Capítulo 7
CAPÍTULO 7
Após três dias de chuva, dois haviam-se seguido com o tempo bom. A normalidade voltava a Kamanesh. Havia chegado um novo carregamento do vinho Baltimore no porto, o que criou um grande alvoroço na Feira da Meia-Lua. Vários mercadores carregavam suas carroças para levar o bom vinho aos cinco baronatos. Dessa vez, ele chegou em um navio com a bandeira da casa Atir, em vez de vir em um navio da casa Baltimore. Os rumores de uma associação entre as duas casas era o assunto principal na cidade.
No meio de toda a animação causada pelo carregamento de mercadorias provindas do Reino de Dacs, um grupo de pessoas nada entusiasmadas passava pelas ruas de Kamanesh. Eram Jeero, Ellis e Kiorina, que levavam o pequeno Armand para ser examinado por Heirich.
A mãe de Armand, Ellis, foi a primeira a notar que havia algo errado com os olhos do bebê. Ela o levou a um médico, doutor Fannel, no instituto médico de Kamanesh, mas ele não soube dizer o que havia com o garoto.
No dia seguinte ao nascimento, o bebê já abria bem os olhos e foi possível notar que eles eram completamente negros, sem nenhuma parte branca. Jeero, muito preocupado com o filho, pediu a Kiorina para arranjar uma audiência com o grande Heirich, recém-chegado à cidade.
Estavam no portal da Alta Escola dos Magos, enorme, esculpido em mármore, com belos mosaicos. Aguardavam sua abertura, pois haviam chegado fora do horário em que costumava ficar aberto. Pouco tempo depois, os portões se abriram, e eles entraram. Havia uma pessoa aguardando, Alexanus.
- Sejam bem-vindos! Mestre Heirich irá atendê-los no salão principal. - disse educadamente o professor de Kiorina, sem olhá-la.
- Obrigado, senhor. - agradeceu Jeero.
- A Srta. Kiorina os conduzirá ao salão. Agora, se me dão licença, tenho muito trabalho a fazer. - e se retirou.
Kiorina conduziu o casal pelos jardins internos da Escola até a entrada do prédio principal, onde ficam a cúpula do círculo maior, a biblioteca mágica, além de inúmeros objetos de arte, incorporados à instituição ao longo dos séculos de sua existência. Lá os esperava o grande Heirich, um homem de idade avançada, olhos azuis cristalinos, olhar plácido e cabelos ralos, brancos como a neve. Vestia um manto laranja, com várias ornamentações luxuosas penduradas, e usava, na cabeça, um pequeno gorro, da mesma cor.
**********
Naquela noite, na oficina, estavam reunidos Kyle, Kiorina, Archibald e Gorum. À tarde, Kiorina havia passado na oficina e na Catedral para marcar um jantar. Estavam todos sentados à mesa, menos Gorum.
- O que está havendo, Kiorina? perguntou Kyle. - Há alguma coisa errada?
- Hoje, pela manhã, acompanhei Jeero, Ellis e o pequeno Armand à Alta Escola, para uma consulta com mestre Heirich. - Kiorina estava um pouco tensa; batia as mãos espalmadas sobre a mesa e olhava para baixo.
- Há algo errado com o bebê? - perguntou Archibald, muito preocupado.
- Sim, e nem mesmo o grande Heirich soube dizer o que é!
- Do que se trata, então? - quis saber o monge, interessado.
- Os olhos dele são completamente negros, sem nenhuma variação tonal! O mais estranho é que não se trata de nenhum tipo de cegueira. - disse a moça, ainda sem conseguir encará-los.
- E isso não é tudo, é? - perguntou Kyle.
- Não... - Kiorina não conseguiu falar mais.
- Ha! Ha! Que bom vê-los todos aqui! - disse Gorum, muito animado, ao entrar na sala, trazendo a comida. - Mas o que há com vocês? Alguém andou vendo espíritos assustadores? - disse, menos animado. Como não obteve resposta, disse, seriamente: - O que há? Vocês já estão me assustando!
- É o bebê de Jeero. Ele pode estar com alguma doença. - respondeu Kyle.
