Capítulo 54
CAPÍTULO 54
Em direção às minas, ao abrir os portais da forja, todos foram envolvidos por um bafo quente e escutaram mais claramente os sons da produção. Martelos contra bigornas de metal, anões gritando, o crepitar do fogo. Traziam consigo Fernon, amarrado e amordaçado, o qual, em poucos instantes, seria foco de uma fervorosa discussão.
– Saia do meu caminho, senhor silfo! – urrava Thodur Balink, um anão muito nervoso de longas barbas cinzentas e sobrancelhas grossas.
– Não! – retrucou Alunil. – Não deixarei que vocês o matem.
– Não? Então você está do lado dele? – disse Thodur, salivando, mal podendo se controlar.
– Não, senhor anão, como já dissemos, viemos libertá-los.
– Pois bem, já que está do nosso lado, saia da frente e deixe-nos fazer um pouco de justiça!
– Chama assassinato de justiça? Matar um homem no campo de batalha é uma coisa, mas um que esteja amarrado e indefeso...
– Você então sugere que deixemos esse desgraçado, assassino e torturador impune?
– Não é isso... – e foi interrompido antes de completar.
– Vou dar duas alternativas: você sai da frente e me chama de assassino ou solta esse desgraçado e lhe dá uma chance de se defender. – disse o anão, levantando um martelo de forja contra Alunil.
– Thodur! – veio uma voz conhecida do meio dos anões que haviam se juntado para assistir à briga. – Deixem-me passar... – a voz resmungou mais baixo. – Eles são meus amigos! – disse Kiorina, finalmente conseguindo sair do bloco de anões e chamando a atenção de todos.
– Kiorina! – exclamou Archibald e correu em sua direção.
Mesmo ferido e fatigado, o monge abraçou a amiga com vigor, levantando-a no ar. Agradecia aos deuses por tê-la encontrado viva, depois de tanto tempo. Kiorina chorava de alegria, e suas lágrimas deixavam um rastro limpo no rosto empoeirado.
O encontro dos amigos distraiu e comoveu alguns anões, mas Thodur não demorou muito a voltar à posição de luta.
– Pois bem, o que vai ser?
– Assassinato ou massacre? – sugeriu Alunil, sarcasticamente.
– Nada disso! – ordenou Kiorina. – Vamos levá-lo como prisioneiro! Para nós, ele será mais útil vivo que morto. Se ele for importante para os necromantes, poderemos negociá-lo; se não, poderemos interrogá-lo e descobrir mais sobre esses malditos e o que estão aprontando.
Archibald observava como Kiorina estava diferente. Seus cabelos haviam crescido e estavam amarrados numa grande trança, atrás da cabeça. Sua voz agora era a voz de uma mulher e seu olhar parecia mais maduro. Imaginou que certamente isso se dera em decorrência da prisão, das batalhas, das perdas que havia sofrido.
Foram feitas as devidas apresentações: Kiorina apresentou Thodur Balink, patriarca e chefe dos anões; Archibald apresentou Alunil e Radishi. Em seguida, discutiram a situação e falaram sobre a necessidade de mandar um grupo para ajudar Gorum no interior da mina. Ao saber de Gorum, Kiorina quis logo ir ao seu encontro. Decidiram dividir-se em dois grupos, um que voltaria ao interior da mina e auxiliaria Gorum na organização dos prisioneiros, outro que verificaria uma rota de fuga.
Voltaram ao interior Kiorina e Archibald, acompanhados de duas dezenas de anões, enquanto Thodur, Alunil e Radishi foram verificar as saídas, juntamente com o restante dos anões, além de alguns homens que trabalhavam na forja.
Nas profundezas, encontraram uma realidade pior do que haviam imaginado: centenas de homens num estado absolutamente miserável. Além disso, outra terrível revelação: havia homens mortos, animados pela magia negra dos necromantes, que trabalhavam sem parar.
