Capítulo 12

CAPÍTULO 12

Kiorina, Kyle e Archibald estavam muito cansados para procurar Kivion àquela hora; decidiram então resolver seus negócios no dia seguinte. Dormiram numa estalagem bem aconchegante, perto de um dos palácios de Tisamir. Quando Kyle acordou, procurou por Archibald, que dormira na cama ao lado, mas não o encontrou. Virou-se. Ainda deitado, começou a examinar o quarto em que estava. Olhou as paredes de pedra alaranjada bastante lisa. A pequena janela de madeira, pintada de amarelo, estava fechada. Kyle pensava nas cores das coisas. Levantou-se lentamente e andou em direção à janela. Girou um pino e a abriu. A luz forte foi projetada para dentro, iluminando apenas uma pequena parte do quarto, onde também circulou a brisa. Kyle protegia a vista com uma das mãos. A luz machucava seus olhos. Aos poucos, surgiu na sua frente a primeira imagem daquela cidade.

O ar da manhã em Tisamir era suave, se comparado ao de Kamanesh. O cheiro era até muito bom. A janela em que Kyle se apoiava deixava espaço apenas para seu torso passar; não era como as janelas de sua cidade. A movimentação era intensa, muitas pessoas circulavam na rua naquele momento. O sol já iluminava a cidade. Com isso, Kyle percebeu que não era muito cedo. Resolveu banhar-se, descer e procurar por seus companheiros. Quando desceu, tinha os cabelos amarrados e vestia uma de suas melhores roupas. Sentiu-se aliviado de não vestir mais a roupa usara durante sua jornada. Observou a leve cicatriz na palma da mão, resultado do encontro com os bestiais, e se lembrou dos olhos vermelhos daquele com quem lutara quando cortou a mão e de seu terrível hálito. Fez uma careta enojada e balançou a cabeça. Havia acabado de descer as escadas.

– Está tudo bem, Kyle?

Só agora percebia que Kiorina estava sentada com as mãos sobre uma mesa, diante da escadaria. Devia estar olhando para ele desde que começara a descer. Fechou o punho com força, puxou uma cadeira para sentar-se e disse, olhando finalmente para ela:

– Não... na verdade, estou bem...

– É mesmo?

Kyle via os cabelos ruivos de Kiorina, decentemente penteados desde o início da viagem. Depois, olhando em seus olhos, disse:

– Aqueles bestiais... – olhou para baixo, sem terminar. Kiorina pegou as mãos de Kyle e forçou os dedos, para que se abrissem. Observou a palma da mão direita. Ambos olhavam para baixo nesse momento.

O som de passos apressados preencheu a pequena sala. Os dois olharam em direção à porta e viram Hildo, o garoto que se havia oferecido como guia na tarde passada. Perceberam que ele olhava suas mãos dadas e esboçava um sorriso sem graça. O garoto deu um passo atrás e disse:

– Desculpem-me interromper...

Ambos retraíram as mãos, num gesto brusco e simultâneo.

– Interromper o quê? Vamos, entre! – disse Kyle, como se nada houvesse acontecido.

Naquele momento, não conseguiu deixar de pensar em Gorum e naquela conversa toda sobre Kiorina estar interessada nele. Sentiu-se desconfortável e levantou-se num sobressalto.

Hildo observava tudo e achava bastante curioso.

– Bem, Sr. Kyle, acho que o senhor deve estar-se perguntando onde seu companheiro, o Sr. Archibald, está neste momento.

– Ah, sim... Você sabe alguma coisa, não sabe? – perguntou Kyle, andando em direção ao garoto.

– Sim, senhor! – ele olhava para cima e virou-se para o balcão que ficava na outra sala. – Por favor, tragam o desjejum dos novos hóspedes!

Kyle ficou olhando, desconfiado.

– Ah... Eu lhe disse que essa estalagem é do meu tio? – o garoto justificou-se e conduziu Kyle de volta à mesa. – Vocês não querem ir atrás dele sem comer nada, não é?

Kyle concordou, e os três sentaram-se à mesa. Um homem vestido com uma túnica branca trouxe uma bandeja com pães e uma jarra de suco. Os pães pareciam ter saído do forno há pouco.

– Obrigada. – Kiorina agradeceu ao homem. Virou-se para Hildo e disse: – Bom dia!

– Bom dia, Srta. de Lars!

– Kiorina, por favor.

– Como quiser, Srta. Kiorina.

– Hum... pães... recheados! – disse Kyle, enquanto mastigava.

Kiorina e Hildo olharam com o canto dos olhos para ele, depois se olharam e seguraram uma risada. Hildo tirou o chapéu branco que usava e colocou-o sobre a mesa.

– O Sr. DeReifos acordou bem cedo e me perguntou onde havia uma fonte aqui por perto. Eu o levei até lá. Chegamos ao amanhecer. Ele pediu para ficar sozinho e que vocês fossem para lá após seu desjejum.

– (nhac)... É mesmo? – Kyle fez uma cara de surpresa.

– Huh, huh! – acenou positivamente.

Kyle engoliu tudo de uma vez, fazendo uma careta, e quis confirmar:

– Uma fonte?

– É... uma fonte. – disse Hildo, casualmente.

– Hmmm... – Kyle deixou escapar.

– Isso deveria significar alguma coisa? – perguntou Hildo.

Kiorina e Kyle se encararam de uma forma fria. Kyle balançou a cabeça negativamente e disse, num sussurro:

– Não...

Hildo ergueu os ombros. Kiorina logo mudou de assunto.

– Então, Hildo, você conhece o homem que atende pelo nome de Kivion?

– Ah, sim...

– Que ótimo! – Kiorina disse, antes que Hildo pudesse terminar.