Gorum sentou-se, sério. Kiorina interrompeu o silêncio:
- O fato é que eu fui desligada da Escola.
- Como? E o que uma coisa tem a ver com a outra? - perguntou Archibald, intrigado.
- Depois que Heirich examinou o bebê, pediu-me para voltar e falar com ele em particular. Quando voltei, ele me disse que o conselho estava pensando em me desligar da Escola por indisciplina. Eu andei sim fazendo umas coisas erradas, mas não haviam decidido nada ainda. Ele então disse que estava muito preocupado com o bebê de Jeero e sugeriu que eu pedisse desligamento da Escola e viajasse para investigar a doença. Eu aceitei. Quando voltar, ele mesmo indicará minha readmissão na Escola.
- Isso não é nada bom! - Archibald coçou a cabeça.
- O que você quer dizer com isso? - perguntou Kiorina.
- Nada. Eu só estava pensando numas estórias que o velho Ourivart costumava contar. - disse, olhando a tigela com a comida, e mudou de assunto: - Vamos orar e continuar nossa conversa comendo, senão a comida vai acabar esfriando.
- Qual é o problema com o garoto? - indagou Gorum.
- Seus olhos são completamente negros, mas não é um tipo de cegueira. - respondeu a ruiva.
- Você falou em viajar, não foi? - perguntou Kyle, enquanto pegava um pedaço de carne.
- Ah, sim... Na verdade, foi o motivo pelo qual marquei este jantar. Eu gostaria de saber se vocês querem vir comigo.
No mesmo instante, Kyle e Archibald começaram a falar.
- Viajar? Eu até gostaria, mas tem o meu treinamento e... - disse Kyle, enquanto Archibald falava que seu superior, o irmão Weiss, desaprovaria a viagem de um monge recém-chegado.
Kiorina mudou de expressão, como se quisesse se desculpar, e disse:
- Na verdade, quando concordei em viajar, o mestre Heirich perguntou quem eu gostaria que fossem meus acompanhantes, e eu mencionei o nome de vocês. Só mencionei, bem rápido, sabem? Horas depois, ele disse que havia falado com o bispo Marco e o duque Dwain e que eles concordaram em ceder vocês para me acompanharem...
Kyle e Archibald ficaram muito surpresos. Archibald engoliu a comida sem mastigar, e Kyle cuspiu a bebida de volta em seu copo. Disseram ao mesmo tempo:
- O duque?! O bispo?!
Gorum não se conteve e começou a gargalhar. Kyle olhou para Kiorina e disse, sarcasticamente:
- Mencionou... não foi?
Kiorina levantou os ombros e as sobrancelhas.
- E nós podemos saber para onde vamos? - perguntou Archibald, quase conformado.
- Para as montanhas a noroeste, através da floresta de Shind.
- Montanhas? Por que para as montanhas? - quis saber Archibald.
- O mestre Heirich disse para procurarmos um conhecido dele, um tal de Kivion.
- É? E quando partimos? - perguntou Kyle.
- Em três dias.
- Três dias, três dias... - resmungava Archibald, batendo repetidamente os dedos sobre a mesa.
**********
- Viajar?! Com quem? - esbravejou Gálius.
Kiorina fechou os olhos e, ao abri-los novamente, disse:
- Calma, pai, é uma recomendação do grande Heirich!
- Você não está falando daquele figurão da sociedade mágica que chegou aqui semana passada, está? - Gálius diminuiu o tom de voz.
- Ele mesmo, e a viagem é para investigar o problema que o filho de Jeero tem. - Kiorina estava irritada porque seu pai nunca lhe escutava antes de se exaltar.
- Se é assim, você é que decide o que quer fazer de sua vida, eu não vou dizer mais nada! - pegou suas coisas e saiu para a tecelagem.
- Mas, pai... - a moça não pôde terminar, pois ele se fora. "Puxa, que droga!" pensou, olhando para o chão.
- Kiorina, Kiorina, minha sinhorinha... - a voz de Dora vinha de longe.
- O que, Dora? - gritou Kiorina.
- Você e o senhor seu pai brigaram di novo? - disse Dora, entrando na sala de jantar.
