Capítulo 6- Ritmos

"Me acompanhe em uma dança madame?"

Que o ritual era perigoso, e podia lhe causar problemas, Gorven sabia. Mas o que não imaginava era que a cidade que o evolvia, possuía mistérios relacionados à morte.

Quando leu metade do livro "olhos", Gorven marcou a página, o fechou, e o guardou na cômoda ao lado da cama.

Em tantas páginas que leu, aprendeu apenas algumas coisas. E o que mais o chamou atenção, que era algo que já tinha comentado com outros participantes do ritual, era que as pessoas de Grinvield tinham um destino já montado para sua morte, desde os seus nascimentos.

Ele ficou em pé, e andando de um lado para o outro do quarto, começou a pensar formas de matar o garoto.

Pensou em utilizar a sua faca, a tão usada nos rituais, mas seria uma morte lenta, e causaria muita sujeira.

Pensou em arrumar uma arma, seria de fato uma morte rápida, mas causaria muito baralho, e por ser um hotel repleto de hóspedes, teria que encontrar uma forma silenciosa de matar.

Depois, pensou em utilizar os próprios meios que o hotel oferecia. Empurrá-lo do segundo andar, afogá-lo no lago, enforcá-lo, bater sua cabeça contra uma das janelas, atropelá-lo, asfixia-lo, ou até mesmo sufocá-lo com uma das cortinas.

Escolheu asfixia-lo.

Agora, precisaria pensar com qual objeto usaria. O mais recorrente seria um travesseiro ou uma almofada, afinal o hotel estava repleto deles. Afirmou para si mesmo que usaria um travesseiro.

"Uma morte que dependendo da minha força pode ser rápida, e silenciosa. Só precisaria encontrar uma forma de atraí-lo para um cômodo vazio, sem ninguém por perto", pensou se olhando no espelho.

Após bolar seu plano, saiu do quarto para procurar um cômodo.

Os corredores do hotel estavam movimentados. Era horário de almoço, e os hóspedes saíam de seus quartos, em direção ao refeitório.

Luna, a cozinheira do hotel, tinha acabado de chegar do velório, voltou antes mesmo do enterro começar, sendo assim, não presenciou o ocorrido macabro. Ela se encontrava cozinhando e preparando os pedidos dos hóspedes, enquanto Tyler, servia os pratos.

—Você parece preocupado, aconteceu alguma coisa? —Luna perguntou, colocando um prato de comida no buraco de tamanho médio e com a parte de cima circular da parede.

Tyler ficou calado. O garoto que fugiu não saía de sua cabeça. Pensava nele, e tentava lembrar se o conhecia de algum lugar. Por isso, passava o resto do dia palpitando crianças que conhecia. "Eu já o vi... eu o conheço... tenho certeza"

—Tyler? —Insistiu Luna.

—Eu... estou bem. —Tyler disse, engolindo saliva.

—Tem certeza?

—Eu... sim!

—Ok. —Luna entregou o prato. —Mesa 7.

Tyler levou o prato, anotou mais pedidos, e voltou.

—Mesa 4, 5, e 2. —Disse entregando o papel de pedidos.

—Você parece assustado.

—Mas não estou.

—Tudo bem então. Viu se o patrão chegou?

—O Eric? Não.

—O hotel está uma bagunça, muito trabalho, os dois tinham que estar aqui.

Houve uma pausa enquanto Luna pegava mais um prato.

—Mesa 3. —Luna entregou o prato.

—O cara da mesa 2 pediu para mostrar o hotel para ele, o que eu falo? Não posso sair daqui. Será que a porra desses hóspedes não entende que aqui é nosso trabalho?

Luna olhou para a mesa.

—Não tinha visto aquele ainda.

—Ele chegou hoje mais cedo. Estranho. Inclusive ele que me atrapalhou a pegar o garoto.

—Que garoto?

Tyler ficou calado.

—O do olho vendado? —Luna perguntou.

—Você o conhece?

—Na verdade não, mas já o vi. Acho que é parente dos Morwood. Perguntei sobre ele, mas não quiseram responder.

—Ele está aqui desde quando?

—Bom... eu o vi na noite dos policiais.

—Noite dos policiais?

—Não soube? Houve um assassinato de 6 crianças, estavam procurando um corpo aqui.

—Que Deus as tenha! —Tyler afirmou pegando o prato e servindo.

Gorven se encontrava sentado na mesa 2, lendo o livro. A cada página, descobria mais segredos. Até que avistou Liv passando pelo refeitório.

Gorven em um reflexo, se levantou, tacou o livrou no chão e correu em direção a ele.

Tyler que estava servindo um prato, também percebeu a presença de Liv, e o seguiu.

O menino entrou em um corredor aberto que levava à parte da mansão que os hóspedes não podiam entrar. Atrás, Gorven vinha caminhando lentamente sem fazer barulho.

Tyler também o seguia, mas de longe. Se perguntava por que o homem estranho que tinha atendido mais cedo, também seguia o garoto.