– Vocês vieram aqui para vê-lo? – perguntou o garoto, surpreso.

– Você pode nos levar até ele? – indagou Kyle.

– Kivion? É... Você quer dizer mestre Kivion, do Grande Conselho?

– Sim, o mestre Heirich mencionou um certo Conselho.

– Um certo Conselho? – o garoto balançou a cabeça e disse: – Vocês de Lacoresh falam de uma forma muito... peculiar.

Kiorina ficou em silêncio. Percebeu que havia falado casualmente sobre algo que parecia muito importante para o garoto. Kyle mastigava mais um pão e não havia percebido a equivocada ofensa. Kiorina então disse:

– Desculpe-me a maneira como falei do Grande Conselho.

– Não, não foi nada. – disse o garoto, sem dar muita importância ao fato.

– (nhac)... Vamos então? (nhac)... Eu já terminei... – disse Kyle.

– A Srta. já terminou? – perguntou Hildo.

– Sim, obrigada. – disse Kiorina ao levantar-se.

**********

Depois de sair da estalagem, Kyle e Kiorina foram guiados por Hildo pelas ruas de Tisamir. Sob o sol da manhã, a cidade ganhava um brilho especial, as ruas e calçadas de pedras alaranjadas perfeitamente polidas refletiam a luz nas construções, desenhando mosaicos de luz branda nas paredes coloridas de Tisamir. Depois de descer dois níveis da cidade, começaram a adentrar o bosque central, que era belíssimo, cortado por diversas trilhas de pedra polida, as quais não refletiam o sol como as outras por estarem sob a sombra das árvores. Ali corriam muitas crianças de um lado para outro, observadas por suas mães, sentadas em bancos de pedra entre as árvores. Três delas se aproximaram. Eram uma garota e dois garotos bem pequenos, teriam passado por seis ou sete primaveras. Todos tinham cabelos bem pretos e olhos claros como o céu. A garota parecia ser a mais velha.

– Moço, por que o senhor está vestindo essa roupa engraçada? – perguntou a garotinha, numa pose acanhada. Balançava um dos pés e coçava a cabeça com uma das mãos. Tinha um olhar inocente; seus lábios esboçavam um pequeno sorriso maroto.

– Você acha minha roupa engraçada? – disse Kyle, sorrindo.

Os dois garotos tentavam conter o riso. Kyle agachou-se, apoiando os braços nos joelhos, e disse:

– Sabe de uma coisa? Eu não sou daqui, por isso minhas roupas são diferentes...

– Todos os estrangeiros vestem roupas engraçadas? – perguntou a menina, enquanto pegava na manga da camisa de Kyle.

Ele olhou sobre os ombros dela e viu que sua mãe se aproximava. Vinha dizendo:

– Kamira! O que eu já lhe disse sobre importunar estranhos?

Num piscar de olhos, a garota correu de volta para a grama. Os dois garotos a seguiram. A mãe da garota parou e disse:

– Desculpem-me, eu ensino e ela sempre desobedece...

– Não foi nada, senhora, ela é uma boa garota. – disse Kyle, sorrindo.

Seguiram pelos caminhos do bosque. Era um lugar tão vivo quanto as florestas, apesar de estar no coração de uma cidade, em cima de uma montanha cercada de pedras. Havia muitos pássaros, pequenos animais, sons e cheiros naturais. A fonte de que Hildo havia falado encontrava-se no centro do bosque. Já conseguiam escutar o tênue barulho de água jorrando; logo puderam avistá-la. Havia também um pequeno lago, em cujo centro se via um conjunto de esculturas em mármore azul, com orifícios dos quais jorravam fios de água, em todas as direções. As esculturas era estranhas para Kyle, que não compreendia bem o que pareciam seres humanos rodeados de criaturas que nunca vira. Só depois de se acostumarem com aquela imagem estonteante é que perceberam Archibald do outro lado da fonte, em posição de meditação dos monges Naomir, totalmente compenetrado. As crianças que brincavam ao seu redor não pareciam incomodá-lo. Aproximaram-se contornando o pequeno lago. Podiam perceber com mais detalhes a expressão de completa concentração no rosto de Archibald. Quando já estavam a poucos passos dele, suas sobrancelhas e olhos fizeram um movimento tenso, sua face demonstrou uma forte emoção, algo entre sofrimento e ira. Ele, então, rapidamente, exalou a respiração e abriu os olhos. Levantou-se com certo esforço, respirando intensamente, como se estivesse bastante cansado.

– O que há, Archie? Alguma coisa errada? – perguntou Kiorina, assustada.

– Ah... vocês estão aqui? – disse, surpreso. Depois, pensou na falta de sentido do que havia dito e tentou reparar. – Quero dizer, você já chegaram... Que bom! Podemos ir procurar Kivion agora, não podemos?

– Você se assustou com a nossa chegada? – perguntou Kyle.

– Pode ser... É! Foi o que aconteceu. – afirmou Archibald, parecendo estar ainda um pouco confuso.

Saíram imediatamente. Caminharam em silêncio até o fim do bosque. Kyle não encontrava sentido no que havia acontecido com Archibald. Como a aproximação quase silenciosa deles podia ter provocado aquela mudança no monge, se havia vários garotos fazendo barulho à sua volta? Retornando às ruas de Tisamir, Kyle deixou sua hesitação de lado e perguntou:

– Diga-me, Archibald, o que você foi fazer na fonte?

– Ora, fui meditar e orar! Isso não ficou claro? Que pergunta é essa?

– É... não... é que... – Kyle ficou desconsertado com a resposta de seu companheiro, que tinha um tom quase de ofensa. – Claro, foi só uma pergunta boba mesmo...

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