- Não... - parou por um instante, sentou-se e continuou: - é que ele não entende!
Dora aproximou-se, pegou a mão de Kiorina e disse:
- Eu sei, minina, eu sei... - e ficaram em silêncio por alguns instantes.
- Vamos deixar isso de lado, Dora! Venha me ajudar a arrumar minhas coisas para a viagem! - disse Kiorina, levantando-se e dirigindo-se, enérgica, às escadas.
Ao chegar ao topo da escada, olhou para trás e viu Dora parada, olhando-a com um sorriso nos lábios carnudos. Levantou as sobrancelhas e disse:
- Vamos, Dora, não fique aí parada!
- Calma, minina, eu já estou muito velha e não agüento esse seu ritmo!
- Tá bom, mas vem já pra cá! - disse e fechou os olhos.
- Minina, olha como você fala cumigo, pois... Ai, meu Forlon! - antes que pudesse terminar, começou a flutuar em direção a Kiorina. Ao aterrissar, muito assustada, Dora começou a falar: - Kiorina...
- O quê? - disse a garota, ofegante.
- Nada, nada mesmo.
**********
Himil Weiss foi um dos monges Naomir que participaram ativamente da guerra contra os bestiais vinte anos antes. Na época, era um monge com alguma experiência que liderava um grupo de jovens Naomir. Conheceu todos os horrores de uma guerra e, até hoje, carrega consigo as conseqüências de antigas batalhas. Ainda caminha com muita dificuldade, devido a feridas nas pernas que infeccionaram, por falta de cuidados imediatos.
Mesmo com dificuldade, Weiss havia andado bastante naquele dia e já estava bem longe de Kamanesh. Depois de muito caminhar, parou e observou cuidadosamente, a fim de verificar se realmente estava sozinho; à sua volta, só havia muito mato e pequenos arbustos. Com dificuldade, começou a tirar suas vestes. Em pouco tempo, estava livre do peso dos grossos tecidos que usavam os monges Naomir. Respirou aliviado.
O sol estava a pino, machucando-lhe a cabeça, quase desprovida de cabelos. Tirou do peito um colar dourado com uma grande gema esverdeada no centro, segurando-o com as mãos muito trêmulas. Ficou assim por alguns instantes, até que, dentro da gema, começou a se formar uma imagem turva. Uma voz muito rouca e grave veio de dentro do medalhão:
- É seguro falar?
- Sim, estou sozinho. - disse Weiss, olhando para dentro do medalhão, que emitia uma luz verde, iluminando vivamente seu rosto.
- Qual o motivo de nossa conversa?
- Um problema em potencial! fez uma pausa e continuou: - Um pequeno grupo está sendo enviado por Heirich à cidade oculta, para procurar informações sobre um dos escolhidos que acabou de nascer.
- Sim, entendo. Eu senti os efeitos desse nascimento aqui... Você acha que alguém de lá pode saber algo que coloque nossos interesses em perigo?
- Se os efeitos foram tão longe... Talvez... Talvez... O que eles chamam de Kivion... - dizia Weiss, pensativo.
- Ah, meu amigo! Acho que o vento sopra a nosso favor, pois o caríssimo Kivion está vindo para cá hoje mesmo para um encontro com os anciãos. Será um ótima oportunidade para discutir pessoalmente o assunto. Se ele souber alguma coisa... - disse, com um tom sinistro em sua voz e, depois, começou a rir suavemente.
Weiss também ria, enquanto olhava para dentro da gema com seus olhos vidrados.
- Devo eliminar esse pequeno grupo? - veio a voz novamente.
- Talvez, mas somente se alguma coisa fugir ao controle.
- Então provavelmente não nos falaremos até a reunião dos sete.
- É possível, mas, antes que me esqueça, se for preciso intervir com o grupo, eu quero que um jovem monge, chamado DeReifos, seja poupado; eu tenho planos para ele.
- DeReifos? Monge Naomir? Interessante meu velho amigo, muito interessante...
- Ah, ia-me esquecendo de mencionar: o filho de Blackwing faz parte deste grupo.
- Hum... - disse a voz; a luz se apagou.
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