Capítulo 14

CAPÍTULO 14

Noran observava as estrelas pela janela de uma das torres do palácio Majsir, onde é ensinada a arte das línguas, da poesia, da oratória e a história. Segurava em suas mãos um envelope fechado. Alisava com os dedos a textura do papel amarelado e hesitava em remover o selo. Lia pela décima vez o que dizia: "Abra apenas na noite em que retornar de Shind."

Uma fraca brisa adentrava o quarto. A iluminação oscilava com o balanço das cortinas e das chamas de dezenas de velas, dispostas em vários candelabros. Já haviam-se passado duas noites além da previsão de retorno de Kivion.

Noran tomou coragem, aproximou-se da mesa de pedra e quebrou o selo, do qual pequenos cacos caíram no chão, sem fazer barulho. Retirou uma folha de papel de dentro do envelope e começou a ler.

"Caro Noran,

É nessa brisa que vou ao encontro do meu destino,

Que seu coração não se entristeça com minha partida.

Eu bem cuidei de ti desde que eras um menino,

Faz bom uso de teus dons durante a vida.

Eu sabia que era chegada a hora

De partir para o descanso e a paz.

É momento meu, vê se não choras,

Pois é tempo de ser forte e sagaz.

O mundo em que vivemos move-se em círculos,

O meu breve sopro termina neste momento,

Assim como as forças em oposição e os nulos,

Temo deixar como legado um grande tormento.

Temo por ti e por todos os que ficam, sim,

Mas sinto não poder ver o momento belo,

Pois a ordem em ordem é muito ruim,

Porém está para nascer um novo elo."

Noran leu e releu o poema de seu mestre; chorou bastante. Pensava em tudo o que havia aprendido com ele e na beleza de seu poema de despedida. Refletiu por tanto tempo que, em um piscar de olhos, um novo dia havia surgido.

Após muito meditar, havia chegado à conclusão de que deveria acompanhar os estrangeiros até Shind para investigar o paradeiro de seu mestre e ajudá-los com as questões referentes ao bebê.

**********

– Archie, onde você esteve o dia todo? – perguntou Kiorina, ao vê-lo entrar pela porta da estalagem.

– Ah... fui passear...

– Puxa, que passeio, hein? Nós o procuramos até cansar! Enfim, depois de desistirmos, Hildo nos levou a uma taverna, onde nos apresentou a um grupo de anões que trabalham no ramo de jóias.

– Que pena... gostaria de conhecê-los também.

– Esses anões são sujeitinhos bem diferentes... No início, achei que eles eram fechados e carrancudos, mas, com o passar do tempo, bebemos e nos divertimos bastante! – disse Kyle, entusiasmado.

– É, eles são realmente muito gentis! Até me presentearam com esta pulseira, olha só... – disse Kiorina, estendendo o pulso na direção de Archibald.

– Puxa, ela é realmente muito bem trabalhada!

– Eles nos falaram bastante da Academia e de como a arte da escultura, da pintura e até da joalheria são ensinadas.

Archibald simplesmente concordou, sinalizando. Um pouco abatido, caminhou em direção à escada.

– Archie, você está bem? – perguntou Kiorina.

– Sim, só um pouco cansado... vou-me deitar. – disse, sem se virar, e subiu lentamente as escadas.

Kyle e Kiorina observaram-no, em silêncio, enquanto subia. Após alguns momentos, Kiorina disse:

– Você não acha que ele está se comportando de forma estranha ultimamente?

Kyle estava sentado com ambos cotovelos sobre a mesa e com os punhos cerrados contra o rosto.

– Sim, mas... você não acha que ele pode estar se comportando dessa forma pelo simples fato de ser um monge Naomir e não mais aquele garoto que conhecíamos?

– É, você deve estar certo; na verdade, talvez não saibamos dele hoje o suficiente.

Kyle não queria continuar com o assunto; decidiu levantar-se e sair. Pensava que Archibald talvez só estivesse um pouco diferente por causa da luta com os bestiais; ele mesmo não se sentia muito bem. Não conseguia deixar de pensar naquela luta e sentiu uma estranha sensação de que outras, ainda piores, viriam. Ao sair, percebeu uma estranha movimentação. Muitas pessoas iam em direção à entrada da cidade. Seguiu o fluxo até onde uma pequena multidão se aglomerava.

Depois de uns momentos confusos, Kyle finalmente pôde entender o que havia acontecido. Mensageiros vindos de Shind noticiavam a morte de Kivion, o que se espalhou rapidamente por Tisamir. Confirmaram que ele e seus acompanhantes foram emboscados por bestiais e seus corpos encontrados fora dos limites de Shind. Chegaram também notícias de ataques de bestiais nas fronteiras do condado de MontGrey. Houve grande alvoroço na cidade. Quando Kyle chegou à estalagem, a notícia já havia chegado aos ouvidos de Kiorina, que reagia:

– Mas, que droga! Como isso pode estar acontecendo?

