Capítulo 50
Meses se seguiram após o encontro de Archibald, Gorum e Radishi com o misterioso Vekkardi, na base da cordilheira de Thai. Durante esse encontro, Radishi contou a Archibald e Gorum a respeito das minas de Xilos, onde trabalhavam como escravos centenas de pessoas, entre elas Kyle, Kiorina e Rikkardi, o irmão de Vekkardi. Radishi também falou da existência de uma fortaleza, na qual Noran e Mishtra eram mantidos prisioneiros, e que se tratava de uma base da seita dos necromantes, feiticeiros fascinados pela morte e pelos mortos. Essa seita parecia estar envolvida com as atividades da guerra, fornecendo ajuda aos bestiais, de diversas maneiras. Radishi disse não compreender as motivações deles, mas acreditava que desejavam, através dos bestiais, trazer morte e destruição ao Reino de Lacoresh.
Discutiram o assunto e chegaram à conclusão de que não conseguiriam libertá-los sozinhos, precisavam de auxílio. Vekkardi, que parecia já conhecer Radishi, falou com eles a respeito de seu benfeitor, o Sr. Alunil de quem resolveram buscar a ajuda. Iniciaram uma jornada, através da cordilheira de Thai.
Finalmente, estavam próximos do chalé do Sr. Alunil, cansadíssimos, com exceção de Vekkardi, que parecia bastante à vontade com escaladas, os tortuosos caminhos das montanhas e o frio, que anunciava o inverno. Vekkardi era um sujeito estranho; sua interação com os outros dependia do seu humor. Quando o encontraram, possuía uma barba rala, que, durante a viagem, cresceu um pouco, assim como seus cabelos castanhos escuros. Às vezes, falava sobre seu irmão, ocasiões em que ficava melancólico; outras vezes, falava sobre o Sr. Alunil.
– Bem, lá está! – disse Vekkardi, indicando com o dedo o chalé de madeira na encosta da montanha. – Agora, falta pouco. Vamos!
– Então, não é um sonho? – disse Gorum, ofegando. – Rapaz, estou ficando velho para essas coisas... Espero que seu tutor possa realmente nos ajudar.
– Fique tranqüilo quanto a isso, grande Gorum, certamente ele nos ajudará.
– É o que esperamos... – disse Radishi.
Então, sem gastar mais energia falando, seguiram através de caminhos estreitos e sinuosos, até uma ponte de madeira que levava a uma plataforma, onde havia um pequeno jardim e o chalé do Sr. Alunil.
A casa, antiga, era construída com madeira vermelha. Dava a impressão de brotar da montanha, como se fosse parte de todo aquele cenário desabitado.
Atravessaram o jardim, cheio de muito verde, e observaram que havia aves amarelas com cristas alaranjadas, parecidas com patos, nadando num lago artificial. Ao passarem, elas bateram asas e soltaram sons guturais característicos.
– Como é bom estar em casa! – disse Vekkardi para si.
Ele tomou a frente do grupo e abriu a porta principal do chalé. Convidou-os a entrar. A sala de entrada era aconchegante; havia, ao lado de uma lareira, uma estante com livros e, em cima dela, dezenas de estatuetas de pedra; o chão era forrado com tapetes de lã malhada. Archibald imaginou que a lã fosse tirada de cabritos das montanhas, que avistou em grande quantidade durante a viagem. Vekkardi falou alto:
– Sr. Alunil? Senhor? Cheguei! Trouxe umas pessoas para vê-lo!
– Sim, já sabia... – veio uma voz de trás deles, de fora do chalé.
Todos se assustaram um pouco e viraram-se para, finalmente, ver o Sr. Alunil, que, nova surpresa, era um silfo! Seus cabelos eram castanhos e bastante lisos; usava uma faixa grossa de couro sobre a testa, arrepiando um pouco de seu cabelo acima da cabeça e deixando o restante escorrer em camadas, até a altura do queixo; o nariz era fino, assim como outros traços delicados dos silfos.
– Sejam bem-vindos ao meu lar! – disse, calorosamente. – Por favor, aceitem minha hospitalidade, bravos viajantes.