Andaram por diversas câmaras, pelas quais perceberam que Gorum já devia ter passado. Havia corpos de capatazes da mina no chão e homens que, mesmo em estado de miséria, sorriam e aplaudiam a chegada de mais um grupo de salvadores. Somente as criaturas mortas-vivas continuavam a trabalhar.
Seguiram a trilha de Gorum até as partes mais profundas, onde a umidade e o calor eram intensos, ao contrário da iluminação. Dali podiam ouvir sons de luta e brados de anões guerreando, o que excitou o grupo dessa raça que acompanhava a feiticeira e o monge, o qual se precipitou na direção da peleja.
Archibald estava muito cansado, devido ao confronto anterior; Kiorina deu-lhe suporte quando sua perna direita começou doer, possivelmente devido a uma lesão séria, que, no calor da batalha, não percebera.
Chegaram a uma câmara onde viram uma cena muito estranha: a batalha contra guardas e capatazes da mina parecia ter acabado, pois numerosos e fortes anões pareciam festejar a vitória de uma forma que nunca haviam visto: batiam as cabeças umas contra as outras, pulavam e gritavam. Kiorina, mesmo acostumada a viver entre eles, chegou a duvidar de que aquilo fosse um cumprimento, temendo que, ao contrário, se tratasse do início de um desentendimento. Logo os ânimos se acalmaram e, pelo que Kiorina pôde entender, toda a exaltação devia resultar do longo tempo em que aqueles anões, provavelmente da mesma e grande família, não se encontravam, somando-se a isso a vitória na batalha.
No meio da confusão, não conseguiam localizar Gorum. Archibald sentiu um frio na espinha, pois, se ele não estava à vista, deveria ter-se ferido ou até mesmo morrido. Segurou com força o braço de Kiorina e disse:
– Vamos, temos que encontrar Gorum.
Kiorina respondeu com um aceno. Entraram no meio dos anões e descobriram por que não podiam avistar o gigante: ele estava sentado no chão, com uma pessoa em seus braços, a qual, em princípio, tiveram dificuldade em identificar. Era Kyle, e não tinha a aparência nada boa. Estava pálido, magro, tossia muito e havia feridas em suas mãos e no rosto. Ele parecia não perceber o que realmente estava acontecendo e se agarrava a Gorum, como quando criança, segurando-o com força, pressionando a face contra seu peito e mantendo os olhos focados no infinito. Tremia e tossia muito. Parecia mesmo uma criança no colo do gigante.
Ver Kyle daquela forma deixou Archibald com náuseas e Kiorina em prantos. A moça ajoelhou-se ao lado de Gorum, encarou-o e percebeu um estranho olhar, uma espécie de ira que nunca vira nele. Ao perceber Kiorina aparentemente saudável diante de si, Gorum acalmou-se um pouco. Ela colocou as mãos sobre a cabeça de Kyle e, tirando o cabelo de cima de seu rosto, disse, muito emocionada:
– Calma, Kyle, vamos sair daqui. Vamos para casa... vai dar tudo certo!
Kyle parecia não compreender completamente e acenou com a cabeça, ainda com o olhar no infinito.
Archibald, percebendo que seu amigo estava muito mal, aproximou-se, preparando uma evocação dos sagrados ofícios. Quase silenciosamente, fez com que Kyle adormecesse e disse:
– Por hora, é melhor que ele durma.
– Vamos. – disse Kiorina, ainda com a voz embargada. – Precisamos sair daqui!
Gorum ergueu Kyle cuidadosamente em seu colo e juntos caminharam nas câmaras da mina, em direção aos níveis superiores.
**********
– O que houve, Sr. Alunil? – quis saber Radishi.
Alunil estava com os olhos fechados e respirava fundo.
– Encontrei-o, Radishi, e, como previ, ele perdeu sua vida.
– Quem?
– Rikkardi, pobre menino... Seu corpo está aqui. – fez uma pausa e lamentou-se. – Por favor, bom Radishi, enquanto cuido da abertura dos túneis de fuga, preciso que vá buscá-lo.
– Perfeitamente.
– Eis o que fazer...
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