– Calma, Kiorina, você precisa ficar calma! – Kyle dizia à jovem feiticeira.

– Você não vê?

– O quê?

– Nada... – disse ela soluçando.

Uma voz veio da direção da porta.

– Calma, Srta. Kiorina, você não deve se culpar pelo que está acontecendo.

Ambos se viraram e viram a figura de Noran, vestido com roupas comuns, calça de couro, camisa parda e, na mão, uma sacola.

– Sr. Noran, eu sinto muito pelo falecimento de seu mestre. – disse Kyle, com pesar.

– Eu também. – disse Kiorina e ficou imaginando como Noran sabia que ela se sentia culpada por aquela morte.

– A notícia não foi uma surpresa para mim. Vim acompanhá-los até Shind para investigarmos as circunstâncias da morte de meu mestre. – fez uma pausa e completou: – Talvez você não possa compreender agora, Srta. Kiorina, mas não é culpa de nenhum de vocês esse triste fato. Existem forças superiores que operam, forças das quais meu mestre podia captar pequenos fragmentos. Ele próprio me deixou uma carta dizendo que não retornaria de sua viagem e que havia chegado o momento de ir, assim como chegava o meu momento de participar.

– Então você já sabia?

– Não, o futuro é cheio de incertezas, não é passível de previsão concreta. Vamos, devemos encontrar seu companheiro monge para partirmos imediatamente.

– Futuro... – sussurrou Kyle. – Isso me lembra de... – e foi abruptamente interrompido por Hildo, que entrou ofegante, dizendo:

– Um dos... – ao ver Noran, se recompôs e disse: – Sr. Noran, que surpresa vê-lo aqui... eu trazia a notícia de que um dos acompanhantes de mestre Kivion acabou de chegar à cidade, bastante ferido.

– Vamos imediatamente! – disse Noran.

**********

Chegaram em pouco tempo ao local para onde o homem havia sido levado, o casarão de um comerciante, que ficava perto da entrada da cidade. Alguns curiosos se concentravam nos portões da casa, mas não lhes era permitido transpô-los. Ao chegar, Noran conseguiu entrar rapidamente, acompanhado por Kyle e Kiorina.

Havia alguns curandeiros tentando salvar o homem, que parecia bastante ferido. O dono da casa, um senhor parrudo, com barriga protuberante, rosto largo e um grande e cheio bigode, logo se dirigiu a Noran:

– Quero apresentar meu pesar pelo falecimento de vosso mestre.

Noran sinalizou com a cabeça e pôs a mão sobre o ombro do comerciante. Logo depois, fez sinal indicando o homem ferido. O comerciante levou-os até a sala seguinte, onde curandeiros faziam os curativos. O homem suava muito e balbuciava coisas sem sentido. Noran ajoelhou-se ao lado dele e pressionou a palma da mão direita contra sua testa. Os curandeiros se afastaram e ficaram apenas observando. Parecia que o homem se acalmara um pouco. Noran fechou os olhos e ficou ali parado por algum tempo. Quando o soltou, o homem não mais se movia. Noran então se levantou lentamente, suspirou e disse:

– Ele se foi...

– Ele disse alguma coisa? – perguntou o comerciante.

– Sim, falou do o último desejo de mestre Kivion.

Kyle cochichou no ouvido de Kiorina:

– Como é que é? Ele falou? Mas eles não disseram uma palavra sequer...

Kiorina respondeu em voz baixa:

– Eu já li alguma coisa sobre isso; é uma espécie de magia, que não necessita de gestos, palavras ou utensílios de poder. Vários efeitos mágicos são alcançados apenas com o pensamento.

– A senhorita estaria correta, não fosse o fato de que os dons nada têm a ver com magia. – respondeu Noran, mesmo sem ter escutado a voz da moça.

Ela ficou embaraçada, sem saber o que dizer e, ao mesmo tempo, intrigada. Como ele poderia ter ouvido o que dissera? Kyle também ficou encabulado.

– Vocês não precisam se preocupar com isso. É natural que fiquem curiosos e talvez confusos com o que ocorre, afinal é o primeiro contato que têm com os dons da mente, que são raríssimos.

O comerciante que acompanhava a conversa curioso disse a Noran:

– Com licença, quem são nossos visitantes?

– Cavaleiro Kyle Blackwing e Srta. Kiorina de Lars, de Kamanesh.

O comerciante apresentou-se e disse que gostaria de tê-los conhecido em melhores circunstâncias. Rapidamente se despediram e voltaram à estalagem.

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