Liv chegou a uma sala de jantar, e abriu uma porta de vidro, saindo para o jardim.

Quando Gorven chegou perto da porta, para continuar o seguindo, Tyler se aproximou.

—O que você faz aqui?

Gorven se virou e se deparou com ele de braços cruzados.

—Eu...

—Você o conhece?

—Quem? —Gorven tentava esconder o nervosismo.

—O garoto.

—Não conheço nenhum garoto, se for o que estava a minha frente, nunca o vi.

—Então por que estava o seguindo?

—Eu...

Houve um breve silêncio.

—Estava procurando o banheiro! —Gorven afirmou, tentando escapar do diálogo.

—Não é por este caminho senhor. Volte para o refeitório e verá que os banheiros ficam na parte direita dele!

—Certo... obrigado.

Com fúria nos olhos, Gorven voltou para o refeitório.

"Eu vou matar aquele filho da puta", pensou dobrando o corredor.

Tyler esperou que Gorven saísse, e logo após foi para o jardim. Avistou o garoto dentro da estufa.

Entrou e fechou a porta.

—Olá.

Liv se assustou.

—Você não respondeu minhas perguntas hoje!

Houve um silêncio inquietante.

—Vamos conversar. Mas dessa vez, você vai me responder tudo.

Cemitério Nascidos de Novo

A neblina do cemitério foi embora.

Como é possível corpos serem enterrados sem seus próprios olhos?

Essa pergunta passava de pessoa a pessoa conturbada em meio ao ocorrido.

Nem mesmo o padre local, imaginara que aquilo fosse real.

Passados alguns minutos, o choque foi se dividindo, e as expressões assustadas, tornaram se em expressões de curiosidade.

A agência do velório decidiu evacuar todo o local, até que tudo estivesse pronto novamente.

No estacionamento, Thomas e Esther continuavam bebendo vodca, sentados no capô do carro.

Depois de desfrutarem de toda bebida possível, decidiram caminhar pela propriedade.

Começaram a passear por um caminho traseiro, que ligava o estacionamento à área dos túmulos.

O caminho era largo o suficiente para duas pessoas conseguirem caminhar sem nenhuma dificuldade. Ele era cercado das grandes árvores de pinheiro bruto, que formavam um fascinante arco cobrindo o céu nublado. A chuva, formava um satisfatório som quando caía sobre as rochas. Era possível escutar os barulhos leves do rio Westgrin Chine atravessando à esquerda do caminho. E os pássaros fugindo da chuva que ficava mais forte a cada minuto, gritavam no céu em busca de um lugar seguro.

Thomas estava do lado esquerdo, próximo ao rio, e Esther andava dançando, capturando cada gota que caía sobre ela.

—Não é incrível? —Esther perguntou, saindo do caminho e caminhando na floresta de terra úmida.

—O que?

—A chuva!

—O que há de tão incrível?

—Como assim o que há de tão incrível? Ela por si só é algo incrível!

—Fascinada com chuva? Você está mesmo muito bêbada.

—Você também bebeu jornalista! —Esther disse, abrindo um sorriso.

—Não tanto quanto você! Afinal... onde estamos indo? Não era pra voltarmos? A chuva pode piorar.

—Fala sério. Não quero enfrentar os sermões do meu irmão agora.

Depois de caminharem por um longo tempo, chegaram a uma escada de pedra, que subia uma montanha.

—Onde isso leva?

—Não sei, vamos descobrir. —Esther disse, ainda dando passos dançantes no ritmo da chuva.

Subiram toda escada, até chegarem a um campo enorme, repleto de túmulos luxuosos.

—Uau! A parte rica dos mortos.

—Não deveríamos estar aqui! —Thomas hesitou.

—Está vendo alguém aqui? Eu não estou! —Esther se colocou na grama do campo e começou a correr em direções diagonais, atravessando os túmulos.

A chuva ficava mais forte e mais grossa, deixando a grama molhada e os túmulos deslizantes.

—O que você realmente pretende ficando aqui? —Thomas perguntou, terminando de subir os degraus e entrando no campo.

—Não sei. O que pretendo é não estar lá.

—Acho que nunca vou te entender.

Esther riu e voltou a dançar na chuva.

Percebendo que Thomas estava parado, quieto, Esther o chamou.

—Thomas! Você precisa conversar com a chuva, venha.

—Como assim conversar? —Thomas disse, caminhando em direção a Esther.

Esther estava vestida com um dos seus longos vestidos de tecido leve. A sua cor era escura, uma mistura de preto com um azul, que na metade, se encontravam formando um belo degradê. Na cintura, ele era circulado com uma faixa branca, que se amarrava gerando um laço na parte de trás.

—Entendê-la, senti-la.

—Que piada! —Thomas riu.

Esther pegou as mãos de Thomas, e o conduziu para o meio dos túmulos.

—A cada gota que cair sobre você, realize um passo de dança, ou até mesmo ande. Tente desviar da chuva, não vai conseguir óbvio, mas você vai criar um ritmo.

