Capítulo 15
CAPÍTULO 15
Era o segundo dia de viagem desde que deixaram Tisamir. Como agora estavam descendo, a viagem ficara mais fácil. Já estavam fora da cordilheira de Thai, de volta ao planalto de Or, berço de Shind, a grande floresta.
Noran permanecia a maior parte do tempo em silêncio, só falando o essencial. De certa forma, seu silêncio refletiu-se nos outros, que ou não queriam falar, ou não se sentiam à vontade para fazê-lo na presença de Noran. A paisagem ajudava nisso. Observavam as colinas, pequenos animais, árvores de vários formatos. Cores, sons e odores ofereciam uma festa aos sentidos. Penetrando em Shind, ficaram novamente estupefatos com a imponência das árvores; era um lugar majestoso e triunfal.
Noran pigarreou e dirigiu-se a Kyle:
– Diga-me, meu caro, existe algo que o esteja incomodando, algo que gostaria de compartilhar comigo?
Kyle ficou um pouco surpreso, mas logo se lembrou de que estava pensando o tempo todo na vidente que encontrara na noite de sua ordenação como cavaleiro, em Kamanesh, sobre o que gostaria de perguntar a Noran. Não o havia feito, porém, por não querer incomodá-lo com bobagens.
– Na verdade, Sr. Noran, eu estava imaginando...
– Por favor, chame-me de Noran apenas.
– Certo. Na noite da minha ordenação, fui ver uma... eh... vidente.
– Vidente?
– Sim, numas dessas barracas de adivinhação.
– Prossiga...
– Seu nome era Giordana.
Noran engoliu seco e perguntou:
– Diga-me, essa Giordana de que fala possuía uma marca na testa?
– Você diz... como a sua?
– Talvez...
– Bem, na realidade, sim, mas não exatamente como a sua; era uma marca mais simples, apenas um pequeno círculo avermelhado.
– Fale-me mais dessa Giordana. Como se vestia? Era jovem? Bonita?
Kyle começava a achar aquelas perguntas um pouco estranhas.
– Bem, ela estava toda vestida de vermelho; era jovem e muito bonita.
Kiorina lançou um olhar ferino a Kyle, antes de perguntar a Noran:
– O senhor, por acaso, conhece aquela moça?
– Então a senhorita também a conhece?
– Sim, e o senhor?
– Por que a senhorita acredita que eu a conheço?
– Não sei bem, talvez por todo esse interesse...
– Quanto mais informações temos, melhor podemos avaliar uma situação, não acha?
– Sim, mas...
– Não é também verdade que são duvidosas, por natureza, as questões sobre o futuro ou sua previsibilidade?
– Sim.
– A senhorita conheceu a moça pessoalmente? Diga-me, ela parecia ser uma verdadeira vidente ou apenas uma farsante?
Kiorina ficou um pouco sem jeito de falar o que pensava, pois achava que a moça era uma farsante. Finalmente respondeu:
– Não vi o suficiente para me decidir...
Kyle ficou um pouco deslocado, mas aproveitou a deixa para dizer que teve a impressão de que a moça dizia a verdade.
– E por que você acredita que ela estava dizendo a verdade?
– Não sei bem, eu senti que o que ela falava tinha a ver comigo...
– E o que ela disse? Algo específico ou idéias vagas, remotas?
– Na verdade, ela não disse muito, apenas que eu não precisava seguir os passos de meu pai...
– Não vê? Ela só falou algo que provavelmente já sabia, e você acabou ficando com isso na cabeça, só porque ela dizia ser uma vidente.
– Entendo... – disse Kyle, sentindo-se um pouco enganado. – Talvez eu tenha ficado impressionado porque ela ia dizer outra coisa, mas, antes que pudesse falar, caiu no chão sentindo muitas dores, suando e gemendo. Logo depois, recuperou-se e pediu para que eu saísse. No outro dia, fui procurá-la, mas ela já havia saído da cidade.
Noran escutou tudo com muita atenção, que foi redobrada quando Kyle falou do ataque que ela teve. Disse:
– Hum... que estranho... – e se calou, parecendo um pouco preocupado.
Archibald, que vinha mais atrás, puxando a mula com as bagagens, interrompeu pela primeira vez:
– Seria prudente procurar um local para passarmos a noite; escurece mais cedo aqui em Shind.
Aquilo acabou por encerrar o assunto. Depois disso, falaram muito pouco. Cavaram um buraco no chão para acomodar a fogueira, prepararam um cozido de legumes e comeram praticamente em silêncio. Todos pareciam estar envolvidos por pensamentos impenetráveis. Olhavam ora para o céu, repleto de estrelas que podiam ser vistas por brechas na vegetação, ora para a fogueira, cuja luz se refletia nos olhos, hipnotizados por suas imprevisíveis variações. Dormiram.
**********
Ainda antes da luz do novo dia, Archibald já estava de pé. Resolveu explorar as proximidades do acampamento. Pegou uma lamparina, acendeu nos restos da fogueira e começou a caminhar. Fazia o frio característico das manhãs. Ao respirar o ar matutino de Shind, sentiu seu corpo sendo lavado por dentro. Sentia os cheiros da vida, que entrava e saía a cada sopro.
Depois de andar por pouco tempo, já podia ver a mudança de coloração no céu, que, de um lado, permanecia com o azul profundo da noite e as estrelas ainda brilhando; do outro, o azul era mais claro, brilhante e muito bonito. Ainda haveria algum tempo antes do nascer do sol. Encontrou uma rocha na qual quis sentar-se. Observava e sentia tudo ao seu redor, como se de tudo fizesse parte. Sua mente estava tranqüila, sem pensamentos. Fechou os olhos por alguns instantes. Inspirava o ar profunda e suavemente.