– Muito obrigado. – disse Radishi, curvando a cabeça para cumprimentá-lo.
Archibald e Gorum também agradeceram a recepção do Sr. Alunil e foram feitas as devidas introduções por Vekkardi, que, depois, abraçou seu benfeitor.
– Vi quando vocês vinham e preparei chás, sucos, bolos, pães, geléias e mais algumas coisas. Por favor, venham...
O Sr. Alunil indicou o caminho até uma agradável sala de jantar no segundo andar, na qual havia uma grande janela de vidro dividida em quadrados por reforços de madeira, possibilitando uma belíssima visão: as montanhas da cordilheira de Thai, com seus cumes de eterno branco sumindo na distância, num tom azul enfumaçado.
Archibald queria logo falar das razões que os trouxeram, mas foi interrompido pelo anfitrião, que disse que não faria bem discutir problemas, estando cansados e com fome.
Havia uma grande mesa de madeira, repleta de delícias: bolos, pães diversos, geléias de cores e sabores vários, sucos de melanca, azugiba e outros, com suas cores púrpura, alaranjada e amarela, em grandes jarras de cristal ornamentadas.
Aquilo encheu os olhos e posteriormente a barriga dos visitantes, que, seguindo a orientação de seu anfitrião, comeram e beberam sem se preocupar com problemas. Após a rica refeição, Alunil convidou-os a se banharem e repousar, para, no dia seguinte, discutir os problemas que os traziam dos domínios dos homens até ali.
Havia uma grande banheira aquecida por um forno alimentado a carvão no subsolo, na qual todos se banharam, indo, depois, descansar.
Acordaram muito bem dispostos. Novamente havia chás, sucos, ovos e pães para o desjejum. Comeram, observando o mau tempo. Durante a noite, uma tempestade se formou e chovia bastante lá fora.
O Sr. Alunil parecia observar seus convidados comerem com um ar de satisfação. Um dia de descanso em seu chalé valia por dez dias na melhor estalagem de Lacoresh.
Todos terminaram logo sua refeição, exceto Gorum, que, além de comer mais, parava freqüentemente para contar casos e piadas. O Sr. Alunil parecia entretido com as histórias do velho cavaleiro e o encorajava a contar mais, após sorrir e concordar com acenos positivos. Finalmente, todos, inclusive Gorum, estavam satisfeitos. Muitos agradecimentos e elogios à refeição preparada pelo Sr. Alunil criavam um ambiente amigável e descontraído.
Seguiu-se um silêncio. Escutavam o barulho da chuva e de trovões distantes. O Sr. Alunil então anunciou:
– Bem, já é hora de discutirmos os problemas de Lacoresh.
Os convidados concordaram.
– Apesar de não conhecer os detalhes, temo saber mais que o suficiente a respeito das dificuldades por que passa o domínio dos homens. – começou o anfitrião.
– Como? – quis saber Gorum, puxando sua barba da maneira usual. – Quero dizer, segundo Vekkardi, o senhor não deixa essas terras há muito tempo.
– É verdade, mas existem outros meios, caro Gorum...
– O senhor deve usar magia. – arriscou Archibald.
– Sim, poderia ser colocado dessa maneira...
Radishi observava e pensava que talvez ele pudesse perceber acontecimentos à distância, da maneira como ele próprio fazia, deixando seu corpo e viajando através do mundo invisível. Alunil voltou a falar:
– O fato é que, durante sua viagem e mesmo antes dela, eu vinha percebendo distúrbios progressivos nas energias que circundam o reino de Lacoresh. Há uma sombra que se alastra sobre toda aquela região. Poderíamos ver isso de duas maneiras: uma delas nos indica que essa sombra seria conseqüência das ações de pessoas ou grupos de pessoas que têm intenções malignas.
– A seita dos necromantes! – exclamou Archibald.
– Sim. Agora, a outra maneira de enxergar: a existência dessas pessoas ou grupo de pessoas com intenções maléficas seria o reflexo do surgimento ou do retorno de um malefício maior.
– Concordo e acredito que a segunda opção seja a mais provável. – disse Radishi.
– Por que acredita nisso, bom Radishi? – perguntou gentilmente o Sr. Alunil.