Esther começou primeiro. Pulava, andava, dava aberturas, e produzia passos de balé. O pé descalço, sequer deslizava na grama, visto que mal encostavam na superfície molhada.

Thomas, com vergonha, também começou, tentando reproduzir o que ela fazia.

Os dois riam, davam gargalhadas, caiam no chão. Aproveitavam a diversão momento por momento.

—Chega de dançar! —Esther afirmou. Subiu em um dos túmulos, e dele, pulou para outro.

—Mas que merda você está fazendo?

—Apenas me imite.

Esther continuou pulando de um túmulo para o outro. Os mais altos, tentava se apoiar na parte que sustentava as fotos dos falecidos, para o pulo ser maior.

Thomas, com o efeito da bebida começando, a imitou.

Sem perceber, estavam gargalhando de novo.

A adrenalina fervescente, circulavam o corpo dos dois.

Esther, que estava mais animada do que nunca, abandonava todas as preocupações e aflitos de sua mente. Em tão pouco tempo, esqueceu do fato que um cadáver estava no armário de sua casa. Todo aquele ódio do irmão, e os esforços do trabalho, soltou em uma rajada de gargalhadas.

"Ele me faz sentir bem", pensou olhando para Thomas.

Continuaram pulando de um túmulo para o outro, até eles acabarem, chegando na parte das cruzes de madeira fincadas.

Esther olhou para Thomas, ele estava em pé na beira de um túmulo, se encontrava na frente de um pequeno lago, que encheu com a chuva. Pulou até ele, e o empurrou no lago.

Vendo-o nadar para cima, riu e o zombou.

—VOCÊ VAI VER! —Thomas gritou, correndo em direção à Esther.

—Tente me alcançar idiota!

Sem perceber, estavam brincando de pique pega. Dessa vez sem pular nos túmulos, mas correndo na grama molhada.

Não durou muito para que Thomas a alcançasse. Pegou- a pelos braços e a puxou por trás.

  —Me acompanhe em uma dança madame? —Thomas disse, a virando.

Os dois ficaram de frente para o outro, com as mãos entrelaçadas.

—Bobo! —Esther riu. Pegou na mão direita de Thomas e a levantou, e com a esquerda, apalpou seu ombro.

Thomas a puxou para mais perto, e a agarrou na cintura.

Logo após, começaram a dançar no ritmo de uma valsa.

Com os movimentos circulares da dança, o vestido de Esther esticava, formando adequadamente, círculos que se desfaziam.

Em direções diagonais, os dois atravessavam todos os túmulos, voltando todo o caminho que fizeram, com os passos longos da dança.

Quando chegaram a parte vazia do campo, pararam, mas não se soltaram.

Ficaram ali, olhando um para o outro, com olhares confortáveis e sorrisos calmos.

Thomas soltou a coluna de Esther, e com os dedos, passou seus cabelos para trás da orelha, logo após, prendeu a mão em seu rosto.

Esther sorriu.

Thomas desceu a mão para o pescoço dela, e acariciou. Ainda olhando em seus olhos, ele puxou seu rosto para perto.

Quando de repente um relâmpago ocasionou um intenso estrondo.

Os dois se assustaram e se soltaram.

Logo após, um assustador barulho vindo da floresta de baixo, ecoou no local.

—Que porra foi essa? —Thomas perguntou, distanciando de Esther.

—Não sei. Vou lá ver.

—Cuidado.

Esther desceu as escadas novamente e seguiu o lugar de onde imaginava que o estrondo veio.

Andou um pouco, se adentrando na mata. Até que avistou um tronco caído, ele parecia estar sendo apagado com a chuva.

Esther aproximou e averiguou o tronco.

"Um raio o acertou", pensou atravessando para o outro lado do tronco. Quando atravessou, se assustou.

Seu corpo gelou e paralisou. Sem perceber, gerou um grito.

Um corpo de uma criança estava em sua frente. O  mesmo desaparecido no velório, estava ali, caído na terra.

Novamente Esther estava assustada na frente de um corpo, mas dessa vez, o corpo estava sem olhos, com dois buracos sujos no rosto.

Esther antes mesmo de poder pedir ajuda, avistou alguém na floresta.

Uma sombra entre as árvores. Uma imagem escura e apavorante.

A sombra foi se revelando ao se aproximar.

Um homem encapuzado, com os olhos vendados, estava fixamente a avistando de longe.

Esther começou a dar passos curtos e leves para trás, tentando escapar sem que ele percebesse. Mas não conseguiu.

O homem que a observava de longe, estendeu os braços para a direção dela, e abriu as mãos.

De repente, Esther sentiu seus pés pararem. A sensação era como se eles tivessem congelando, não conseguia os mexer.

Essa sensação foi se alastrando por todo o seu corpo, subindo dos pés aos ombros, lentamente.

Sentia cada membro paralisando.

Quando a sensação chegou até à cabeça, adormeceu. 

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