Quando abriu os olhos, viu que havia passado mais tempo do que pudera perceber. Contemplou a tênue faixa alaranjada do horizonte, imagem que lhe chegava fragmentada, em função dos troncos, galhos e folhas que a precediam. Além da diferença na coloração do céu, notou uma figura a meia distância. Um contorno de mulher, apenas a silhueta, belíssima, envolta na aura alaranjada produzida pelo alvorecer. Tentava identificar a fisionomia, mas não podia diferenciar os tons e cores que via na contraluz. Esfregou os olhos para certificar-se de que realmente via uma mulher. Ele não sabia quem ela era, mas ao mesmo tempo a conhecia. Sim! Era a moça que salvara sua vida no outro dia! Uma silfa! Ele escorregou para o chão, deslizando sobre a rocha. Ela permanecia parada, imóvel. Um instante depois, como num piscar de olhos, deu-lhe as costas e correu graciosa e saltitante, sumindo entre as árvores. Archibald estendeu uma das mãos, como que para segurá-la. Pensou no que teria feito para que fugisse daquela maneira, mas sabia que nada fizera. Escutou a voz de Noran repetindo seu nome. Ele já estava perto. Quando se viram, o Tisamirense acenou.
– Aproveitando os ares matinais? – perguntou Noran, sorrindo.
Archibald devolveu o sorriso e disse:
– Ah, sim... Não é um belo dia?
Noran acenou com a cabeça.
– Sabe, você é um homem que domina o uso das palavras... consegue usá-las muito bem a seu favor...
– Muito obrigado, mas você de nada pode queixar-se quanto à própria habilidade com as palavras...
– Sim, está certo, mas você conta também com a ajuda especial de seus dons, que, com certeza, são muito úteis para persuadir seus interlocutores.
– Persuadir? Não, isso não se faz necessário.
– Mas não é verdade que pode ler os pensamentos ou perceber os sentimentos de seus interlocutores?
– Sim, mas usar esses dons para persuadi-los, como você estava sugerindo, seria injusto.
– E como você pode?
– Aprendi a controlar meus dons muito bem. Concordo que poderia usá-los de forma capciosa, porém não retiro vantagem deles para vencer uma discussão.
– Entendo... Mesmo assim, nada o impediu de não responder ao que não lhe era adequado num dado momento...
– Seja mais claro. – disse Noran, intrigado.
– Bem, estive observando ontem como conseguiu desviar a atenção de Kiorina de sua obstinada questão.
– Sim, agora vejo a que se refere. Mas veja bem, caro e astuto Archibald, nada mais usei que a simples técnica de responder com perguntas, questão na qual não me encontrava em pé de desigualdade com sua jovem amiga.
Archibald percebeu que havia feito um mal julgamento.
– Quero me desculpar, Sr. Noran.
– Por quê?
– Por tê-lo julgado mal. Pensei que estivesse tirando vantagem de seus dons para levar a conversa aonde desejava, mas vejo que fez isso de forma justa e sábia.
– Não há com o que se preocupar, caro Archibald. Possuir tais dons não me impede de utilizar outras formas comuns para resolver os problemas do dia-a-dia. – fez uma pausa e prosseguiu: – Tenho certeza de que você pode me compreender, sendo quem é.
Archibald captou a mensagem; entendeu que ele próprio poderia ter-se utilizado de seus conhecimentos sagrados para alcançar algumas metas, o que não fez. Ambos caminharam em direção ao acampamento, e Noran disse:
– Diga-me, não posso deixar de perceber uma forte inquietação partindo de você. Existe algo que o incomoda?
– Na verdade, sim.
Noran olhou dentro dos olhos do jovem monge e disse:
– Eu sei... Percebi uma forte presença, desde ontem... Ela nos observa.
Archibald ficou muito surpreso e perguntou:
– Você sabe quem ela é?
Noran acenou positivamente com a cabeça e disse:
– Tudo a seu tempo...
Alguns passos depois, Noran disse:
– Pelo que estou percebendo, já estamos bem próximos do vilarejo onde moram os silfos.
– E isso é bom?
– Sim, claro. Vamos! Precisamos nos apressar.
Chegando no acampamento, encontraram Kyle e Kiorina já despertos. Kyle estava sentado próximo à fogueira, lubrificando cuidadosamente as peças de sua armadura; Kiorina colocava mais alguns gravetos na fogueira e pegava a panela para preparar o desjejum.
Ao vê-los, Kiorina gritou:
– Ei! Onde vocês andaram? Estávamos preocupados!
– Fomos apenas dar uma volta... – disse Archibald, sorrindo.
– Estava comentando com Archibald que estamos bem próximos do vilarejo onde moram os silfos. Se sairmos logo, chegaremos para o almoço.
– Nem acredito! Comida de verdade! – disse Kyle, já imaginando as comidas exóticas dos silfos. O que ele talvez não imaginasse era o que lhe atingiria a face em seguida: uma boa colher de ensopado de legumes!
– Hei! Mas o que é isso? – disse, assustado.
Kiorina olhava para ele com a panela e uma colher na mão e disse:
– Quer dizer que essa comida não lhe parece "verdadeira" o suficiente?
Kyle disse ironicamente, limpando a cara:
– Muito engraçado, muito engraçado mesmo!
Kiorina olhava fixamente para ele, apertando os olhos e torcendo a boca, fazendo careta de desprezo.
Archibald não conseguiu conter uma gargalhada e começou a rir muito alto. Noran, achando a situação interessante, apenas sorriu. No fim, Kyle e Kiorina também começaram a rir, ao perceber como tudo aquilo era ridículo.
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