a uma barraca que vendia pães e bolos e começaram a brigar. Enquanto brigavam, derrubaram muitos cestos que estavam ali perto. Logo um espaço se abriu, e as pessoas começaram a torcer ou apenas olhar interessadas para a briga.
- Observe, algumas pessoas gostam disso, outras, não; mas certamente é uma coisa que chama a atenção de todos.
- Sim?
- Rápido, veja! - e apontou o dedo para a parte de trás da barraca de pães.
Um outro garoto rapidamente colocou alguns pães em um saco e saiu correndo, sem ser observado.
- Está percebendo? - disse Atir.
Archibald acenou com a cabeça.
- Às vezes, por detrás de conflitos ou festas, acontecem coisas que podem passar desapercebidas a olhos desatentos. - Atir encarou Archibald e continuou: - Eu já notei que você é muito perceptivo; portanto preste atenção e tente ver as coisas de outras formas.
- Perdão, mas o senhor está tentando me dizer alguma coisa?
- Não, o que poderia ser? - disse Atir, com um quase sorriso de canto de boca.
- Mas não foi por isso que o senhor me chamou, não é?
- Não, na verdade eu gostaria que você entregasse uma encomenda para mim.
- Encomenda? - perguntou Archibald, intrigado.
- Sim. Você está indo para a cidade oculta, não é mesmo? - disse Atir, ajeitando a estranha lente que usava sobre o olho esquerdo.
- Como o senhor ficou sabendo disso?
- Eu sou um homem muito bem informado. Você esperava menos de mim?
- Não; na realidade, não mesmo. - disse Archibald, enquanto refletia sobre as implicações do que tinha acabado de ouvir. Isso queria dizer que ele era mais importante do que Archibald pensara, o que não surpreendia tanto, já que ele era amigo pessoal do mestre Landerfalt.
- Sim, eu gostaria que você levasse esse diamante e esta carta a um velho amigo meu.
Archibald ficou boquiaberto ao ver o tamanho do diamante que reluzia muito ao ser atingido pela luz do sol. Era do tamanho de uma ameixa e estava preso a uma corrente dourada.
- Mas, senhor, eu não posso... - dizia Archibald, com medo de aceitar a responsabilidade.
- Landerfalt me garantiu que eu poderia confiar em você; portanto, eu lhe peço que aceite.
- Será uma honra! - disse Archibald, estendendo a mão e engolindo seco.
- Ótimo. Então, quando vocês voltarem, vou cumprir a minha promessa sobre o jantar e falaremos sobre os Reinos Bárbaros. - disse Atir, sorrindo e colocando o diamante na mão estendida de Archibald e depois balançando-a vigorosamente.
Archibald despediu-se e, quando estava começando a descer as escadas, foi chamado.
- Hei, Archibald! Eu ia-me esquecendo: essa gema, além de ser muito bonita e valiosa, também apresenta propriedades mágicas. É principalmente uma gema energética. Se você precisar extrair energia para algum encantamento, tenho certeza de que meu amigo não vai se importar!
Ao sair dali, a cabeça de Archibald quase doía de tanto pensar naquilo tudo que Atir tinha-lhe dito. Ele pensava muito sobre a questão de ver as coisas por diferentes ângulos. Será que ele se referia à Real Santa Igreja ou à ordem dos monges Naomir? Ou teria alguma coisa acontecido por detrás das comemorações dos vinte anos do fim da guerra? Ou seria alguma coisa em relação à viagem que iria fazer? Poderiam ser tantas coisas e, ao mesmo tempo, poderia não ser nada! Decidiu que ia parar de pensar naquilo por enquanto, pois devia se apressar para deixar tudo pronto para a partida, no dia seguinte. Afinal, durante a viagem, teria tempo mais que suficiente para pensar em tudo.
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