– Fortes maus presságios. Os sensitivos de Tisamir percebem uma terrível força maligna. Além disso, antes de a guerra se iniciar, Kivion sentia um tormento por vir; acredito que isso se devia a algo além de uma guerra comum. Vejam: houve outras guerras antes desta, mas não tal alarme com há hoje em Tisamir!
– Acredito que isso confirma meu ponto de vista, o que me preocupa muito. Talvez eu tenha me afastado demais... – disse Alunil, gravemente, parecendo perturbado.
Houve um novo silêncio, quebrado por Vekkardi:
– Senhor, e quanto a Rikkardi?
– Ele vive? – perguntou, surpreso.
– Sim, trabalha como escravo nas minas próximas a Xilos...
– Você tem certeza?
Vekkardi deu um olhar inquisidor para Radishi, que disse:
– É certo, o rapaz trabalha nas minas.
– Hmm... – fez Alunil, enquanto coçava a ponta do nariz. – Talvez eu estivesse enganado, o que, se não é usual, é possível.
– Então o senhor esperava, digo, acreditava realmente que ele estivesse morto? – disse Vekkardi, um pouco exaltado.
– Sim, havia essa forte tendência, eu o preveni quanto a isso. – Alunil pensou um pouco mais e pediu: – Por favor, meus caros, contem-me mais detalhes. Parece haver um obscurecimento maior do que avaliei inicialmente...
Após escutar as impressões de cada um sobre a guerra, suas suspeitas e o que sabiam da seita dos necromantes, Alunil voltou a falar.
– Precisamos voltar a Lacoresh. Vocês vão na frente, em direção às minas, e lá me aguardam. Preciso preparar-me para a jornada.
Gorum precipitou-se:
– Sinto-me pronto para duas jornadas como a que fizemos. Devemos ir já; precisamos libertar Kyle, Kiorina e os outros.
Archibald concordou. Todos concordaram e se levantaram. Estavam descansados. O Sr. Alunil permaneceu sentado; alisava suas sobrancelhas; estava preocupado. – Antes de irem, há algo que precisam saber.
– O que, senhor? – perguntou Vekkardi.
– Quando chegarem em Lacoresh, a encontrarão transformada. Durante a jornada de vocês, aconteceram fatos importantes, que trouxeram grandes mudanças.
– Como assim? Do que o senhor fala? – indagou Archibald, apreensivo.
– Como eu lhes disse, não posso captar os detalhes neste momento; quando nos encontrarmos novamente, espero ter mais informações.
Aquilo trouxe uma série de dúvidas para todos. Archibald imaginou o pior: teriam os bestiais vencido a guerra? Teriam invadido e destruído tudo? Não restaria nada mais de sua terra? Gorum, preocupado, perguntou:
– Sr. Alunil, o senhor poderia nos dizer se Kyle e os outros vão estar bem até chegarmos?
– Possivelmente, estarão vivos...
O ódio tomou conta de Gorum; ódio por traidores, como Roy. Certamente havia outros. Quem seriam?
**********
Preparavam-se para sair. A chuva havia diminuído bastante e estava rala e fria. Vestiam casacos de couro cedidos pelo Sr. Alunil e imaginavam que outras cartas aquele silfo não teria em suas mangas. Levavam mochilas cheias de bolos e biscoitos, que, segundo o Sr. Alunil, estariam como frescos durante toda a viagem. Ele estava na entrada do chalé, entre duas toras de madeira que sustentavam parte do segundo andar que se projetava para a frente da porta, dando cobertura da chuva.
– Cavaleiro Gorum! – chamou o silfo.
– Sim?
– Você foi companheiro do Cavaleiro Blackwing, não foi?
– Fui...
– Esse rapaz, Kyle, é seu filho ou de Blackwing?
– É meu filho, eu o criei, mas seu pai verdadeiro era Armand Blackwing.
– Certo.
– Por que isso agora?
– Pensei uma coisa, mas não é realmente importante.
Voltaram a andar e já estavam próximos da ponte, quando ouviram:
– Sejam bravos, meus jovens! Sejam bravos!
Acenaram mais uma vez e seguiram de volta a Lacoresh.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top